Aeroporto Sá Carneiro – desTAPizar espíritos e desfazer equívocos

O aeroporto do Porto é enorme sucesso, assente no crescimento do tráfego intra-europeu de companhias estrangeiras. A TAP não contribui nem contribuirá para este crescimento e o tráfego intercontinental é quase irrelevante. O sistema político deve conhecer a dinâmica que está realmente na base deste sucesso para a facilitar e estar preparado para a apoiar no dia em que haja problemas. Para isso tem de desTAPizar espíritos e eixar de ruminar equívocos.

Num primeiro post celebramos indicadores do sucesso do aeroporto e abrimos debate sobre o seu posicionamento no futuro, factor decisivo da sustentabilidade do sucesso que tem vindo a conhecer.

Dada a relevância da TAP e da reversão da sua privatização, sugerimos a consulta de posts sobre o assunto (primeiro, segundo, terceiro, quarto).  

Boa leitura e previa consulta dos Princípios Gerais do Blogue em:


*O sucesso e o anticlímax
Em 30 de Novembro de 2015, com o aeroporto do Porto a comemorar 70 anos de vida, o Jornal de Notícias anuncia: “Aeroporto do Porto com planos para duplicar passageiros em 6 anos”. No texto, o director do aeroporto afirma:

-“As companhias de longo curso só começam a equacionar aeroportos quando atingem cerca de 12 milhões de passageiros, portanto, com oito milhões, já vão começar a olhar para nós com outro interesse. Já temos algumas aproximações de certas companhias, mas estas coisas chegam a levar anos a negociar".

-“Lembro-me de andarmos de "chapéu na mão" a correr todas as forças vivas da região para conseguirmos um incentivo que trouxesse para cá as "low cost", e de todos nos dizerem que esse turista de chinelo não nos interessava. Só o Mário Ferreira [da Douro Azul] foi capaz de participar nesse incentivo, numa altura em que a Ryanair mal nos recebia. Posso dizer, sem modéstia, que foi o Aeroporto do Porto que deu o pontapé de saída nisto tudo, neste crescimento brutal do turismo nos últimos anos." (1).

Dois dias depois, a 2 de Dezembro de 2015 e em declarações aos jornalistas à margem da reunião camarária e admitindo não saber se a decisão está tomada, o presidente da Câmara Municipal do Porto cria um anticlímax a este sucesso ao disparar contra a TAP e Lisboa a propósito da decisão de cancelar os voos intercontinentais no aeroporto Sá Carneiro – é caso que detalhamos no ponto 2.

1.Para uma abordagem objectiva da TAP no aeroporto do Porto
Neste primeiro ponto

-quantificamos o papel da TAP no tráfego intercontinental do aeroporto do Porto e a sua participação no crescimento do tráfego aeroportuário entre 2001/2014,

-situamos a importância da TAP no quadro das companhias aéreas que operam para o Porto.  

*Quantificação do tráfego intercontinental do aeroporto do Porto
O gráfico 1 ilustra, entre 2001/2014, a parte da Europa em cada aeroporto do Continente:

-o tráfego de Faro é exclusivamente europeu (menos 0.01%),

-em Lisboa a Europa perde importância relativa em relação ao conjunto dos outros continentes devido ao sucesso do hub intercontinental,

-no Porto a parte da Europa passa de 94.0% a 95.3%.

Gráfico 1 – Parte da Europa em cada aeroporto do Continente
(percentagem)

Fonte – Elaboração própria com base em informação da ANA

O gráfico 2 ilustra o número de passageiros do aeroporto do Porto por país de origem de voos intercontinentais. O Brasil domina, seguido de Canadá EUA e Angola. Constatamos que os números têm significado reduzido.

Em 2013, há um total de 310k passageiros intercontinentais no aeroporto do Porto:

-a TAAG com 60k e a Air Transat com 34k são as companhias estrangeiras mais importantes, num conjunto que gera cerca de 110k passageiros,

-por diferença com o total, a TAP transporta cerca de 200k passageiros,

-muitos destes passageiros são do hub que a TAP opera no Porto dada a saturação da Portela, já ultrapassada pela maior eficiência deste aeroporto,

-a TAP pode cancelar voos intercontinentais de exclusivo ponto a ponto.

Esta é a racionalidade empresarial da decisão da TAP. Poderá ser mitigada? Ignoramos, mas o assunto exige diálogo e não espalhafato mediático.

Gráfico 2 – Países de origem de voos intercontinentais
(milhares)

Fonte – Elaboração própria com base em informação da ANA

*TAP no crescimento do aeroporto do Porto
A análise da variação anual do número de passageiros do aeroporto do Porto ganha em ser feita em comparação com a dos passageiros da TAP – gráfico 3.

A leitura do gráfico 3 deve ser ligada ao gráfico 4 sobre passageiros Portugália e TAP. Com efeito, o indicador TAP do gráfico 3 consolida os passageiros TAP e Portugália desde 2001 mas

-a Portugália ainda voa até parte de 2007, pelo que a variação anual positiva da TAP em 2007 e 2008 resulta de incorporar a variação da Portugália em 2006 e 2007.

O gráfico 6 (variação 2001/2013 por companhia) mostra como o contributo da TAP para o crescimento (715k) incorpora 461k de tráfego da Portugália.

Gráfico 3 – Passageiros do aeroporto do Porto e TAP – variação anual
(milhares)

Fonte – Elaboração própria com base em informação da ANA

Gráfico 4 – Passageiros Portugália e TAP no aeroporto do Porto
(milhares)

Fonte – Elaboração própria com base em informação da ANA

Chegados aqui, há uma conclusão a tirar:

-a TAP não tem intervenção significativa no crescimento do número de passageiros do aeroporto do Porto entre 2001/2013,

-o seu papel no futuro está condicionado pelo posicionamento do aeroporto e dinâmica empresarial da TAP.

Importa reter que estes factos resultam da estratégia empresarial da TAP, nas condições de regulação europeia e de mercado em que opera – ver primeiro post sobre a TAP.

*Tráfego aéreo do aeroporto do Porto por companhias
Os gráficos 10 e 11 dão pálida ideia da análise do tráfego do aeroporto do Porto por companhias aéreas e limitamo-nos a pontos concretos.

Em 2000 ainda há FSCs a voar para o Porto, mas KLM cessa operação nesse ano, Air France em 2007, Iberia em 2008 e a British Airways não opera. A Air Europa tem pouco tráfego em 2000 e perde-o. Swis e Brussels Airlines operam na ordem dos 50k. A Lufthansa é excepção. Esta evolução deve ser considerada no quadro dos três grupos da consolidação de FSC’s cuja estratégia para o tráfego intra-europeu tem elementos comuns:

-as ‘grandes companhias’ operam rotas que são significativas para o alimentar do hub intercontinental,

-há companhias com mais baixo custo de operação que alimentam os hubs (Iberia Express e parte da Vueling) e outras que voam para cidades que não são hub (Germanwings),

-em cada um dos três grupos, há uma Low Cost Carrier que ambiciona ser pan-europeia (Transavia, Vueling e Eurowings),

-casos especiais: Hop! da Air France e Air Nostrum franchisada da Iberia.

Quando a transformação do Lufthansa Group estiver em pleno, muito provavelmente veremos os actuais passageiros da empresa também repartidos por Germanwings e sobretudo Eurowings. No seio deste grupo, Swiss e Brussels Airlines podem ou não manter a pacatez do seu tráfego.

A TAP não foge a este modelo. A TAP Express será dominante, com a ‘ponte’ Lisboa/Porto e rotas em que resista à concorrência das LCC. 

Fora isto e casos pontuais de que a Aigle Azur  e Luxair são exemplo até ver, temos

-Ryanair a liderar de muito longe e com parte de mercado na zona dos 50%+,

-a Easyjet (com destaque para a Easyjet Suiça) a crescer,

-o potencial ainda inaproveitado da Norewegian e da Wizz Air.

Esta é a big picture das companhias aéreas no aeroporto do Porto.

Gráfico 5 – Passageiros por companhia aérea no Porto - 2013
(milhares)

Fonte – Elaboração própria com base em informação da ANA

Gráfico 6 – Passageiros por companhia aérea Porto - 2001/2013
(milhares)

Fonte – Elaboração própria com base em informação da ANA

2.DesTAPizar espíritos e desfazer equívocos 

Neste ponto mostramos como é importante desTAPizar os espíritos e desfazer equívocos quando se avalia o aeroporto do Porto, porque

-os voos intercontinentais da TAP não têm a importância que a política e opinião pública lhes dão,

-a TAP deu contributo mínimo ao crescimento do aeroporto do Porto,

-o contributo que pode dar no futuro passa mais pela base e hub de Lisboa,

-a ponte aérea facilita a vinda de turistas ao Porto e deslocações de residentes de Portugal ao estrangeiro.

Deixamos a TAP Express para posterior análise.

Em síntese e à imagem do País,

-o importante é a acessibilidade aérea competitiva ao Porto, que assenta em Low Cost Carriers e na qual a TAP ainda é relevante mas não determinante.

*Crítica à ainda não decisão da TAP cancelar voos intercontinentais
Segundo o Jornal de Notícias de 2 de Dezembro de 2015, “em declarações aos jornalistas à margem da reunião camarário” e admitindo não saber se "a decisão está tomada", o presidente da Câmara Municipal do Porto faz declarações de que damos amostra:

-"O meu dever é informar os accionistas da TAP, que estão neste momento a desenvolver um plano estratégico, que devem olhar para esta região e perceber que esta região pode estar com a TAP ou pode não estar com a TAP".

Da notícia da Rádio Renascença, citamos:

-"Por aquilo que sei, os accionistas da TAP querem que os voos de longo curso deixem de vir ao aeroporto Francisco Sá Carneiro. Ou seja, nós para apanharmos voos de longo curso da TAP teremos que ir a Lisboa com a velhinha frota Embraer da Portugália" [ignora que a frota vai ser renovada],

-"É uma pena, mas aconteceu nesta privatização, mais uma vez, o costume, que também já aconteceu o mesmo na privatização dos aeroportos: o Porto é sempre ignorado", desabafa o autarca.

-"Deixo aqui um sério aviso: é que a população do Norte de Portugal não vai esquecer isto e, provavelmente, vai escolher outro aeroporto. Madrid está à mesma distância de Lisboa. Em tempo aéreo, é praticamente o mesmo."

-"a grande ameaça é esta política de uma transportadora que já foi nacional e que agora é privada e que continua a estar de costas voltadas para o Porto". (2a).

O Presidente da Câmara Municipal não procura junto dos novos accionistas confirmação, explicação e eventual revisão da decisão.

A 29 de Janeiro de 2016, o Publituris online descreve o decidido na reunião do Conselho Metropolitano do Porto (CmP):

-“Manifestamos a discordância relativamente aquela que foi a opção da TAP” e lamentamos “profundamente a falta de diálogo de uma empresa tão importante e relevante como a TAP” [com os autarcas da Área metropolitana do Porto],

-“Não aceitamos e não admitimos qualquer enfraquecimento de uma estrutura tão importante como é o aeroporto Francisco Sá Carneiro”.

-“há aqui qualquer coisa que não está a correr de acordo com a estratégia que nos foi apresentada” e por isso os autarcas da AMP querem “ouvir de viva voz a TAP”.
Segundo o jornal,

-“Os autarcas da AMP decidiram também “desenvolver contactos com as forças vivas” da região, designadamente com o Turismo do Porto e Norte, associações empresariais e comunidades intermunicipais da região Norte, para que não estejam “sozinhos a contestar” a decisão da administração da TAP.” (2b).
*Reversão da privatização da TAP e impossível gestão política
Em 26 de Janeiro de 2016 e no contexto do ‘incidente Vigo’ que referimos a seguir,

-o vereador Ricardo Valente do PSD questiona Rui Moreira sobre a TAP cancelar rotas de Barcelona, Bruxelas, Roma e Milão. “O Porto merece uma explicação. O conselho de administração da TAP tem representantes do Estado, que votaram este plano estratégico. Como votaram? E comunicaram à tutela?”,

-Rui Moreira – que já defendera que a avaliação da relação da TAP com o Porto é diferente caso a empresa se mantenha privada ou volte a ser pública – admitiu que as perguntas do vereador eram “legítimas” e que iria “tentar saber” o que acontecera. (3).

O vereador e o Presidente

-ignoram que a TAP, de capital público ou privado, está obrigada a ser rentável em mercado aberto e sem ajuda do Estado, o que exclui ‘administradores por parte do Estado’ e decisões deficitárias com base em interesse público – ver o já referido primeiro post sobre a TAP.

As intervenções do presidente e vereador são uma espécie de recaída politica porque cerca de uma semana antes e segundo a Lusa, a “Câmara do Porto desvaloriza suspensão pela TAP de voos para cidades europeias”:

-"a notícia agora conhecida do cancelamento de ligações europeias não preocupa a câmara do Porto, já que as cidades de Barcelona, Bruxelas, Milão e Roma são ligadas ao Porto através de outros operadores." (4).

*“Ligação da TAP Lisboa-Vigo é “dramática” para o Porto”
A recaída política sobre o cancelamento de rotas acontece no contexto da reacção ao anúncio da rota Vigo-Lisboa pela TAP.

Rui Moreira fala em “segredo mais bem guardado” pela companhia TAP [operar a rota Lisboa/Vigo]. “Isto é dramático. Todo o tráfego da Galiza é retirado do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o que vai fazer com que daqui a um tempo se parem com as ligações intercontinentais. Está-se a reduzir o hinterland para depois justificar o fim das ligações intercontinentais, concretizando-se o que a TAP está a fazer há doze anos, que é destruir o aeroporto do Porto”.

Ricardo Valente do PSD: “Não consigo compreender como se considera estratégica a ligação Vigo-Lisboa, parecendo claramente uma intenção de transformar Lisboa na plataforma portuguesa, eliminando o Porto”. (5).
Rui Moreira e Ricardo Valente parecem ignorar que

-o hub intercontinental de Lisboa é indispensável à existência da TAP, está sujeito a intensa concorrência internacional e Lisboa dispõe de condições competitivas e comparativas únicas para o seu sucesso – a rota de Vigo faz concorrência ao hub da Iberia em Madrid,

-o aeroporto Sá Carneiro atrai tráfego da Galiza por via das LCCs que nele operam e da ponte aérea Lisboa/Porto,

-como vimos, os passageiros intercontinentais da TAP são poucos e a dinâmica empresarial transfere-os para Lisboa.

*Ponte aérea entre Lisboa/Porto – não ignorar o Lisboa/Porto
O PS junta-se à luta. Carla Miranda, actual deputada pelo PS, junta-se às vozes às críticas à TAP e garante: “alguns deputados eleitos pelo Porto já questionaram o Governo sobre o que pretende fazer e se conhecia a suspensão destas linhas”.

Já Manual Pizarro defende que a ideia “caritativa da ponte aérea” entre o Porto e Lisboa tem um único objectivo: “É drenar o tráfego do Aeroporto Francisco Sá Carneiro para o Aeroporto de Lisboa”. (6).

Manuel Pizarro não tem em conta que

-um residente na área do Porto só vai apanhar o avião a Lisboa se não tiver oferta no aeroporto de Sá Carneiro, o qual terá sempre menos rotas do que o de Lisboa,

-a ponte aérea facilita a viagem para o Porto via o aeroporto de Lisboa, seja em hub intercontinental ou ligação intra-europeia.

*Declarações recentes
Neste post não referimos declarações recentes de Rui Moreira e do presidente de uma associação empresarial. Não acrescentam nada de novo porque insistem nos argumentos que desmontamos.

Estas declarações têm relevância por confirmarem estarmos longe da avaliação objectiva da situação, o que realmente importa para o futuro. E a elas voltaremos.

A Bem da Nação

Lisboa 4 de Março de 2016

Sérgio Palma Brito

Notas

(1)Ver
2015.11.30.JN.PortoDuplica
Aeroporto do Porto com planos para duplicar passageiros em 6 anos

(2a)Ver
-2015.12.02.DN.RuiMoreira.TAP
Rui Moreira diz que TAP tenciona abandonar longo curso no aeroporto do Porto
-2015.12.02
Rui Moreira diz que TAP admite acabar com voos de longo curso de e para o Porto

(2b)Ver
2016.01.29.Publituris.TAP.Porto.Autarcas
AUTARCAS DA ÁREA METROPOLITANA DO PORTO QUEREM EXPLICAÇÕES DA TAP

(3)Texto redigido com base em
 2016.01.26.Publico.TAP.VigoDramáticaPorto
Ligação da TAP Lisboa-Vigo é “dramática” para o Porto

(4)Ver
2016.01.19.sapo.CamaraPortoCancelamento
Câmara do Porto desvaloriza suspensão pela TAP de voos para cidades europeias
Ver também a posição da associação empresarial APHORT em
2016.01.21
AHPORT Considera uma Oportunidade o Cancelamento de Rotas no Norte

(5)Ver Nota (3).

(6)Idem.


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