Taxa municipal turística de Lisboa – estratégia, profissionalismo e entropia (1)


*Síntese

Uma estratégia consensualizada e implementada com profissionalismo é factor importante do sucesso do turismo em Lisboa. Esgotadas outras fontes de financiamento, a taxa municipal turística é indispensável para financiar investimentos que são instrumento desta estratégia. Investimentos igualmente consensualizados e decisivos para a continuidade do sucesso.

*Anúncio da taxa e críticas à autarquia e seu presidente
O anúncio da taxa a 10 de Novembro de 2014 dá origem a fortes críticas à autarquia e seu presidente, críticas com origem na política, associações e opinião pública. Estas críticas têm uma base comum que as enfraquece: a taxa municipal turística de Lisboa é diferente de outras taxas turísticas por

-ser contributo decisivo de cadeia de valor que é parte da estratégia do sucesso do turismo na cidade e não poder se avaliada fora desta realidade,

-não ser mera contribuição para o deficit corrente de uma autarquia, sob pretexto de compensar custos gerados pelos turistas, esquecendo a contribuição destes para o concelho onde consomem,

-pelo seu valor e capacidade de atracção turística da cidade e do país, não comprometer o crescimento da procura.

O governo, pelo Ministro da Economia, comete três erros a exigir crítica

-ignora o contexto, substância e utilização da receita da taxa, posição inaceitável quando a lei estipula que uma das atribuições do Ministério é “Fomentar o turismo, promovendo a qualidade, a diferenciação, a diversificação, e a autenticidade do serviço e do produto” (2),

-utiliza o protagonismo do turismo como plataforma da política e integra a iniciativa do município na guerrilha politico partidária contra o presidente da câmara por este ser o leader do partido de alternativa democrática ao governo,

-intervém no posicionamento de uma associação empresarial, ‘zelando’ pela “consistência da posição dos hoteleiros”.

As associações empresariais são “frontalmente contra qualquer aumento da carga fiscal sobre a hotelaria”, não reconhecendo a diferença da taxa municipal turística e Lisboa e a sua contribuição para a sustentabilidade do sucesso do turismo na cidade.

O anúncio da taxa leva o presidente da câmara de Cascais a falar de “algo que só existia no tempo medieval”. No Porto, Rui Moreira só criará “uma coisa dessas” depois de “estudo macroeconómico”, e precisa de “prudência infinita”.

Passado o pico inicial de críticas, surge o agitar do inevitável fracasso da taxa por dificuldades operacionais na sua operacionalização.

*Protocolo entre CML/ANA e o serôdio dinamismo autárquico
A partir de 30 de Março de 2015, o anúncio do protocolo entre a Câmara Municipal de Lisboa e a ANA espevita a criatividade de presidentes de várias câmaras.  

No Porto, Rui Moreira não precisa de estudo macroeconómico nem infinita prudência para pedir à ANA uma cooperação “equivalente à que ora acabou de ser anunciada relativamente ao município de Lisboa”, esquecendo a diferença da taxa de Lisboa e o não poder criar uma taxa em aeroporto fora do concelho do Porto.

Em Cascais, Carlos Carreiras afirma “aguardar serenamente que a ANA nos diga quanto é que vamos beneficiar deste subsídio que é dado a Lisboa”.

Outros presidentes são mais proactivos. O presidente da Maia "está a estudar juntamente com Matosinhos e com Vila do Conde para colocar uma taxa aeroportuária” – o aeroporto do Porto ocupa terrenos nestes três concelhos.

O presidente de Guimarães admite juntar-se a outras autarquias que queiram o mesmo tratamento que a de Lisboa por parte da ANA.

O presidente de Faro pensa no Porto quando fala da ANA poder “ usar da mesma generosidade, em condições de equidade, em relação aos outros dois concelhos que são sede de aeroportos internacionais – ignora que o concelho do Porto não tem aeroporto.

Last but not the least, os deputados do PSD eleitos por Faro “acusam a ANA de pagar a taxa aeroportuária em Lisboa com dinheiro cobrado aos turistas de Faro”.

Nesta galeria de serôdio dinamismo autárquco, os presidentes de Câmara esquecem que a ANA é privada, o que exclui pedidos baseados em argumento politico e exige propostas profissionais que justifiquem o contributo da gestora aeroportuária para o orçamento municipal.

 

*Informação ao leitor

O presente post tem versão PDF disponível (aqui).
O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

 

1.Explicação, justificação e implementação das taxas turísticas

*Surto de crescimento da procura por Lisboa
A procura turística por Lisboa conhece um surto de crescimento a partir da primeira metade da década de 2000.

A partir da segunda metade da década é visível o investimento em reabilitação urbana gerado directamente por esta procura. Surgem hostels, apartamentos dispersos e hotéis no centro histórico até aí abandonado e em ruína.

Entre 1983 e 2013, o número de passageiros em tráfego internacional desembarcados no aeroporto de Lisboa cresce e o ritmo de crescimento acelera. Entre 2003 e 2013, o tempo do mais recente surto na procura, o número de turistas não residentes que se aloja em Lisboa cresce em mais de dois milhões.

*Zona histórica e frente ribeirinha
Sem museu, monumento ou atracção que a afirmem como destino turístico, Lisboa diferencia-se pela extensa faixa de urbe histórica que se estende sobre colinas e ao longo da frente ribeirinha do Tejo. Nos doze quilómetros que vão de Belém ao Beato

-o espaço entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia é determinante para a atracção e competitividade do destino.

Depois de dezenas de anos de abandono e ruína da urbe histórica e degradação de frente ribeirinha, algo muda. Com ‘verbas do jogo’ e outras, a Câmara Municipal e a Associação Turismo de Lisboa iniciam a reabilitação urbana que vai do Cais do Sodré a Santa Apolónia ao

-recuperar o Terreiro do Paço e abrir à utilização turística a área do Páteo da Galé, a ala e torreão a nascente, um sonho de dezenas de anos,

-fazer da degradada avenida da Ribeira das Naus uma zona qualificada de lazer e assim.

Este esforço não é só destinado a turistas. Os lisboetas são os primeiros a dele beneficiar e ganha a nossa auto-estima.

*Decisão sobre a taxa municipal turística
A Camara Municipal reconhece a importância de continuar a investir na urbe histórica e frente ribeirinha e na promoção de novo centro de congressos que posicione a cidade no mercado da meet industry. A insuficiência de recursos próprios, o definhamento das ‘verbas do jogo’ e o não acesso a fundos do Portugal 2020 obrigam a Câmara a optar pela criação de uma taxa municipal turística que compatibiliza receita e competitividade:

-soluções que não sejam demasiado onerosas para o turista, preservando a competitividade relativa de Lisboa no contexto internacional de destinos turísticos.” (3).

Depois de cuidada preparação, que não está a ser devidamente reconhecida, a Câmara Municipal decide

-criar a taxa municipal turística sobre hóspedes do alojamento turístico e passageiros desembarcados no aeroporto de Lisboa e terminal de cruzeiros, que sejam não residentes em Portugal.

*Anúncio da taxa municipal turística
A 10 de Novembro de 2014, o Presidente da Câmara anuncia a taxa municipal turística (aqui):

-“Não é uma receita municipal. É uma receita consignada ao Fundo de Desenvolvimento Turístico”, […]

-a gestão desse novo fundo “não será feita exclusivamente pela câmara”, mas sim “em processo de co-decisão com os parceiros” do sector do turismo, chamados a pronunciar-se sobre os investimentos que “reconhecem como mais-valias” para a sua área de actividade;  

-os investimentos possíveis constam do Plano Estratégico para o Turismo na Região de Lisboa 2015-2019: espaço museológico dedicado às descobertas (na Ribeira das Naus), “mobilidades suaves” para o Castelo de São Jorge, “projecto de sinalética turística e de percursos turísticos” e “continuação da requalificação da frente ribeirinha”.

-particular relevo à criação de um novo centro de congressos [este projecto seria abandonado face à oposição da AHP], e à requalificação da Estação Sul e Sueste, onde a Associação de Turismo de Lisboa pretende concentrar a “actividade marítimo-turística”,

-a taxa municipal turística é a solução possível para fazer face àqueles investimentos, “fundamentais para continuar a alimentar a atractividade da cidade”, uma vez que “o próximo quadro comunitário de apoio não vai financiar estes projectos”.

-a taxa existe “em todas as capitais europeias e em muitas cidades europeias” e é medida “temporária”, que vigorará até 2019 e será reavaliada nessa altura.

*Formalização da taxa municipal turística
Um regulamento municipal publicado a 30 de Dezembro de 2014 formaliza a taxa municipal turística instituída nas modalidades de dormida e de chegada por via aérea e de chegada por via marítima (4). Citamos o essencial das disposições sobre liquidação e arrecadação

-da taxa de dormida compete às pessoas singulares ou colectivas que explorem os empreendimentos turísticos e os estabelecimentos de alojamento local, que devem fazer reflectir, de forma autónoma, na factura o valor correspondente a esta taxa.

-da taxa de chegada por via aérea e da taxa de chegada por via marítima compete, respectivamente à concessionária do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil no aeroporto internacional de Lisboa e às entidades incumbidas da exploração dos terminais de navios de cruzeiro.

A operacionalização destes procedimentos poderá ser objecto de protocolo a celebrar entre a Município de Lisboa e as entidades responsáveis. O Município de Lisboa pode delegar noutra entidade a gestão das operações de liquidação e arrecadação da taxa.

*Avaliação da decisão da Câmara Municipal de Lisboa
A avaliação da decisão da Câmara Municipal deve rer em conta o contexto, substância e utilização da receita da taxa turística municipal:

-a receita da taxa só pode financiar investimentos cruciais para o desenvolvimento do turismo na cidade e não o deficit corrente municipal,

-os investimentos são consensualizados com as partes interessadas e o abandono do projecto de novo centro de congressos isto prova,

-a criação da taxa insere-se em estratégia de desenvolvimento do turismo, consensualizada e implementada com profissionalismo.

A liberdade de pensamento ou a defesa imediata de interesses políticos ou sectoriais permite a qualquer um ser ‘contra todas as taxas’. A responsabilidade de fomentar a competitividade de um destino pode exigir a criação de uma taxa municipal turística. A decisão da Câmara Municipal de Lisboa

-concilia o criar mais um encargo aos custos da oferta com o manter a capacidade de atracção turística de Lisboa,

-não é transferível para outra autarquia sem ter em conta o já referido contexto, substância e utilização da receita da taxa.

 

2.Críticas à taxa municipal turística e dificuldades à implementação

2.1.Críticas à taxa municipal turística

*Críticas do Governo
A 7 de Novembro de 2014 e em antecipação ao anúncio da taxa (a 10 de Novembro) “O ministro da Economia, Pires de Lima, desafiou no parlamento o presidente da Câmara de Lisboa e candidato a primeiro-ministro, António Costa, a "resistir à tentação" de criar uma taxa de dormida para turistas em Lisboa» (aqui). Num estilo que ficaria bem em récita de finalistas, o ministro afirma:

-"Só espero que, depois de termos resistido à criação de taxas, por exemplo na área das dormidas, a Administração Local, nomeadamente aqui na zona de Lisboa, liderada pelo autarca que também é candidato a primeiro-ministro, António Costa, quando apresentar o orçamento da Câmara de Lisboa para 2015 tenha o mesmo poder de resistir à tentação que demonstrou o Governo".

Está dado o mote para o governo, pelo ministro da Economia, enveredar por dois caminhos que nos merecem a maior crítica:

-o ministro da Economia a quem compete “Fomentar o turismo, promovendo a qualidade, a diferenciação, a diversificação, e a autenticidade do serviço e do produto” (5), ignora o contexto, substância e utilização da receita da taxa turística municipal e parece ter uma estranha ideia do interesse do turismo na cidade e no País

-integra uma iniciativa importante do município de Lisboa na guerrilha politico partidária contra o presidente da câmara e leader do principal partido da oposição – a exemplo de tantos outros utiliza o turismo como plataforma da politica.

A 11 de Novembro, o Vice Primeiro-Ministro e coordenador da área económica afirma (aqui):

-"Eu respeito a autonomia do poder local, mas, como tenho responsabilidades na área da coordenação das políticas económicas, acho que devo deixar um alerta: não matem a galinha dos ovos de ouro fazendo, ao mesmo tempo, taxas para dormir, taxas para aterrar e taxas para desembarcar" […] o sector "hoje tem conceitos - como o low cost e os hostels - onde o preço é muito relevante".

Estas críticas vêm de governantes obrigados por lei a “Fomentar et.” e levantam duas perguntas:

-estão mesmo convencidos que combater a taxa municipal turística de Lisboa é a melhor maneira de “Fomentar etc.” o turismo na capital, ou

-não estarão a violar a lei, e o bom senso, quando utilizam a taxa apenas como instrumento na luta politico partidária conta o leader da oposição que ameaça ganhar as eleições?

*Associação de Hotelaria de Portugal e governo – unidade na acção?
Em post atempadamente publicado (Do Centro de Congressos que falece à cidade de Lisboa – contexto da sua promoção aqui) descrevemos a estranha unidade de acção entre a AHP e o governo na oposição à taxa municipal turística de Lisboa. Aqui retomamos o essencial.

Entre Outubro e Novembro de 2014 Câmara Municipal e AHP negoceiam a taxa. Segundo o Expresso (6) “fonte governamental” questiona esta posição da AHP:

-“Como é possível que alguém que processou a Câmara de Aveiro quando lançou a taxa turística, agora aceitasse esta taxa como inevitável, só porque era António Costa, apoiado apenas por dois ou três hoteleiros?”.

O semanário informa como “Pires de Lima mobilizou os hotéis contra Costa” durante os dias que antecedem a reunião do Conselho Geral da AHP:

-“Esta semana circulavam rumores, em meios ligados ao turismo, sobre pressões que teriam sido exercidas pelo Ministro da Economia sobre os hoteleiros, no sentido de os alinhar contra a iniciativa da CML”.

O Expresso cita o Ministro:

-“Não fiz pressão absolutamente nenhuma” […] “num certo sentido, zelei pela consistência da posição dos hoteleiros, que sempre foram contra estas taxas e não viam necessidade de um novo centro de congressos em Lisboa”,

-“Limitei-me a alertar algumas pessoas que fazem parte da AHP para o que se estava a passar, e elas depois tomaram as decisões que tomaram”.

Zela quem pode, é zelado quem deve. No fim da tarde de 10 de Novembro, o presidente da AHP informa que o Conselho Geral da associação se manifesta

-"frontalmente contra qualquer aumento da carga fiscal sobre a hotelaria, independentemente da natureza e nome que venha a revestir, bem como de quaisquer taxas que penalizem a actividade turística" (aqui). 

Em quase quarenta anos de turismo em Portugal, assistimos a muita intervenção excessiva e abusiva de Governo e Administração na actividade associativa e junto de empresários. Nunca vimos este assumir de uma intervenção que diz muito sobre a relação entre política e administração de turismo e iniciativa privada.

*Outros interesses empresariais ou sectoriais
A 11 de Novembro de 2014, o Público regista várias críticas (aqui). Segundo o secretário-geral AHRESP, José Manuel Esteves  

-“Lisboa não tem condições não só legais mas na sua oferta de estar a aplicar estas taxas que, além de inexequíveis, têm legalidade muito duvidosa".

A Confederação do Turismo considera que "se mantêm válidos os argumentos já anteriormente invocados por si e pelos agentes privados do sector do turismo, quando outros municípios ainda que, com outra fundamentação, pretenderam igualmente criar uma taxa municipal sobre o alojamento turístico".

Segundo o Publico:

-“ Também as associações de Dinamização da Baixa Pombalina e de Valorização do Chiado consideram que a taxa vai retirar competitividade e penalizar a cidade”.

No mesmo dia, o Publico publica a posição da CTP, de que destacamos:

-"continua a ser ilusório pensar que serão os turistas a suportar estas taxas. Na verdade, serão os operadores do sector que, em defesa da competitividade do destino, serão obrigados a internalizar esse custo, com prejuízo acrescido da sua margem já tão sacrificada, como bem evidenciou o recente estudo levado a cabo pelo Banco de Portugal" (aqui).

A Associação Nacional de Turismo reúne entidades regionais de turismo e não é de génese empresarial, mas

-“rejeita perentoriamente a aplicação da Taxa Municipal Turística pela Câmara Municipal de Lisboa”.

-recorda que “na maioria dos municípios que aplicam ou aplicaram esta medida, os resultados têm sido muito abaixo do que esperavam, não justificando a sua manutenção” e espera que a autarquia lisboeta “repondere as suas intenções e não avance com esta medida” (aqui).

*Câmaras municipais
Nesta fase apenas registamos duas reacções de presidentes de câmaras municipais. A 11 de Novembro o editorial do Publico refere a posição ponderada de Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto:

-“A avançarmos com uma coisa dessas, temos de fazer um estudo macroeconómico e falar com os operadores. É preciso uma prudência infinita” (aqui).

Veremos como Rui Moreira não precisa de “estudo macroeconómico” nem de “paciência infinita” para tentar tirar partido da iniciativa de Lisboa.

O presidente da Câmara de Cascais afirma que a taxa criada pela autarquia de Lisboa é “do tempo medieval” e considera:

-“É inconcebível como um presidente de câmara decide intervir sobre câmaras vizinhas. Isso é algo que só existia no tempo medieval” (aqui).

O presidente é pioneiro em excessos futuros de outros presidentes.

 

2.2.Dificuldades de implementação da taxa municipal turística

Em 11 de Novembro, o Observador publica um texto informativo: “Como vai ser paga a Taxa Turística?” (aqui). Nenhum dos intervenientes que seguem parece ter lido este texto e ainda menos se preocupa com a estratégia de desenvolvimento do turismo em que a taxa se insere. Ultrapassada a fase aguda das críticas, as notícias e opiniões passam ao desgaste da taxa municipal turística pela dificuldade da sua operacionalização.

Com o aproximar da data de aplicação da taxa a passageiros desembarcado não residentes sucedem-se críticas sobre a dificuldade/impossibilidade de fazer os passageiros pagar a taxa.

Em 17 de Dezembro, o director da RENA (Associação Representativa das Companhias Aéreas a operar em Portugal) confirma a impossibilidade das companhias aéreas ajudarem a ANA Vinci na colecta da taxa e conclui:

-“A hipótese que eu vejo como mais provável é a de recuarmos umas décadas e colocarmos o aeroporto de Lisboa ao nível de alguns destinos turísticos e obrigar os passageiros passar por um balcão para liquidar a taxa de um euro” (aqui).

Em 24 de Novembro em entrevista ao Económico, o “Presidente da ANA diz que não tem condições para aplicar taxa turística”. Afirma: Não tenho condições de aplicar aquilo [o regulamento]. Até trouxe o regulamento. E não o consigo aplicar.”. Levanta reais dificuldades operacionais:

-“Porque 70% dos passageiros que atravessam a Portela são do espaço Schengen. Desde a porta do avião até à porta do táxi, ou do carro ou do transporte público, não são interrompidos em momento nenhum. Como é que faço? Ponho um guichet para pagarem um euro? Ponho 50 mil pessoas em bicha durante o dia?”.

-“Teremos de cumprir o que for determinado. Agora, alguém vai assumir as responsabilidades do que vai acontecer num aeroporto que, ao fim do terceiro dia, por ventura, está a fechar porque é inoperacional a cobrança da taxa. Haverá bom senso de se encontrar soluções diferentes.”.

Interrogado sobre se a ANA também podia incorporar essa taxa, responde que não tem essa possibilidade e insiste na crítica à dificuldade de operacionalizar a cobrança (aqui).

Em 4 de Fevereiro de2015, o ministro da Economia volta a esquecer o fomento da economia e insiste na guerrilha político partidária:

 "Vejo milhares de turistas numa fila onde vão pagar a taxinha ao presidente de câmara que se apresenta como primeiro-ministro" (aqui).

A 30 de Março 2015 e com o protocolo já assinado, a Lusa lança duas informações publicadas acriticamente pelo Jornal de Negócios. A primeira é publicada às19:00 e tem título desequilibrado e falso:

-“Taxa turística de Lisboa devia começar em Abril mas ninguém sabe como,”.

Depois, informa:

-a RENA garante que "não serão as companhias aéreas a fazer a cobrança", enquanto a empresa que gere o aeroporto, a Ana opta por não comentar o assunto, a Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo admite "não ter conhecimento de que vá ser aplicada já alguma taxa" e, questionada várias vezes, a Câmara de Lisboa não responde (aqui).

A segunda é publicada às 21H28 e tem o título:

-“Taxa turística vai ser paga pela ANA”.

Depois acrescenta:

-o acordo resulta de um protocolo assinado hoje, dois dias antes de entrar em vigor a 1 de Abril, e implica que a Taxa Turística não seja cobrada individualmente a cada turista que chegue à capital através de avião (aqui).

*A substância empresarial da decisão da ANA

Todo este ruído não informa os leitores sobre o essencial:

-quando a ANA exclui o aeroporto de Lisboa do Programa de Incentivos, fá-lo porque a capacidade de atracção turística de Lisboa não exige incentivos, ou fá-lo para pagar a taxa que tem a obrigação legal de colectar?

-independentemente ou não desta exclusão, o acordo entre CML/ANA reconhece ou não que qualificar ‘o produto’ se justifica mais do que aumentar 'rotas, frequências, lugares' via Programa de Incentivos?

 

3.Protocolo entre CML e Ana Vinci – anúncio e reacções

3.1.Assinatura e anúncio do Protocolo

A assinatura do protocolo entre CML e ANA em 30 de Março sobre a taxa turística municipal é um marco na estratégia de desenvolvimento do turismo em Lisboa e do profissionalismo na sua aplicação. Onde todos apenas viam e agitavam dificuldades, o município e a ANA privada chegam a acordo.

Em termos práticos, a ANA Vinci é responsável pela “liquidação e arrecadação da taxa de chegada por via aérea” e "aceita assumir, com carácter excepcional, o pagamento" da taxa até 31 de Dezembro de 2015.

Na conferência de imprensa após a assinatura o vice-presidente Fernando Medina:

-afirma "O que existe entre a ANA e a Câmara é um objectivo comum: ambos procuramos fomentar o turismo na cidade de Lisboa",

-salienta que "a forma mais eficaz" de efectuar a cobrança é "a ANA suportar esta taxa relativamente ao ano de 2015, beneficiando [...] do facto de em Lisboa não haver ainda incentivos às companhias aéreas" (aqui).

*Anúncio do protocolo a 30 de Março
Segundo o comunicado da CML em 30 de Março,

"A ANA obriga-se ainda ao pagamento por conta, até 31 de Dezembro, do montante de três milhões de euros relativos aos meses de Abril a Outubro, havendo lugar ao pagamento do restante montante até ao dia 31 de Janeiro de 2016”.

O valor reverterá inteiramente para o Fundo de Desenvolvimento e Sustentabilidade Turística de Lisboa e terá como objectivo "investimentos estruturantes", como a reabilitação do Cais do Sodré e Campo das Cebolas; a criação de acessibilidades assistidas à Colina do Castelo; e o projecto de instalação de um espaço museológico dedicado às Descobertas.” (aqui). 

No comunicado divulgado a 31 de Março, a ANA esclarece:

-"tendo em vista contribuir para o desenvolvimento da actividade turística no município de Lisboa e o facto do novo Plano de Incentivos de Promoção do Tráfego Aéreo e da Actividade Turística da ANA, que entra em vigor no próximo Verão IATA, se aplicar a todos os aeroportos da rede com excepção do Aeroporto Internacional de Lisboa, a ANA aceita assumir o pagamento da referida taxa de chegada por via aérea referente ao ano de 2015, não sendo o respectivo valor cobrado aos passageiros durante este período" (aqui).

*Ruído mediático sobre a decisão da ANA
O título do Jornal de Negócios sobre o mais de que claro comunicado da ANA não é objectivo:

-ANA deixa de promover Lisboa para pagar taxa turística” (7).

A 31 de Março o subtítulo do Publico é objectivo: “ANA justifica decisão com ausência de incentivos ao turismo”. O texto também é objectivo, mas termina com informação que exige confirmação:

-“Ao que o PÚBLICO apurou, já nesta altura [Março, quando apresentou o novo plano de incentivos] a ANA tinha percebido que o modelo para resolver o impasse das taxas turísticas iria passar pela assunção dos custos por parte da gestora aeroportuária.” (aqui).

Esta objectividade não impede que, a 1 de Abril, o Observador siga o mote do Jornal de Negócios:

-o título: “Para pagar taxa turística, ANA suspende regime de incentivos criado há menos de um mês”, e

-o destaque: “Regime de incentivos às companhias aéreas que operam em Lisboa foi apresentado no início de Março e devia iniciar-se agora, mas já foi posto de lado”,

-o início do texto: “A ANA decidiu suspender o plano de incentivos às companhias aéreas que operam em Lisboa para, assim, poder pagar à câmara municipal o valor da taxa turística criada pela autarquia.” (aqui).  

 

3.2.Reacções ao anúncio

*Governo
A 31 de Março, segundo Adolfo Mesquita Nunes Secretário de Estado do Turismo, o “Governo aplaude mas tem reservas”:

-"A Câmara de Lisboa recuou na decisão de cobrar uma taxa turística aos passageiros desembarcados em Lisboa, dando ouvidos aqueles que no sector do turismo e também no Governo chamaram a atenção para a inoportunidade da taxa e para a impraticabilidade da sua cobrança no aeroporto",

-"O efeito da substituição da taxa turística por uma comparticipação suportada pela ANA só poderá ser avaliado depois de sabermos onde é que a ANA vai deixar de investir para suportar os custos pedidos pela Câmara de Lisboa" (aqui).

A 1 de Abril, de um comunicado do ministério da Economia destacamos dois pontos. Para o gabinete de Pires de Lima,

-"a taxa proposta põe em causa a percepção dos não residentes em relação ao nosso país e prejudica o desempenho de um sector campeão da economia nacional, fundamental para a retoma da economia".

Apesar de não conhecer os detalhes do protocolo estabelecido entre a CML e a ANA, o Ministério assinala que

-"a concessionária privada evita  os constrangimentos que a aplicação da cobrança desta taxa provocaria,  como longas filas de espera e litígio com as companhias aéreas internacionais que têm sido um factor positivo para o crescimento da nossa economia" (aqui).

*Associações empresariais
A 31 de Março, António Portugal presidente da Associação das Companhias Aéreas em Portugal (RENA) declara ao PÚBLICO

“A única coisa que não vamos admitir é que haja repercussões, directas ou indirectas. Não aceitamos que a ANA depois venha tentar compensar esse custo, seja com taxas aeroportuárias, com as rendas [aos lojistas] ou os parques de estacionamento”,

-"é estranho o voluntarismo [da ANA] quando as companhias de aviação andam a pugnar contra as taxas aeroportuárias e a ANA vem dizer que não há disponibilidade financeira” [para as reduzir] (aqui).

Não encontramos registo de outras declarações.

*Presidentes de Câmara
O presidente da Câmara de Cascais afirma

-"Estamos a aguardar serenamente que a ANA nos diga quanto é que vamos beneficiar deste subsídio que é dado a Lisboa, uma vez que Cascais recebe tantos turistas que desembarcam naquele aeroporto",

-a situação é "uma grande trapalhada criada pela Câmara de Lisboa" e reitera que "resta aguardar para perceber o que vai acontecer", mais "Quem se meteu nesta trapalhada, agora que faça para sair dela. Nós só temos é de aguardar" (aqui).

A Câmara municipal do Porto não pode criar uma taxa municipal turística sobre passageiros desembarcados no aeroporto Francisco Sá Carneiro porque este ocupa terrenos dos concelhos de Maia, Matosinhos e Vila do Conde. A 31 de Março e segundo o Público, Rui Moreira pede reunião ao presidente da ANA para que possam “discutir e depois concretizar uma solução de cooperação” entre a empresa e o município, “equivalente à que ora acabou de ser anunciada relativamente ao município de Lisboa” (aqui). A 1 de Abril afirma que não irá pronunciar-se mais sobre a decisão da ANA, enquanto não receber resposta à carta enviada ontem à empresa (aqui).

O presidente da Câmara da Maia

-"está a estudar juntamente com Matosinhos e com Vila do Conde para colocar uma taxa aeroportuária, por cada levantamento ou aterragem de avião" e defende que “os municípios têm todos de ser tratados de igual forma” e anuncia que envia carta à ANA a dar conta dessa reivindicação. (aqui).

O presidente da Câmara de Guimarães admite juntar-se a outras autarquias que queiram o mesmo tratamento que a de Lisboa por parte da ANA:

-"Aceito poder trabalhar essa possibilidade porque isso aumenta a receita e é justo. Estou disponível para fazer essa reivindicação em conjunto com municípios do Norte porque ninguém nos vem dar nada se nós não reivindicarmos" (aqui).

O presidente da Câmara de Faro também pede reunião à ANA e afirma:

-“O que tencionamos é que a ANA possa usar da mesma generosidade, em condições de equidade, em relação aos outros dois concelhos que são sede de aeroportos internacionais. Em Faro teríamos, certamente, bom destino a dar a estas verbas na criação de condições de maior atractividade urbanística e turística. Pensamos que há muitas formas de proceder a este incentivo” (aqui).

Em declarações ao Publico afirmações que justificam comentário:

-a taxa “poderia representar um encaixe superior a seis milhões de euros por ano” – a taxa seria paga pelos três milhões de passageiros desembarcados e não pelo total de desembarcados/embarcados,

-o aeroporto em Faro representa custos adicionais e condicionantes urbanísticos, “mas as receitas dos turistas ficam noutros concelhos” – esquece que o aeroporto cria emprego no concelho de Faro (aqui). 

Esta resenha não pode ignorar que “Os deputados do PSD eleitos por Faro acusam a ANA de pagar a taxa aeroportuária em Lisboa com dinheiro cobrado aos turistas de Faro”. Segundo o deputado Cristóvão Norte:

-desde Março deste ano, a ANA cobra no Aeroporto de Faro uma taxa extra sobre algumas empresas de rent a car, num total de cerca de quatro milhões de euros este ano,

-“Parece que uma coisa serve para pagar a outra. Quatro milhões tirados aos turistas do Algarve e dados a Lisboa”.

 

A Bem da Nação

Lisboa 6 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

 

Declaração de interesses
O autor é militante do Partido Socialista e apoia a taxa municipal turística de Lisboa. A independência do autor é reconhecida por quem o acompanha desde sempre e em particular desde Fevereiro de 1977, quando recomeça a ser activo no turismo em Portugal. Em termos partidários, o autor não votou nas Primárias do PS por falta de propostas pelos candidatos. Basta ir ao Facebook para conhecer as posições do autor. Em suma, para suspeitar ou atacar o autor, não vale a pena ir por esta via.

 

Notas

(1)Neste contexto, entropia é sinónimo de desordem no significado comum da palavra (“estado de confusão ou de impreparação para determinado fim; perturbação do funcionamento regular de alguma coisa”, em Dicionário da Academia) e não no que tem na termodinâmica.

(2)Ver Lei Orgânica do Ministério da Economia e Transportes, Decreto-Lei nº 11/2014 de 22 de Janeiro de 2014.

(3)Ver Regulamento n.º 569-A/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 251 — 30 de Dezembro de 2014.

(4)Idem.

(5)Ver Nota (2).

(6)Ver Expresso de 14 de Novembro de 2014. O Conselho Geral da AHP reúne na Segunda-Feira 10 de Novembro da parte da tarde, depois do anúncio da taxa turística municipal que é feito na parte da manã.

(7)Para compreender melhor o que está em causa, há dois programas:

-o destinado a incrementar a procura turística no país – são os “apoios de marketing”,

-o Plano de Incentivos da ANA que exlui o aeroporto de Lisboa.

Em 23 Fevereiro de 2015, ANA e Turismo de Portugal fecham acordo para reforçar sinergias e definir metas para incrementar a procura turística no país – são os “apoios de marketing”. O acordo é válido por cinco anos e prevê investimento conjunto de 10 milhões de euros. É a continuidade do programa Initiative.pt iniciado em 2009 (aqui).

Em 3 de Março de 2015 a ANA apresenta o novo Plano de Incentivos, que apoia as companhias aéreas de que destacamos duas ideias chave. A primeira é a da complementaridade deste Programa de Incentivos com

-o sistema de apoio à promoção da procura (apoios de marketing), em articulação com o Turismo de Portugal através do protocolo assinado no dia 23 de Fevereiro de 2015.

A segunda é a do novo sistema de incentivos ter “uma estrutura comum para todos os aeroportos rede ANA (com excepção de Lisboa onde o programa não é aplicável), sendo, ainda assim, flexível e adaptável à estratégia e objectivos de desenvolvimento de cada aeroporto”.

Por fim a ANA acrescenta:

-“Por questões de estratégia comercial o sistema de incentivos não estará, nesta fase, disponível em Lisboa, onde apenas se vai aplicar o sistema de apoios de marketing para promoção da procura.” (aqui).




Sem comentários:

Enviar um comentário