-Balança de Pagamentos – o admirável crescimento da receita de viagens e turismo (III)


Síntese

*Duas notas sobre a receita do turismo na balança de pagamentos

A receita do turismo na balança de pagamentos (1) exige

-observação, análise e conhecimento muito para além da mera descrição feita nos posts que temos consagrado ao assunto,

-ser tida em conta por governo, administração, iniciativa privada e todos os que estudam, investigam ou se interessam pela economia do turismo.

Aprofundar a análise e conhecimento implica identificar aspectos menos conhecidos de que são exemplo:

-por mercado emissor pertinente, a evolução da percentagem da receita de viagem e turismo em Portugal no total da despesa de viagens e turismo no mercado em apreço,

-a evolução da quota da Europa no total de hóspedes e dormidas de hóspedes não residentes e da receita de viagens e turismo em Portugal.

*Esclarecimentos sobre a receita de viagens e turismo

A receita de viagens e turismo

-integra a realidade mais vasta da receita de turismo na balança de pagamentos,

-resulta também da despesa turistas não residentes em Portugal e que escolhem o alojamento turístico não classificado (6,6 milhões em 2014),

-inclui a despesa de emigrantes e outros membros da diáspora, fora do modelo tradicional de turismo reduzido a ‘estrangeiros a alojar em hotéis’,

-no interesse nacional, obriga a política de turismo a fomentar a cadeia de valor gerada pelos turistas que escolhem o alojamento não classificado,

-ultrapassa a noção de ‘balança turística’ (receita menos despesa do turismo) na arcaica noção de ‘sector do turismo’.

*Receita de turismo na balança de pagamentos, economia e política

A receita de turismo na balança de pagamentos é decisiva para a contribuição do turismo para a economia, porque exige o investimento e gera a procura interna que contribuem, de maneira sustentada, para o PIB e emprego.

A intervenção pública no turismo passa a ter como prioridade fomentar e facilitar as actividades e estabelecimentos que contribuam para a receita de turismo na balança de pagamentos.

A política de turismo dá prioridade à dimensão exportadora do turismo e integra no seu âmbito os conceitos abrangentes de alojamento turístico e de turismo residencial.

 

*Informação ao leitor

O presente post

- é o terceiro e último de uma série de três (primeiro, segundo, terceiro) que consagramos ao Admirável crescimento da receita de viagens e turismo,

-está disponível versão em PDF (aqui)

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

Em Março de 2014 consagramos três posts à observação da Receita de Viagens e Turismo por Mercado Emissor e enquadramos os números de 2013 na evolução entre 2003/2013 (aqui).

 

 

1.Duas notas sobre a receita do turismo na balança de pagamentos

*Observação, análise, conhecimento e acção

A receita do turismo na balança de pagamentos exige observação, análise e conhecimento muito para além da mera descrição feita nos posts que temos consagrado ao assunto.

Por falta de meios, a observação dos mercados emissores feita nos dois posts anteriores não é completada com análise por mercado emissor e síntese que tudo integre.  Este trabalho exige

-mais informação estatística sobre dinâmicas económicas, sociais e políticas que influenciam a receita, e tratamento estatístico adequado,

-benchmark com outros países, em dados e no conhecimento que deles podemos retirar.

Por fim, o conhecimento da receita por mercado emissor e a síntese devem ser base para a intervenção pública no turismo – ver o ponto 3.

*Identificação de dinâmicas mal conhecidas

A título ilustrativo do embrião do trabalho futuro que está em causa, sugerimos análise simples para quem possa ter acesso às balanças de pagamentos que o FMI disponibiliza:

-analisar a evolução desde há vinte anos e para os mercados emissores pertinentes, da percentagem da receita de viagem e turismo em Portugal no total da despesa de viagens e turismo no país em apreço,

-num primeiro passo e quando possível, relacionar esta percentagem com a quota de Portugal das deslocações turísticas do mercado emissor.

Ainda a título meramente ilustrativo, analisamos a evolução entre 2003/13 (2) da quota da Europa no total de hóspedes e dormidas de hóspedes não residentes e da receita de viagens e turismo em Portugal ver (aqui). O gráfico 1 mostra que,

-independentemente de variações anteriores a 2008, a crise de 2008/09 parece estar na origem de padrão: a partir de 2009, a Europa perde quota em hóspedes, dormidas e receita de viagens e turismo,

-a quota das dormidas é superior à dos hóspedes e diminui menos do que esta, e indicia estadias mais longas pelos residentes na Europa.

Gráfico 1 – Quota da Europa em hóspedes e dormidas de não residentes e receita de viagens e turismo em Portugal
(percentagem)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

2.Cinco esclarecimentos sobre a receita de viagens e turismo

*Receita de viagens e turismo e receita de turismo na balança de pagamentos
A receita de viagens e turismo é parte da realidade mais vasta da receita de turismo na balança de pagamentos que compreende ainda os seguintes elementos:

-investimento directo de não residentes em residências secundárias de utilização turística e posterior receita da cadeia de valor de administração e exploração turística,

-rúbrica de transportes internacionais de passageiros, com destaque para o transporte aéreo e TAP,

-transferências do exterior para financiar a residência em Portugal de reformados ex não residentes (aqui).

Esta noção da receita de turismo na balança de pagamentos integra a residência permanente de reformados ex não residentes, desde que a sua estadia seja financiada por rendimento transferido do exterior.

*Alojamento não classificado e receita de viagens e turismo
A receita de viagens e turismo resulta da despesa durante deslocações a Portugal por não residentes a Portugal, escolham estes alojar no alojamento turístico classificado ou não (3).

O gráfico 2 ilustra a evolução dos hóspedes não residentes no alojamento turístico, classificado ou não, durante os quatro anos em que o INE realiza o Inquérito ao Movimento de Pessoas nas Fronteiras (aqui).

O valor de hóspedes não residentes que em 2014 escolhem o alojamento não classificado é estimado a partir da média destes quatro anos (4).

De acordo com esta estimativa,

-em 2014, o número de hóspedes que escolhe o alojamento não classificado é de 6,6 milhões e representa 43% do número total de hóspedes no alojamento turístico classificado ou não.

A oferta de alojamento turístico não classificado assenta sobretudo em

-oferta de turismo residencial em residências secundárias de utilização turística, em estabelecimentos ou dispersas, por conta própria ou arrendadas,

-alojamento gratuito por familiares e amigos.

A oferta em hostels é recente.

Gráfico 2 – Hóspedes não residentes no alojamento turístico classificado e não classificado
(milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo

O gráfico 3 ilustra a estimativa da receita de viagens e turismo segundo o alojamento escolhido pelos turistas, classificado ou não. Esta estimativa resulta da divisão do total da receita na proporção de 57% e 43% estimada antes.

Gráfico 3 – Repartição da receita de viagens e turismo segundo o alojamento escolhido pelos turistas, classificado ou não.
(€ mil milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e BPStat

Com uma boa aproximação, podemos afirmar que

-os turistas não residentes que escolhem alojar no alojamento não classificado estão na origem de parte importante e crescente da receita de viagens e turismo da balança de pagamentos.

Como vimos, os tipos de alojamento não classificado são

-alojamento gratuito em casa de familiares e amigos,

-residência secundária de utilização turística por conta própria ou arrendada – dispersas em meio rural ou urbano e urbano turístico ou integrada em estabelecimento de turismo residencial (aqui).

*Emigrantes portugueses e outra diáspora
A receita de viagens e turismo inclui a despesa de importante grupo de não residentes em deslocação turística:

-os emigrantes e outra diáspora, que na maior parte escapam ao modelo tradicional de ‘estrangeiros a alojar em hotéis’ e escolhem a residência secundária de utilização turística (arrendada ou por conta própria) e alojamento gratuito por familiares e amigos.

O gráfico 4 mostra a evolução da receita de viagens e turismo por dormida no alojamento turístico classificado por hóspedes residentes em cinco países (França, Reino Unido, Alemanha, Irlanda e Itália).

Gráfico 4 – Receita de viagens e turismo por dormida de hóspedes não residentes no alojamento classificado (hotelaria)
(euros)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

Nota – O grafismo obriga a só indicar o valor de dois dos quatro países: França e Reino Unido.

Dois comentários:

-a receita média em França varia entre o quádruplo e o triplo da receita média que nos outros quatro países é praticamente idêntica,

-a diferença da França reside no grande número de emigrantes portugueses residentes em França que escolhe o alojamento não classificado.

Este esclarecimento e este gráfico são filhos da situação quase dramática da informação turística do turismo em Portugal. Somos obrigados a deduzir informação sobre dinâmicas económicas e sociais relevantes e que deveriam ser quantificadas pelo Sistema Estatístico Nacional (5).

*Receita de viagens e turismo e proveitos da hotelaria
Desde há mais de meio século e por razões que não cabe aqui detalhar, a política de turismo e a opinião mainstream recusam identificar e reconhecer o alojamento turístico não classificado e insistem numa contradição cada vez menos aceitável:

-posicionam a importância do ‘turismo’ com base em número de turistas, receita de viagens e turismo e contribuição do turismo para o PIB que resultam do consumo turístico de todos os turistas não residentes, escolham eles alojar no alojamento classificado ou não – cerca de 6.6 milhões em 2014, como vimos antes,

-ao mesmo tempo, identificam o ‘turismo’ apenas com o alojamento turístico classificado da industria da hotelaria.

O gráfico 5 compara a receita de viagens e turismo e proveitos alojamento classificado (hotelaria) entre 1996/2013 e o gráfico 6 destaca a evolução entre 2008/14.

Na continuidade do que já vimos antes (aqui) há duas divergências na evolução de receita de viagens e turismo e proveitos da hotelaria (6).

Durante o período 1996/2014, receita e proveitos são diferente em

-valor, com os proveitos a serem sempre inferiores a 25% da Receita, e em 2014 uma diferença de €8.2 bi entre proveitos (€1.96 bi) e receita (€ 9.25 bi),

-ritmo de crescimento, com a receita a crescer 134% e os proveitos 182%.

Depois,

-entre 2009/14, a receita cresce 25% e os proveitos 51%,

-entre 2013/2014, a receita já cresce 13% e os proveitos 12%, mas não altera a escala da diferença entre os dois indicadores.

Gráfico 5 – Receita de viagens e turismo e proveitos do alojamento classificado (hotelaria) entre 1996/2013
(€mil milhões)




Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

Gráfico 6 – Receita de viagens e turismo e proveitos do alojamento classificado (hotelaria) entre 2008/13
(€mil milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

A escassez de informação estatística fidedigna não permite ir mais além do que a simples observação dos números e de duas ideias evidentes:

-a diferença entre ‘receita’ e ‘proveitos’ e a urgência em diferenciar os resultados da hotelaria dos da economia do turismo.

*Economia do turismo exporta serviços de turismo e o País importa
A indústria do calçado exporta milhões de pares de sapatos e Portugal importa sapatos. Idem para o têxtil, vinho e outras actividades económicas que escapam à fantasia que atrasa a economia do turismo.

O gráfico 7 ilustra duas realidades diferentes, que os números de 2014 explicitam:

-a economia do turismo exporta €10,4 mil milhões de serviços de viagens e turismo.

-Portugal importa €3,1 mil milhões de euros de serviços de viagens e turismo, com distribuição por agências de viagens e outros importadores ou compra directa pelo residente em Portugal ao produtor no estrangeiro.

Duas notas:

-é lógico que o Banco de Portugal contabilize débito e crédito da receita de viagens e turismo,

-é questionável que o INE publique a balança turística que as International Recommendations for Tourism Statistics ignoram e deste indicador ser reminiscência do arcaico conceito de ‘sector do turismo’ ensimesmado.

Gráfico 7 – Receita e despesa de viagens e turismo (1996/2014)
(milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em Banco de Portugal – BPStat

O gráfico 8 ilustra a evolução da despesa de viagens e turismo em percentagem da receita e confirma a divergência na evolução da receita e despesa de viagens e turismo.

Gráfico 8 – Despesa de viagens turismo em percentagem da receita
(percentagem)

 
Fonte: Elaboração própria com base em Banco de Portugal – BPStat

 

3.Receita de turismo na balança de pagamentos, economia e política

*Importância da receita de turismo na balança de pagamentos

Em Portugal,

-a contribuição do turismo para a economia depende em grande parte da receita do turismo na balança de pagamentos, porque exige o investimento e gera a procura interna que contribuem, de maneira sustentada, para o PIB e emprego.

Por sua vez, a receita de turismo na balança de pagamentos resulta

-turismo receptor, não residentes em deslocação turística a Portugal (7),

-turismo residencial quando financiado por receitas geradas no exterior.

Esta dupla dinâmica não é considerada pela política de turismo nem pelo pensamento mainstream sobre turismo. A sua importância e o facto de contribuir para o País ultrapassar a situação dramática em que se encontra exigem uma politica de turismo diferente. É tema para próximo post.

*Prioridade da receita de turismo na balança de pagamentos

A nova intervenção pública no turismo

-tem como prioridade fomentar e facilitar as actividades e estabelecimentos que contribuam para a receita de turismo na balança de pagamentos.

Esta prioridade à dimensão económica do turismo não economicista, porque é indissociável de uma relação positiva com cultura (com destaque para museus e património histórico construído) e ambiente.

Esta prioridade não é nova. Em 1964, o turismo é integrado nos trabalhos preparatórios do que virá a ser o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.

-“houve um critério que esteve sempre presente: o de que se deve dar prioridade às medidas destinadas a fomentar o turismo de estrangeiros, mesmo quando isso implique um certo sacrifício nas actuações orientadas no sentido do turismo interno.” (8).

*Consequências políticas da prioridade

Ao nível da politica de turismo,

-concentrar-se nas industrias e actividades da economia do turismo em função da sua componente exportadora,

Ao nível da intervenção publica no turismo

-exige a elaboração de projectos cuja transversalidade política exige decisão a nível da esfera de influência do primeiro-ministro.

 

A Bem da Nação

Lisboa 14 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

 

Notas

(1)No início do ponto 2 recordamos que a ‘receita de viagens e turismo’ é parte da realidade mais vasta da ‘receita do turismo na balança de pagamentos’.

(2)Faltam números de 2014 porque o INE só disponibiliza o número de hóspedes e dormidas de não residentes nas Estatísticas de Turismo a publicar lá mais para o Verão.

(3)Turismo é muito mais do que alojamento turístico, mas as duas definições formais de Alojamento Turístico dizem muito sobre os dois conceitos formais de turismo:

-no conceito dominante e redutor de turismo, alojamento turístico é o que o Estado licencia como tal, a ponto de proibir que o restante alojamento a turistas se afirme como “turístico” (legislação de 2008, recentemente alterada com a definição legal de Alojamento Local),

-no conceito abrangente de turismo, alojamento turístico é “any facility that regularly (or occasionally) provides overnight accommodation for tourists”.

(4)No que segue

-o número de turistas não residentes resulta do Inquérito ao Movimento de Pessoas nas Fronteiras,

-o número de hóspedes no alojamento turístico classificado resulta do Inquérito à Permanência de Hóspedes na Hotelaria e Outros Alojamentos, que existe desde 1965.

A partir destes números, estimamos o número de hóspedes no alojamento não classificado, com base nas hipóteses seguintes:

-utilizamos o ratio de ‘um turista, um hóspede’, apesar de um turista poder originar vários hóspedes, quando aloja em diversos estabelecimentos de alojamento classificado ou não,

-o número de hóspedes não residentes no alojamento não classificado é igual ao número de turistas não residentes menos o número de hóspedes mão residentes no alojamento turístico classificado.

Se o ratio de ‘um turista, um hóspede” não se aplicar estabelecimentos de alojamento classificado, a correcção desta simplificação reforçaria o número de turistas que utilizam o alojamento não classificado.

(5) Segundo o Relatório da PwC sobre Desafios Para o Turismo, “o Travel & Tourism Competitivness Report – 2013, do World Economic Forum, classifica Portugal em 72º lugar no que respeita à qualidade e cobertura da informação estatística, disponível para o sector do Turismo.”. Ver post Informação Estatística do Turismo – Instrumento de Conhecimento, Competitividade e Posicionamento (aqui).

(6)O INE dão detalha os proveitos da hotelaria por hóspedes residentes e não residentes e outra despesa de residentes não hóspedes (bares e restaurantes, utilização de salas, etc.). Esta versão dos proveitos favorece a hotelaria, mas não invalida a observação que fazemos.

(7)O turismo interno representa limitada substituição de importações e o turismo emissor identifica-se com a despesa de viagens e turismo na balança de pagamentos.

(8)Presidência do Conselho, Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo dos trabalhos preparatórios do Plano Intercalar de Fomento para 1965/1967, Lisboa, 1964.

 

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