Nota pontual sobre apoio do Turismo de Portugal a rotas aéreas

O título do Publico é bombástico: “Turismo de Portugal já apoiou novas rotas com oito milhões de euros” (1). Na verdade, são €8 milhões em cinco anos, o que dará €1.6 milhões por ano. Este é um de entre vários temas do turismo em Portugal que deve ser analisado numa perspectiva que vai para além da política de turismo tal como a conhecemos e acima da guerrilha politica em cu ou de protagonismos estéreis.

*Capacidade do destino atrair turistas e apoio público 

A tradição de dar subsídios contribui para esquecermos dois factos:

-a capacidade de atracção do destino turístico é o factor decisivo para que turistas o desejem visitar e comprem uma estadia à distribuição – o transporte aéreo é parte integrante da estadia desejada.

-a prioridade das instituições públicas é contribuir para que o destino reforce a sua capacidade de atracção – em condições normais, o mercado faz o resto,

A recente operação da Ryanair em Lisboa ilustra esta realidade:

-em 2014, sem qualquer apoio público e apenas no âmbito do marketing aeroportuário da ANA, a Ryanair começa a operar para Lisboa e atinge 2.6 milhões de passageiros em 2016.

Se Porto e Faro são destinos que ainda carecem de apoio público para atrair turistas,

-o apoio não pode ser uma droga que cria dependência e tem rendimento decrescente, mas sim instrumento para suprir disfunção temporária na capacidade de atrair turistas por estes destinos.

Captar companhias aéreas o Terminal Montijo ilustra realidade nova:

-Lisboa, Porto e Faro dependem de companhias low cost para crescer, mas estas também precisam de voar para Porto e Faro para atingir os objectivos que se fixam em mercado cada vez mais competitivo.

Em qualquer dos casos, o apoio público a companhias aéreas em Porto e Faro deve ser dado

-no âmbito de incentivos ao crescimento do tráfego com objectivos plurianuais e não em apoio a fundo perdido a criação/reforço de rotas,

-e avaliação profissional do grau de dependência das companhias aéreas em relação a Porto e Faro.

*Turismo transporte aéreo e distribuição

A negociação de rotas aéreas é função do marketing aeroportuário da empresa concessionária da exploração dos aeroportos, porque é quem tem profissionais, informação e instrumentos para lidar com grandes companhias aéreas contractos de milhões de passageiros por ano.

Nesta negociação, a ANA trabalha em rede com Turismo de Portugal e ambos com a Iniciativa Privada da oferta e distribuição para

-apoiar criação ou reforço de rotas com programas de marketing & vendas em ligação com a distribuição na área de influência do aeroporto de partida,

-nas áreas de influência dos aeroportos de partida (macro segmentação geográfica).ter o marketing & vendas apoiado pelo branding do destino, em função do que o mercado exija e possa remunerar.

É responsabilidade do Turismo de Portugal dispor de recursos humanos profissionais que, em concertação estratégica e contratualização operacional com Iniciativa Privada e destinos regionais,

*Flexibilidade gestão de rotas de companhias low cost

De entre características estruturantes das companhias low cost destacamos duas que nos interessam directamente:

-rede pan-europeia de bases operacionais e flexibilidade na gestão das rotas, em função de avaliação de riscos e resultados.

O gráfico 1 ilustra o número de rotas criadas por companhias aéreas na Europa em 2015 e 2016. No caso de Ryanair e Easyjet, o número de rotas suprimidas não é explicitado mas é importante.

Destacamos os números em causa e a sua correlação com o dinamismo das companhias low cost já referido em outros posts:

-Ryanair em 2016, o que está na base do crescimento esperado de 11.8 milhões de passageiros a 31 de Março de 2017,

-em 2016, Transavia tem aumento atípico de passageiros,

-Jet2.com salta dos aeroportos do centro de Inglaterra e instala base em Stanstead, covil da Ryanair,

-crescimento da WIZZ e alguma calma na Vueling que não evita os problemas do Verão de 2016,

-expansão da Jet2.com que deixa de operar apenas no centro de Inglaterra e instala base em Stanstead, base forte da Ryanair e presença significativa da Easyjet.

Gráfico 1 – Rotas criadas por companhias aéreas 2015-2016 (unidades)


Fonte: Elaboração própria com base em anna.aero – ver Nota (2)

*Apoio a criação/reforço de rotas pelo Turismo de Portugal

Se bem percebemos, o Turismo de Portugal opera um programa de apoio a rotas de companhias aéreas low cost e full service. No item anterior mostramos os motivos que devem levar o TdeP a deixar de apoiar rotas intra-europeias de companhias low cost.

Dada a escala da operação e o valor do subsidio, não faz sentido que o TdeP subsidie criação de rotas por companhias full service, como a da TAP para Moscovo e da Emirates para o Dubai (3). O projecto da HNA pode justificar programa de incentivo mas não subsídio a fundo perdido.

Em nossa opinião, o Turismo de Portugal, desperdiça recursos quando subsidia a fundo perdido rotas, de companhias low cost ou outras, em contante variação.

*Cinco perguntas sem resposta

Por fim, o artigo do Publico suscita perguntas importantes sobre o apoio a rotas aéreas pelo Turismo de Portugal:

-os €8 milhões apenas apoiam rotas aéreas ou apoiam também os incentivos concedidos a companhias aéreas em função de objectivos de tráfego,

-se são só para apoiar rotas, qual o montante para financiar os incentivos,

-estes €8 milhões são o total dos fundos públicos a apoiar rotas e ou incentivos ou há ainda verba equivalente das Agências Regionais de Promoção Turística?

-qual a participação da ANA no apoio a rotas e ou incentivos e qual é o trabalho em rede entre ANA, Turismo de Portugal e Iniciativa Privada?

-no caso em apreço do apoio a rotas aéreas, como são fixados objectivos, como é verificado se são atingidos e como é avaliado o programa no seu conjunto?

Defendemos desde há largos anos que

-deve haver maior difusão da informação, de modo a podermos avaliar programas de acção e desempenho das equipas,

-por princípio e salvo raras excepções, todos os subsídios e ajudas públicas, directas ou indirectas, devem ser publicitadas em portal especializado.


A Bem da Nação

Lisboa 6 de Março de 2017

Sérgio Palma Brito


Anexo – Arqueologia do actual sistema de incentivos/rotas

O pioneirismo é da ANA. Entre 2003 um relatório interno à ANA informa sobre a importância e potencial das LCC. Em 2003, é organizado o Marketing Aviação na ANA que, está na base de “um sistema de apoios de Marketing que pretende apoiar as companhias aéreas no lançamento de novas rotas e no reforço das ligações já existentes.” (4).

Em 2004, há um acordo com a Ryanair no Porto e no final do ano são “preparados novos modelos de sistemas de incentivos para os Aeroportos de Lisboa e Faro”. Em 2005, a EasyJet opera em Lisboa, Porto e Faro.

Em 2005, Instituto de Turismo de Portugal e a ANA concebem o Fundo de Desenvolvimento de Rotas.

Em 2007, “Fruto da consolidação da parceria denominada IDRAIT (Iniciativa de Desenvolvimento de Rotas Aéreas de Interesse Turístico) entre o Grupo ANA e o Instituto de Turismo de Portugal (ITP), alcançámos resultados que nos estimulam […].”.

Em 2008, na mensagem do Presidente da ANA, “Uma nota também para o programa Iniciative.pt, exemplo da bem-sucedida parceria com o Turismo de Portugal e com as Associações Regionais de promoção turística para o desenvolvimento de rotas e para a promoção dos nossos destinos turísticos nos mercados internacionais.”.

No virar de 2008/2009, o Governo decide implementar um conjunto de medidas extraordinárias para minimizar efeitos da Crise de 2008/2009. Duas destas medidas são a Captação e desenvolvimento de rotas aéreas e Acções de Promoção Externa. Estas medidas são paralelas ao Initiative.pt.

A instalação/expansão de companhias low cost em Portugal foram apoiadas por contractos de incentivos que se revelaram muito positivos. Em 1 Março 2012, o programa Initiative.PT 2.0 é apresentado na BTL:

-“São 15 milhões de euros para três anos de contratação, cujo protocolo é estendido para os sete anos no que respeita a vigência para acompanhamento das rotas. Deste valor, 50% advém dos cofres do Turismo, sendo 60% do Turismo de Portugal e 40% das Regiões de Turismo; e 50% dos aeroportos. São estes os números da nova versão do Iniciativa.pt 2.0, que tem em vista apoiar 50 rotas aéreas, das quais metade no âmbito da criação e o restante no aumento de capacidade em linhas já existentes. No final deste período é esperado um apoio a mais 1,5 milhões de passageiros desembarcados nos aeroportos portugueses.” (5).

Em Agosto de 2012, o Turismo de Portugal é autorizado a assumir “encargos decorrentes do protocolo a celebrar com a ANA-Aeroportos de Portugal SA e ANAM-Aeroportos e Navegação Aérea da Madeira até ao montante máximo de €4.5 milhões” (6). Esta verba é repartida entre 2013 (€ 1.5 milhões) e 2018 (€250 mil).

Qual apoio público? As verbas afectas a contractos de incentivos e as afectas a subsídios a rotas não são devidamente descriminadas e apoios públicos a companhias aéreas devem ser divulgados por sistema user friendly.

Notas

(1)Ver 2017.03.04 Publico, Turismo de Portugal já apoiou novas rotas com oito milhões de euros


(3)No final de 2008, no Congresso da APAVT em Macau um administrador da TAP provocou risada ao falar sobre ter recebido um sunsidio por criar uma rota.

(4)Informação e citações têm como fonte os relatórios anuais da ANA.

(5)2012.03.01 Publituris


(6)Turismo de Portugal, IP, Despacho nº 11207/2012, Diário da Republica 2ª série, nº 159 de 17 Agosto 2012. 

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