O governo
precisou de estudo sobre “constrangimentos de capacidade aeroportuária da
região de Lisboa: a opção por um aeroporto complementar ao aeroporto Humberto
Delgado” (1). Encomendou o estudo à ANAC que por
sua vez o encomendou à consultora estratégica Roland Berger. Em teoria, o
estudo ajuda o governo a tomar a melhor decisão. Na realidade, cauciona a
decisão do governo junto do que o governo sabe ser uma opinião pública pouco
informada, muito passiva e viciada em indignações passageiras. A nós, esta
decisão do governo aguça o espirito crítico.
Não tivemos
acesso ao conteúdo do estudo, mas dispomos de informação suficiente para
questionar sete factos que o estudo parece ignorar, e não vislumbrámos o que
possa haver de “estratégico” no que lemos. Em síntese,
-apoiamos a
opção Portela+1 no Montijo desde há anos, estamos satisfeitos com a decisão, mas
inquietos com a maneira como foi tomada e receosos com a maneira como vai ser
implementada.
Este post deve ser lido em
conjunto com
-Turismo, TAP e companhias low
cost no(s) aeroporto(s) de Lisboa, de 5 Dezembro 2016, no qual antecipamos o
tema dos posts de hoje (aqui),
*Facto 1 – O estudo parece não dar o
destaque devido a três dos factores decisivos para o sucesso do Terminal
Montijo.
Os três
factores decisivos do sucesso do Terminal Montijo aos quais o estudo não dá o
destaque devido são, por ordem lógica e de prioridade:
-a Cidade e
o destino Lisboa manterem a capacidade de atrair turistas em número crescente,
-acesso
fácil e barato ao Terminal Montijo por turistas residentes no estrangeiro ou em
Portugal,
-Terminal
Montijo convencer companhias aéreas a nele operar e aí desenvolver o seu
negócio.
*Facto 2 – “Alertar para o risco do
Terminal Montijo ficar dependente de LCC”
Passamos
sobre o pleonasmo (um terminal vocacionado para companhias low cost ficar
dependente de companhias low cost) e vamos ao essencial:
-a relação
entre Terminal Montijo e LCC não é de mera dependência (3), mas sim de gestão da relação
comercial conduzida em termos profissionais entre ANA e LCC, e com dimensão
nacional pela importância das LCC no Porto e em Faro,
-na gestão
desta relação, a ANA precisa de LCC no Terminal Montijo, mas as LCC precisam do
Terminal Montijo para crescer o tráfego, num mercado cada vez mais
concorrencial.
*Facto 3 – “Cabe agora à ANA
conseguir mobilizar as companhias low cost a mudarem e a manterem a sua
operação no Montijo”.
A
intervenção do marketing aeroportuário da ANA é factor decisivo na captação e
fixação de companhias aéreas, mas a gestão da relação profissional entre ANA e
companhias low cost deve
-estar mais
ligada à distribuição, em relação com o posicionamento da oferta e promoção do
marketing & vendas da oferta,
-continuar
a trabalhar em rede com a Associação Turismo Lisboa e também com Turismo de
Portugal.
*Facto 4 – O estudo não identifica
companhias aéreas com dinâmica de crescimento e que precisam do Terminal
Montijo para crescer
Apesar de
desde 2014 não dispormos de informação ANA sobre tráfego por companhia aérea,
há informação de mercado suficiente para identificar o que nos interessa:
-a TAP não
utiliza o Terminal Montijo porque a reconversão do Terminal Portela é concebida
para a sua operação de hub,
-as sete
Full Service Carriers (Iberia, Air France, KLM, British Airways, Lufthansa,
SWISS e Brussels) ficam no Terminal Portela porque operam rotas de alimentação
dos seus hubs, mas têm reduzida quota no total do aeroporto (12.8% em 2013 e a diminuir
para cerca de 10% em 2016) e, sobretudo por terem crescimento patético entre
2001/16,
-as FSCs de países de outros continentes (Emirates, Turkish, TAAG, United) ficam no Terminal Portela,
representam algum crescimento, mas não decisivo,
-o Terminal
Montijo é vocacionado para companhias que operam rotas ponto-a-ponto
intra-europeias, com quota importante no total do aeroporto Humberto Delgado – um
conjunto de companhias com 17.5% de parte do total (2013), forte crescimento
para quase 30% em 2016 e a subir.
*Facto 5 – Sabemos quais são as LCC,
mas é preciso conhecer a sua estratégia, modelo de negócio e dinâmica, para
identificar como cada uma precisa de voar para Lisboa e utilizar o Terminal
Portela.
Nenhuma
notícia sobre o estudo ANAC/Roland Berger refere o essencial:
-qual é o
modelo de negócio de cada umas das companhias low cost em causa,
-como o
destino Lisboa e o Terminal Montijo enquadram na sua estratégia e a sua
estratégia implica voar para Lisboa?
Se este
ponto não é detalhado no ‘estudo estratégico’, o estudo perde grande parte do
interesse que poderia ter.
*Facto 6 – O estudo parece omitir o
impacte do Terminal Montijo no território em que se integra e a urgência de
Medidas Preventivas e instrumentos de gestão do território que qualifiquem esta
integração.
Este e os
outros seis Factos são explicados no post “Terminal Montijo na expansão do
aeroporto de Lisboa – adenda” (aqui).
*Facto 7 – O governo precisa de
estudo para caucionar a proposta Montijo, pede à ANAC que o encomende a
consultora estratégica, e o governo não divulga o estudo.
Este é mais
um exemplo de dois dramas que afectam a qualidade do Governo e Administração
Pública em Portugal:
-falta de
‘centro de competência e conhecimento sobre aviação civil em Portugal’,
-falta de
transparência dominante, pela ausência de estatísticas e divulgação de estudos
pertinentes [ver ponto 2 aqui].
A Bem da
Nação
Lisboa 6
Março 2017
Sérgio
Palma Brito
Notas
(1)Ver 2017.02.21.Publico.DependenciaLCC
Montijo: estudo alerta para
risco de dependência das low cost
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