Manifesto contra a privatização da
TAP – leitura crítica
Fazemos uma
leitura crítica do Manifesto
contra a privatização da TAP para ajudar o leitor curioso a formar a sua
opinião.
Não
criticamos opiniões expressas pelo Manifesto. Apresentamos factos que
condicionam ou comprometem algumas das mais fortes afirmações que nele figuram.
Lamentamos
a falta de debate aberto sobre a privatização da TAP e o excesso de opiniões expressas
por pessoas que não conhecem o assunto – a liberdade de expressão só pode ignorar
factos se for capaz de demonstrar a sua falsidade.
*Factores condicionantes da operação
da TAP
O texto do
manifesto mostra que quem o assina ignora ou não tem em conta factores
condicionantes da actividade da TAP. Sintetizamos os mais importantes.
Desde a
década de noventa,
-acaba a
regulação de ‘rotas, frequências e oferta’ pelos estados a proteger as suas
empresas publicas e de fixação de preços pela IATA, regulação que data das
décadas de 40 e 50,
-passa
ahaver liberdade total nas rotas no seio da União Europeia, por companhias
aéreas privadas em grande maioria,
-passa a haver
concorrência crescente nas rotas extra comunitárias ainda sujeitas a acordo
entre estados.
Neste
contexto de concorrência, a intervenção do estado dá lugar a
-privilegiar
a acessibilidade aérea ao país e não a companhia aérea estatal, que é
privatizada,
-captação
nacional de parte da cadeia de valor do transporte aéreo assegurados por
companhias nacionais e estrangeiras – é aqui que se situa a nova relação entre
o estado e a empresa com a base no país,
-supervisão
e regulação públicas, inexistentes em Portugal como a privatização da ANA
mostra, mas de importância crescente.
De tudo
isto resulta um mundo novo:
-as
companhias aéreas, de accionista estado ou privado, só são viáveis se forem
competitivas em mercado aberto e de concorrência intensa – a absorção por outra
companhia ou a falência passam a ser possíveis.
Neste mundo
novo e como veremos a seguir, a ajuda do estado à companhia aérea de que ainda é
accionista
-é possível
em circunstâncias extraordinárias e intervaladas num mínimo de dez anos,
-implica
importantes custos em deficit do estado e dívida publica, uma contribuição da
empresa em 50%, e plano de reestruturação imposto pela Comissão,
-visa
viabilizar a empresa ajudada para que esta possa operar no mercado sem ajuda do
estado.
Nestas
condições,
-o
accionista estado ou privado só podem ’garantir’ os serviços que a
competitividade da empresa permita prestar – este é um dos factos mais ignorados
por quem fala sobre a TAP,
-esta regra
aplica-se a base de Lisboa, hub, rotas para Bissau ou Caracas, sem contar que a
TAP desde há muito não voa para África do Sul ou Canadá, apesar de aí haver
importantes comunidades portuguesas.
Os Serviços
Públicos têm regulamentação comunitária e não são de mera decisão do Estado,
accionista ou não da companhia aérea em causa.
*Património nacional, soberania e
independência e língua portuguesa
Em países
como Portugal a linha de argumentação do Manifesto já não corresponde à
realidade de uma companhia aérea, seja ela de accionista estado ou privado.
No caso da
soberania, a TAP não é a El Al e Portugal não é Israel, onde a companhia aérea
é de facto instrumento de soberania.
Mais
concretamente:
-entre 1944
e 1962, a TAP é instrumento de soberania, quando Salazar a define como “instrumento
de soberania nacional” e depois, quando liga o Continente às colónias durante a
guerra colonial,
-entre 1976
e 1993, a ‘transportadora aérea nacional’ já quase nada tem a ver com soberania
e mais com apoio do estado a interesses variados, com destaque para sindicatos –
esta é a origem do condomínio entre estado e sindicatos de que fala Vital
Moreira,
-depois de
1993, a TAP já não tem mesmo nada a ver com a soberania nacional (ver pontos 2
a 5 do post).
*Ajuda do Estado à TAP
O Manifesto
perde-se com clippings da comunicação social e irrelevantes declarações da
comissária europeia. O asunto é público e oficial (europa.eu/competition/publications) mas poucos vão à fonte e quase
todos falam sem o conhecer.
O fundo da questão
é outro e é fundamental:
-sem privatização,
a TAP precisa da ajuda do estado português em 2015, sob pena de conhecer graves
perturbações na sua operação e até poder ir à insolvência.
A ajuda do
estado
-implica
várias centenas de milhões de euros, que irão ao deficit de 2015 e à dívida, e
outras tantas entenas de aval do estado à divida da TAP para modernizar a
frota,
-exige
autorização comunitária condicionada por rigoroso programa de reestruturação,
monitorizado como o de 1994 não foi – este programa pode ser mais rigoroso e
menos eficiente do que o que um accionista privado terá que implementar,
-visa a
viabilidade da TAP, assente na competitividade para operar em mercado aberto e
sem ajuda do estado – isto é, o mesmo fim do programa de um accionista privado.
Há uma
consequência a tirar:
-quem
recusa a privatização da TAP tem de assumir a responsabilidade por aumento do
deficit, por o accionista estado conduzir o programa de reestruturação da TAP
que a Comissão impõe, de modo termos uma companhia a operar em mercado aberto e
sem ajuda do estado.
*Garantias do Estado e do accionista
privado se houver
Os Serviços
de Interesse Público (na ocorrência ligações entre Continente e Regiões
Autónomas) são operados de acordo com regras comunitárias e concursos públicos.
Não são definidos e apoiados pelo Estado a seu belo prazer.
Com uma
companhia aérea a operar em mercado aberto e sem ajuda do Estado, o accionista
Estado ou privado
-só pode
garantir hub, base de Lisboa e ‘rotas, frequências e capacidades’ que a
competitividade da TAP assegure sem ajuda do Estado – esta é a realidade que
tem sido mais escamoteada.
A título de
exemplo,
-a TAP não
voa para Bissau por falta de rentabilidade da rota e há uma companha privada
que voa (a portuguesa Euroatlantic) porque tem um modelo de negócio que o
permite.
-se a Latam
Airlines brasileira for mais competitiva do que a TAP nas ligações
Brasil-Europa, o hub de Lisboa pode até deixar de ser assegurado pela TAP.
*Compra por estrangeiro
No caso da
compra por accionista estrangeiro, é errado comparar Portugal com os EUA como o
Manifesto faz (óbvio, não?).
Temos de
comparar EUA e União Europeia e ao nível da UE há exigência de 51% de capital
comunitário.
*Monopólio público
Citamos: “a
TAP, pelas características e pela dimensão do país, tem funcionado, na prática,
como um monopólio público”.
Salvo o
devido respeito, esta afirmação é erro a exigir esclarecimento, muito mais
vasto do que esclarecer o inexistente “monopólio público”.
O gráfico 1
ilustra a quota de companhias aéreas estrangeiras no total de passageiros
desembarcados nos aeroportos do continente. As companhias nacionais são
TAP/Portugália e SATA.
Observamos
que as companhias aéreas estrangeiras
-sempre
foram e são a base do desenvolvimento do turismo no Algarve, e têm 97% de quota
no aeroporto de Faro em 2013 – não é erro, é mesmo 97%,
-são o mais
importante factor de desenvolvimento do novo turismo do Porto (desde 2003), e têm
70% de quota no aeroporto do em 2013,
-mantêm uma
quota de cerca de 40% no aeroporto de Lisboa, calculada sobre o total de 8.000
milhares de passageiros desembarcado,
-‘Lisboa
corrigido’ é a quota no total de 7.028 milhares de passageiros desembarcados no
tráfego internacional.
Gráfico 1 – Quota das companhias
aéreas estrangeiras no total de passageiros desembarcados
(percentagem)
Fonte – Elaboração própria com base em INE –
Estatísticas dos Transportes e Comunicações e Estatísticas dos Transportes
Do gráfico
2 retemos que
-desde
2006, as companhias aéreas estrangeiras desembarcam mais passageiros no
Continente e têm ritmo de crescimento mais elevado do que as companhias
nacionais.
Gráfico 2 – Total de passageiros
desembarcados por companhias nacionais e estrangeiras nos aeroportos do
Continente
(milhares)
Mais do que
nos preocuparmos com as declarações do Ministro da Economia (em geral a aumentar
a entropia do sistema) como o Manifesto se preocupa, registamos que a TAP não
tem “monopólio” e registamos também algo muito mais importante:
-o turismo
em Portugal não depende a 100% da TAP (em Faro é 3% …),
-a
verdadeira importância da TAP no turismo é a de captar parte da cadeia de valor
para o país e desenvolver o hub de Lisboa.
*Sobre a rentabilidade da TAP EP e
SA
Durante o
período que vai da nacionalização da TAP em 1976 até à sua gestão profissional
a partir de 2001, temos:
-entre
1976/1993, a TAP EP e SA acumulam um Resultado Líquido negativo de -1,2
mil milhões de euros actualizados a 2014 e em 1993 a TAP SA vai falir,
-em 1994 o estado aumenta o capital da TAP SA em 180
milhões de contos e dá garantia de empréstimo até 169 milhões,
respectivamente 1,4 e 1,3 mil milhões de euros de 2014,
-apesar desta ajuda excepcional, a TAP só tem resultados
magramente positivos em 1997 e 1998, e acumula Resultado Líquido negativo de €-927
milhões actualizados a 2014,
-sem o início da gestão profissional, em 2001, a TAP
SA ia falir, apesar da ajuda do Estado em 1994.
Durante o período da gestão profissional de 2001 a
2013, temos uma realidade dual:
-por um lado, um extraordinário trabalho de recuperação
e crescimento da empresa e sua viabilização pelo tráfego intercontinental – sem
este tráfego e o hub, a TAP que conhecemos desaparece,
-por outro lado, entre 2001/2013 a TAP SA acumula um
Resultado Líquido negativo de €-1.5 milhões de euros a preços correntes, o que é
uma performance medíocre e a não ignorar … por exemplo, por quem propõe a dispersão
do capital da TAP em bolsa.
Uma empresa com esta rentabilidade é uma empresa
frágil – tivesse o preço do petróleo subido em 2014 como em 2008 e a realidade
da TAP seria perto do dramático.
Esta realidade é escamoteada ou omitida em quase todas
as intervenções sobre a TAP.
*Contributo
da TAP para o País em mercado aberto
Ninguém pode negar o contributo da TAP, pública ou
privada, para a economia de Portugal, por via da balança de pagamentos, PIB e
emprego. Mais uma vez, a abertura do mercado da acessibilidade aérea a Portugal
implica
-não confundir contributo da TAP para a economia com
accionista estado na TAP, e
-não considerar o contributo de todas as companhias
que operam para Portugal.
Não é fácil racionalizar esta questão porque
-o contributo da TAP e o das outras companhias aéreas
não estar quantificado por profissionais do ofício, quer na macroeconomia quer
na explicitação da cadeia de valor em que assenta – sem conhecermos a fundo a
cadeia de valor não podemos aumentar o valor acrescentado nacional.
O que está em causa é
-o Estado focar a sua intervenção no maximizar da
participação nacional nesta cadeia de valor do contributo da TAP, de longe o
mais importante, e do das outras companhias aéreas.
Como estamos em mercado aberto, na acessibilidade
aérea e no valor acrescentado nacional há vida para além da TAP – esta é a
verdadeira função do Estado no transporte aéreo.
*Poder
dos sindicatos e custos de pessoal
O Manifesto omite um dos maiores problemas da TAP
-o tabu do poder dos sindicatos, em condomínio com o
estado, nas palavras de Vital Moreira, e os custos de pessoal.
Entre 1976 e a actualidade,
-todas as antigas empresas de bandeira da Europa
passam por adaptações rudes e dolorosas a um mercado onde a concorrência é cada
vez mais intensa – Easyjet, Ryanair e companhias aéreas do Médio Oriente são
apenas aspectos mais recentes de longa história.
No mesmo de 1976 à actualidade e de memória de homem, a
TAP EP e SA
-é a única companhia aérea que acumula prejuízos e não
remunera o capital, mas na qual não há um único despedimento individual ou colectivo,
-só tem gestão profissional a partir de 2001 e por
efeito colateral da falhada privatização com a Swissair.
Em nossa primeira opinião que estamos a aprofundar
-a TAP SA só é verdadeiramente rentável quando
diminuir os custos de combustível e de pessoal,
-é isto que está em causa na oposição dos sindicatos à
privatização e é isto que accionista publico ou privado vai ter de resolver – aí
sim com uma greve a sério.
Nota – Este tema está ainda a ser analisado, pelo que
fazemos a reserva de ‘memória de homem’, mas mantemos o essencial da “primeira
opinião”.
Ficámos a conhecer algumas das exigências dos
sindicatos para aceitarem a privatização (observador).
Citamos duas:
-“Garantia de que não haveria um processo de
despedimento colectivo ou de redução temporária do período normal de trabalho
(lay off), num prazo de pelo menos 10 anos”,
-“Impedir no prazo de dez anos uma
“subcontratação ou externalização das actividades do Grupo”, assim como “joint
Ventures” (alianças)”.
Para a análise em curso.
*”antigas
colónias”? Escreveram mesmo “antigas colónias”?
Em Portugal, “não
somos um país qualquer: somos um país com responsabilidades para com […] os
cidadãos das antigas colónias, na América Latina, em África e no Oriente, um
espaço de 250 milhões de falantes da mesma língua: o português.”.
Mais,
concretamente as nossas ‘antigas colónias’ são os seguintes países independentes,
soberanos e com os quais devemos cultivar relação de respeito mútuo:
-Brasil tem
pelo menos duas companhias que podem comprar a TAP ou passar a fazer
concorrência à TAP
-Angola,
Moçambique e Cabo Verde têm transportadoras aéreas nacionais que concorrem com
a TAP em preço e qualidade de serviço,
-Guiné
(para onde a TAP não voa por falta de rentabilidade) e S. Tomé e Príncipe (para
onde a TAP voa pouco) dispõem de ligação aérea a Lisboa sem ser com a TAP,
-Macau foi
destino da mais ruinosa e inútil rota aérea politica que a TAP operou – é o
ícone do que não pode ser feito,
-Timor?
“antigas
colónias”? Faz-nos recuar ao tempo das intervenções a condenar o
neocolonialismo. Que tal a CPLP passar a CPACLP – Comunidade de Portugal e
Antigas Colónias de Língua Portuguesa?
*Alguém
quer debater?
A função do Estado é contribuir para a acessibilidade
aérea competitiva a Portugal, a captação de valor acrescentado na cadeia de
valor da aviação civil e regulação forte e independente da actividade das
empresas privadas.
É neste quadro que importa discutir a privatização da
TAP.
A Bem da
Nação
Lisboa 22
de Dezembro de 2014
Sérgio
Palma Brito
Anexo – Texto do ‘Manifesto contra a
privatização da TAP’
Depois de
um recuo, que se esperava tivesse sido ditado pelo bom senso, mas que se
revelou apenas estratégico, o Governo reiterou o seu propósito de vender a
nossa companhia aérea nacional.
A
concretizar-se, a alienação de um património nacional com quase 70 anos de
experiência, e que representa, além do mais, um dos poucos exemplos de sucesso
e de prestígio além-fronteiras – como atestam os rankings e os variadíssimos
prémios internacionais, em termos de segurança, conforto e eficácia -, seria um
desastre nacional, sem falar do negócio ruinoso que representaria e do risco
para milhares de empregos, com reflexos na sustentabilidade da Segurança
Social.
A TAP é património
nacional. E o Governo, qualquer Governo, não pode dispor do património do país
como se fosse dele. O Presidente da República tem, por isso, nas mãos, e os
portugueses, enquanto cidadãos, têm na voz com que podem exprimir o seu protesto,
os instrumentos para travar esta decisão danosa para o interesse nacional.
Mas não é
só para os portugueses que vivem em Portugal que a TAP é, mais do que uma
companhia de bandeira, um símbolo e um garante de soberania e de independência:
é para mais de cinco milhões de concidadãos nossos que vivem pelo mundo fora,
de Caracas a Paris, de Luanda ao Rio de Janeiro, do Luxemburgo ao Maputo, que
dependem da TAP para o seu trabalho e os seus negócios, mas também para manter
os laços familiares e afectivos com a Pátria.
A primeira
obrigação de um Estado soberano é assegurar a união, a coesão e a defesa da comunidade.
E a manutenção de uma linha aérea que nos una ao universo da língua portuguesa
é uma actividade soberana, tal como a defesa nacional ou a administração da
justiça, numa palavra, a salvaguarda dos interesses nacionais, quaisquer que
eles sejam e onde quer que eles se encontrem.
Não é isso
que entende o Governo, que se escuda nas regras da União Europeia que
alegadamente impediriam os estados membros de injectar dinheiro nas suas
companhias aéreas. Ora, se necessário fosse, a Comissária europeia da
concorrência, Margrethe Vestager, já veio desmentir a versão do Governo,
acrescentando que o Estado português não apresentou, até à data, em Bruxelas,
nenhuma proposta de viabilização da TAP.
Ajuda do
Estado
E, ao
contrário do que se quer fazer crer, mesmo nos Estados Unidos, existe um
impedimento legal para a compra por empresas estrangeiras de participações
maioritárias em qualquer das suas linhas aéreas. Por sua vez, a indústria
alemã, por exemplo, é suportada, na generalidade, por uma rede semi-pública de
institutos de investigação que beneficiam de investimento estatal. E, conforme
reconhece a OCDE, "vários países europeus têm legislação que restringe aquisições
por capital estrangeiro; adicionalmente, vários governos europeus tentaram
recentemente desencorajar crosscountry takeovers, em sectores que vão da
energia aos transportes aéreos e produtos alimentares."
Compra por
estrangeiro
Por isso,
só não é possível financiar a TAP se o Governo se demitir das suas obrigações e
decidir não defender o seu património e o interesse nacional. Sobretudo, depois
de o acórdão Altmark do Tribunal de Justiça da UE, ter feito jurisprudência, ao
fixar as regras e condições para os Estados Membros poderem financiar,
directamente ou através de empréstimos bancários, os serviços de interesse
económico geral, o que, no caso da TAP, acontece na grande maioria dos voos
(Regiões Autónomas, Diáspora e grandes concentrações de portugueses fora do
nosso território). Os princípios que norteiam as políticas de intervenção
estatal no sector aeronáutico são muito claros. Por forma a assegurarem alguma
estabilidade concorrencial no sector, estas políticas são norteadas pelo
princípio "one time, last time", que proíbe uma empresa de receber
apoio e ajuda nareestruturação mais do que uma vez a cada dez anos. Ora, não há
apoio estatal à TAP há 18 anos!
Mas, além
do mais, a TAP não é uma companhia qualquer, porque não somos um país qualquer:
somos um país com responsabilidades para com a imensa diáspora de cinco milhões
de portugueses, dispersos pelos cinco continentes, e para com os que vivem nos Açores
e na Madeira, mas também para com os cidadãos das antigas colónias, na América
Latina, em África e no Oriente, um espaço de 250 milhões de falantes da mesma
língua: o português. Como alguém escreveu, "privatizar a TAP seria o
equivalente histórico a D. Manuel ter dado a exploração das caravelas
quinhentistas a navegadores espanhóis".
Privatizar
a TAP, que é a maior exportadora nacional, seria, literalmente, como escreveu
outro português indignado, "um crime de lesa-Pátria. O que se ganha com a
transportadora nacional não fica espelhado nas contas da TAP - está disperso
nos ganhos dos hotéis, restaurantes ou centros de conferências, por
exemplo".
Para mais,
em Portugal, a TAP, pelas características e pela dimensão do país, tem
funcionado, na prática, como um monopólio público, e, como lembrou o cidadão
António Pires de Lima, pouco tempo antes de ser Ministro da Economia, é um
perigo e um erro "privatizar monopólios"!
Se a
decisão de privatizar tudo e a todo o custo não obedecesse a um plano para
afastar o Estado da economia (e, na floresta dos interesses, sem o Estado, o
mercado transforma-se numa selva), o Governo devia ter aprendido com as
recentes, graves e desastrosas privatizações de sectores estratégicos da nossa
economia - que representaram, também, uma alienação da nossa soberania. Os que alimentam
o mito conveniente de que os privados nos libertam dos riscos da má gestão
pública deviam, no mínimo, sentir-se abalados pelos casos recentes do BPN (os
gastos com a intervenção no BPN cobririam mais de 40 vezes a dívida da TAP), do
BES ou da PT.
Os
portugueses sentem que a TAP é sua, como eram os CTT, a GALP, a PT, a EDP ou a
CIMPOR, o que lhes dá o direito a protestar e a exigir. A sua privatização seria,
deste modo, mais uma medida da sistemática alienação dos centros estratégicos
de decisão nacionais, como foi também a liberalização da exploração das minas,
da floresta ou da água, sem contar com as PPPs ou os SWAPs, com sacrifício do
interesse nacional.
De facto,
podemos perguntar-nos o que ganhámos nós, como consumidores e como país, com a privatização,
total ou parcial, dessas empresas? Aumento de preços e pior serviço,
despedimentos, lucros fantásticos para os accionistas, num mercado protegido pelo
Estado através de um sistema fiscal que os favorece. Lucros que, na maioria dos
casos, não são injectados na nossa economia, uma vez que se trata de empresas
de capital estrangeiro. O exemplo da ANA, o maior centro comercial do país,
que, desde que foi entregue em mãos privadas, aumentou várias vezes a taxa de aeroporto,
devia bastar para nos elucidar.
Mas o
Governo reincide: depois de, no passado, ter sido feita uma tentativa,
felizmente abortada, de a fundir com a Swissair (que, entretanto, faliu), a TAP
viu-se impelida a comprar a Portugália, que também estava falida. Depois,
viu-se obrigada a recomprar a Groundforce, então já espanhola, a quem tinha
sido entregue todo o handling do aeroporto de Lisboa e Faro, e que prestava
cada vez pior serviço. E, finalmente, num negócio desastroso, tanto a nível
financeiro como estratégico, e cuja opacidade está por clarificar, foi
empurrada para comprar a VEM, no Brasil, operação que tem vindo a custar à
holding somas absurdas, que perturbam o plano operacional da empresa no seu
core business: o transporte aéreo.
Os
portugueses dispõem de uma empresa que funciona bem e prestigia o país, que garante
a manutenção do HUB em Lisboa, que, com uma frota diminuta, compete com os
gigantes europeus (70 aviões, contra 240 da Air France, 420 da Lufhtansa e 230
da British Airways), que ganhou, por mérito próprio, um papel de liderança
absoluta no Atlântico Sul e um papel importante em África, que é uma alavanca
de negócios no mercado brasileiro (como aconteceu com a GALP ou PT, graças à
entrada da TAP em rotas estratégicas, ou mais recentemente na Colômbia e no Panamá),
que, enquanto transportadora aérea, é rentável, que dá trabalho a quase 12.000
pessoas e paga 200 milhões de euros de impostos por ano.
Além de
que, através da própria TAP, são todos os anos consumidos e colocados num
mercado de milhões de pessoas, produtos que representam aquilo que de melhor é
produzido neste País, como sustenta a segunda posição no ranking das Empresas
Exportadoras, com mais de dois mil milhões de Euros de vendas ao exterior.
É esta
empresa que é nossa, onde o Estado não investe um cêntimo há quase vinte anos,
que o Governo quer agora entregar em mãos estranhas ao interesse nacional, e
mesmo estrangeiras, uma operação cujo encaixe, além do mais, poderia ser igual
a zero.
Um país que
entrega tudo à iniciativa privada, fica privado de iniciativa
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