TAP e Alitalia – o contribuinte é que paga!

 

TAP e Alitalia – o contribuinte é que paga

Este post inclui o texto da terceira entrevista que dei ao Sol. Alterei a edição, mas não o texto.

Concluímos assim uma série de três entrevistas que tentaremos sintetizar num só texto de mais fácil leitura.

 

-Muito se tem falado recentemente sobre Alitalia e TAP, o que têm em comum?

Alitalia e TAP são objeto de reestruturação elaborada por políticos locais e funcionários da Comissão e foram renacionalizadas contra corrente da Liberalização de 1993 que criou mercado muito competitivo concebida para companhias privadas capazes de se adaptar às regras da concorrência e às exigências da procura. A Liberalização desfavorece companhias estatais e politizadas como Alitalia e TAP ‘antigas’ ou ‘novas’, mesmo reestruturadas. Em síntese, TAP e Alitalia têm em comum Estado acionista, prejuízos a mais e o contribuinte é que paga.

-Mas então, o que há de estruturalmente diferente entre TAP e Alitalia?

Alitalia e TAP são diferentes

-na gravidade da situação económica e financeira: entre outros, o resultado líquido acumulado na Alitalia entre 2009 e 2017 é de €-2.603 milhões na Alitalia e €16 milhões na TAP;

-na estratégia empresarial: a Alitalia não opera hub que dê massa crítica à sua rede intercontinental, enquanto a TAP opera hub intercontinental que tem permitido a sua sobrevivência:

-na aplicação da Regulação Europeia: a Comissão demora quatro anos (não é gralha) a decidir sobre a Alitalia e menos de ano e meio no caso da TAP, refletindo ter havido dois pesos e duas medidas, que detalhamos a seguir.

-no tráfego doméstico que representa mais de 50% dos passageiros da Alitalia. Não é tráfego rentável, mas contribui para a importância da Alitalia no país. Em Portugal, a TAP é irrelevante em Faro e no extraordinário crescimento do tráfego no Porto, na RA dos Açores há a SATA e na RA da Madeira abundam queixas.

-Onde estamos na reestruturação da Alitalia?

Para já, temos um happy end. Em dois comunicados de imprensa de 10 de setembro a Comissão Europeia

-conclui que o empréstimo do Estado Italiano à Alitalia em 2017 é ilegal e deve ser devolvido … uma conclusão patética ao fim de quatro anos, por ser empresa renacionalizada e em insolvência a devolver ao Estado,

-considera que a Italia Trasporto Aereo S.p.A. (“ITA”) não é a continuidade da Alitalia e que a injeção de capital publico de €1.350 milhões respeita as regras do mercado.

Entre a carta rigorosa da Comissão de 8 de janeiro de 2021 (ver a seguir) e este comunicado de imprensa teve de haver intensa negociação entre Itália e a Comissão, que só conheceremos com a publicação da Decisão da Comissão, que já tarda. Não escondo recear um compromisso medíocre.

-Mas, afinal o que é a Alitalia e qual o contexto político?

Ultrapassamos a atribulada evolução da Alitalia desde o início do milénio. Partimos de agosto de 2014, quando Alitalia e Ethiad dos Emirados Árabes Unidos assinam acordo que é suposto dar estabilidade financeira à Alitalia e é parte da estratégia da Ethiad para “construir uma aliança de companhias aéreas suscetíveis de alimentar com passageiros a sua frota de longo-curso em crescimento rápido”.

Em 1 de janeiro de 2015, o negócio é transferido para uma nova companhia, a Alitalia - Società Aerea Italiana S.p.A. (Alitalia SAI), de capital italiano privado e 49% (€387,5 milhões) da Ethiad. O acordo prevê uma reestruturação da Alitalia com perda de 2.000 postos de trabalho, 16% do total.

Este é período em que o Crude Oil Brent desce para valores em volta de $50 e a subida de 2017 coincide com a desvalorização do dólar. Mesmo assim, o resultado líquido negativo da Alitalia é €-199 milhões em 2015 e €-410 milhões em 2016, ano em que a margem operacional é de -19%, quando devia ser entre 5% (Lufthansa Group) e 11% (IAG)

O que segue é indissociável do contexto político da Itália, dominado pela crescente influência política de dois partidos: o Movimento 5 Estrelas de Luigi Di Maio, que é anti sistema, e La Liga de extrema-direita de Matteo Salvini. Os dois são antieuropeus e fonte de instabilidade para a economia da Itália, com reflexo no euro e União Europeia. E estamos na Europa em que, a 23 de junho de 2016, o Reino Unido votou o Brexit por 52% contra 48%.

A insolvência começa pelo Natal de 2016, quando o Presidente da Alitalia pede apoio político ao governo para evitar que os acionistas da empresa quebrem o acordo que faz a empresa funcionar. O acordo com os sindicatos reduz para 1.700 lay-offs e 8% de redução no salário. Em 24 de abril de 2017, “Os trabalhadores escolhem o suicídio e recusam o sacrifício”. Em 2 de maio a Alitalia entra em insolvência e continua a operar graças a empréstimo intercalar do Estado de €600 milhões e não notifica a Comissão.

Neste contexto, uma intervenção rigorosa e transparente da Direção Geral da Concorrência provocaria a insolvência da Alitalia o que reforçaria o sentimento antieuropeu e poderia desestabilizar uma das mais importantes economias da União Europeia.

-E depois?

Em maio de 2017, a Alitalia é renacionalizada, em outubro de 2017 o Estado concede novo empréstimo intercalar de €300 milhões e volta a não notificar a Comissão. O governo adia a venda da Alitalia para depois das eleições legislativas de março 2018.

A Comissão recebe várias queixas sobre a Alitalia e não ignora a história da empresa. Margarethe Vestager acaba por reconhecer que a Alitalia está sob investigação desde 2017. Entre outros, a Comissão fica preocupada por o empréstimo de maio de 2017 ser reembolsável em dezembro de 2018, muito para além do limite de seis meses imposto pelas orientações em vigor. É neste contexto de queixas e segredos de Polichinelo que, em janeiro de 2018 a Itália notifica a Comissão sobre o empréstimo de €900 milhões, mas a Comissão só reage depois das eleições próximas.

-E que acontece depois das eleições de 2018?

O Movimento 5 Estrelas (32,6%) e La Liga (35,7%) ganham as eleições de 4 de março de 2018. De outsiders, Luigi Di Maio e Matteo Salvini passam a governo e o sentimento antieuropeu ganha expressão política maioritária. O governo de coligação não traz estabilidade política, ao ponto de os dois partidos coligados votarem um contra o outro no Parlamento, mas o sentimento antieuropeu continua vivo.

O governo tenta vender a Alitalia, mas os compradores (entre outros, easyJet, Delta, China Eastern, Lufthansa Group) desistem face por motivos diversos com base comum, a impossibilidade política de reestruturar a Alitalia.

A 23 de março de 2018 a Comissão anuncia “investigação aprofundada” sobre se o empréstimo de €900 milhões constitui Auxílio de Estado e se respeita as Orientações a Regulação Europeia sobre a matéria. Passaram mais de 10 meses sobre o primeiro empréstimo, durante os quais se sucederam queixas de partes interessadas. Dado o cadastro da Alitalia, seria a mais fácil das investigações da Comissão, mas arrasta-se quase três anos e meio até à confirmação da sua ilegalidade a 10 de setembro de 2021.

A Comissão decide mais de quatro anos depois do primeiro empréstimo e dois anos e meio de “investigação aprofundada” sobre caso mais do que evidente. O processo da Alitalia é mancha indelével na reputação de independência da Direção Geral da Concorrência e da comissária Margarethe Vestager.

-E como surge e se forma a ITA?

Em 5 de setembro de 2019, Giuseppe Conte continua primeiro-ministro, mas de Executivo de coligação entre o Movimento 5 Estrelas e o Partido Democrático, mais pró-europeu do que o anterior. O sentimento antieuropeu diminuiu e diminui ainda mais quando Giuseppe Conte é substituído por Mario Draghi a 13 de fevereiro de 2021.

É neste contexto político que, em 10 de outubro de 2020 o governo italiano decide que a Alitalia se reorganize como Italia Trasporto Aereo S.p.A (ITA). Não temos acesso a informação sobre os antecedentes desta decisão. Margrethe Vestager anuncia que a Comissão analisa a existência de continuidade entre a Alitalia e a ITA e tudo isto acontece com a “investigação aprofundada” de 2018 a decorrer. Parece haver compromisso político da Comissão, porventura por identificar a ITA como a maneira menos perturbadora de levar a Alitalia à insolvência.

-Mais concretamente que faz a Comissão?

Em 8 de janeiro de 2021, a carta da Comissão impõe duas condições à ITA, com inúmeras exigências sobre o Plano de Negócio apresentado pela Empresa. A ITA é a Alitalia reestruturada, mas com descontinuidade entre as duas empresas. Entre outras condições, muito menos aviões, trabalhadores com “novos contratos de trabalho” e em “número significativamente reduzido”, compra da marca Alitalia em concurso publico, redução de slots, controle do crescimento até 2025 e por aí adiante.

A ITA deve respeitar o Market Economy Operator Principle (MEOP), em síntese avaliar se um investidor privado operando em condições normais do mercado faria o mesmo investimento. Destacamos o capital do Estado (€1.350 milhões) ser remunerado como se fosse um investidor privado.

-Que ilações podemos tirar sobre a TAP?

A primeira é a impossibilidade prática de transformar a reestruturação da TAP em curso em nova empresa marcada pela descontinuidade com a TAP. E … continuaríamos a ter nova empresa publica organizada por políticos portugueses e funcionários da Comissão.

A Alitalia beneficia de aplicação desvirtuada da Regulação Europeia e a TAP não, mas pode ser objeto de Decisão da Comissão de compromisso medíocre com a realidade como acontece com a ITA entre a carta de 8 de janeiro e o comunicado da Comissão de 10 de setembro.

-E em conclusão?

Manter o foco na próxima Decisão da Comissão e consequências a tirar, por empresa estatal e politizada ter dificuldade acrescida face às exigências da procura no mercado aberto e competitivo do transporte aéreo na Europa.

O problema de compromisso medíocre com a realidade, mencionado antes, é que esta acabar por impor novo Auxílio de Estado à TAP reestruturada o que é excluído nos dez anos até 2031.

Muito mais importante, a TAP não foi reestruturada, foi depenada a eito e a sua competitividade continua a ser roída pelo tumor maligno não extirpado.

Sérgio Palma Brito, Analista Sénior de Turismo e Transporte Aéreo, autor do livro TAP que futuro? – como chegámos aqui.

 

 

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