O estudo sobre
O Perfil do Turista que Visita o Algarve assenta num inquérito a 4.205 turistas
durante dois períodos: Julho e Agosto (2.652 turistas), e Setembro e Outubro de
2016 (1.643 turistas). Analisamos a versão final do “Relatório síntese que
espelha a realidade do turismo na região do Algarve por segmentos de turistas, períodos e zonas”
(1).
No
documento publicado, não há indicação de unidade de investigação ou ensino e de
Bibliografia nem lista de instituições e pessoas consultadas. O texto parece
ser da responsabilidade exclusiva da Professora Antónia Correia e do Professor
Paulo Águas - Equipa responsável da Universidade do Algarve pela coordenação
científica e técnica do projecto proposto pela Região de Turismo do Algarve.
1.Objectivos do Estudo, macro
quantificação e segmentação
*Objectivos do Estudo
O Relatório
Final não inclui um texto da Entidade Regional de Turismo do Algarve que, entre
outros, explicite o objectivo que pretende atingir com a elaboração do Estudo.
A iniciativa da ERTA é meritória e, em si, justifica elogio.
O Relatório
explicita os objectivos do Estudo em três ocasiões:
-Sumário
Executivo: “O estudo do perfil do turista que visita o Algarve tem como
principal objectivo perceber a essência do turismo na região.” (p.11),
-Metodologia
do Estudo, “Este relatório tem como principal objectivo conhecer e compreender
características, preferências e comportamentos do turista que visitou o Algarve
em 2016. (p.13),
-Ojectivos
e diagrama metodológico
(Capítulo I – Metodologia) detalha seis “Objectivos
específicos” com base em “segmentação de mercado assente em critérios
motivacionais, psicográficos, de satisfação e lealdade para com o destino, uma
vez que se percepciona uma forte fidelização dos turistas que visitam a
região.”
(p. 15).
Estes objecttivos são:
-Estipular diferentes variáveis
motivacionais, psicográficas, de satisfação e lealdade,
-Identificar diferentes segmentos de
mercado a partir de critérios de segmentação definidos, e com base na dicotomia
“visitante de primeira vez” e “visitante de repetição”,
-Determinar os níveis de satisfação e fidelização
dos diferentes segmentos turísticos identificados,
-Aferir acerca do peso dos diferentes segmentos
turísticos identificados pelo estudo em termos da sua importância relativa para
a região,
-Traçar as
implicações estratégicas dos diferentes segmentos turísticos identificados pelo
estudo para o futuro da competitividade do Algarve enquanto destino turístico,
-Caracterizar
a interactividade do turista que visita o Algarve com as redes sociais.
Em nossa
opinião,
-o “principal objectivo” ser “perceber a
essência do turismo na região” é questionável em si, mas sobretudo é
incompatível com as limitações do Inquérito em que o Estudo assenta,
-o
objectivo de “conhecer e compreender” é mais do que actual, mas gostaríamos de
um mais modesto “contribuir para conhecer e compreender”, porque do Inquérito
podemos quando muito esperar um contributo para conhecer e compreender,
-o
essencial do estudo parece estar nos seis “objectivos específicos”, mas a segmentação
adoptada (dois macro segmentos, seis países de residência e três áreas de
destino) pode questionar a amostra ser suficiente e dá origem a excesso de informação
que confunde o leitor – quando se trabalha para suporte à
decisão, a informação entregue deve ser hierarquizada por importância e não
longa e prolixa.
*Macro quantificação existente
informação do Inquérito
Com a
excepção dos dois inquéritos do INE que nos faltam (2), dispomos de algum acervo
estatístico sobre o turismo do Algarve:
-Passageiros
desembarcados no aeroporto de Faro por País de origem (ANA)
-Aeroporto
de Faro nas Estatísticas de Transportes e Comunicações (INE),
-dois
inquéritos nas Estatísticas do Turismo (INE): o agora denominado Inquérito à
Permanência de Hóspedes na Hotelaria e Outros Alojamentos e Inquérito às Deslocações dos
Residentes.
Em várias
situações, a informação quantitativa que o Estudo explicita está ligada à macro
informação estatística existente, sem que esta esteja claramente identificada e
com possível confusão pelo leitor.
*Segmentação do mercado
Se bem
percebemos, a segmentação de mercado que mais interessa aos autores e que para
eles diferencia e justifica o Estudo assenta em “critérios motivacionais,
psicográficos, de satisfação e lealdade para com o destino, uma vez que se percepciona
uma forte fidelização dos turistas que visitam a região.” (p.15).
Dito isto,
o Estudo assenta em duas opções que, em nossa opinião, comprometem a
apresentação dos resultados:
-segmentação
dos turistas em Turistas tradicionais e Turistas residenciais,
-o capítulo
fundamental sobre a Visita ao Algarve (p.23) não segmentar a informação por
turistas Residentes e Não residentes em Portugal.
Este
comprometer dos resultados é reforçado pela omissão da opção do cliente final
(personagem mais importante em toda esta história) entre package holiday e independent
travel, que é estruturante na formação da procura/oferta de turismo do
Algarve (3).
2.Turistas tradicionais e residenciais
– questionar e alternativa
*Segmentação por Turistas
tradicionais e Turistas residenciais
Da
Metodologia do Estudo, citamos:
-“Tendo em conta as realidades
turísticas da região, abordam-se dois tipos de turistas: o turista tradicional
e o turista residencial.
Entende-se por Turista Tradicional aquele que utiliza as formas de
alojamento tradicionais. Por sua vez, os
Turistas Residenciais são todos os que se alojam em casa própria, casa de
familiares e amigos e os que recorrem a arrendamentos privados” (pp.
13/14).
Esta
segmentação do mercado corresponde a uma divisão das modalidades de Alojamento
Turístico que os turistas escolhem. É o caso quando o texto refere, entre
outros, “Os Britânicos alojados em turismo tradicional” (p.
100).
*Segmentação mais adequada à
realidade
A
segmentação que utilizamos e nos parece ser mais adequada às “realidades
turísticas da região” assenta em três procuras de famílias (4).
A procura
que mobiliza mais turistas é por estadia em hospedagem mercantil, em estabelecimento
hoteleiro ou não, ou unidade dispersa de alojamento em meio urbano, de resort
ou rural.
A procura
por investimento em casa de férias (para combinação de utilização própria e
rendimento, e valorização a prazo na revenda) situa-se na intersecção de
investimento imobiliário e financeiro, com utilização turística da residência
secundária pelo próprio em hospedagem gratuita ou mercantil quando a residência
secundária é arrendada a turistas. Para efeito das deslocações turísticas aos
Algarve gera as dos turistas que alojam em “habitação própria”, nos termos do
INE, na “holiday home” do mercado e
na “imobiliária” da linguagem rasca sobre o turismo do Algarve.
A terceira procura
é por Visitas a Familiares e Amigos, tem importância menor mas crescente, por
estar ligada à mobilidade de pessoas no espaço europeu (imigrantes no Algarve e
emigrantes do Algarve em Portugal e na Europa). Esta procura utiliza sobretudo,
mas não só, o Alojamento gratuito por familiares e amigos (5).
Esta segmentação
segue o comportamento das pessoas e encaixa nas recomendações internacionais
sobre estatísticas de turismo, como definidas por United Nations e UNWTO, New York,2010
e endossadas por Eurostat e OCDE (6). No Inquérito Inquérito às
Deslocações dos Residentes o INE utiliza esta tipologia em relação na
repartição de todos os turistas por “Meio de alojamento” de que dá a lista:
Estabelecimentos hoteleiros e
similares, Apartamentos/casas arrendadas, Quartos arrendados em casas
particulares, residência secundária (inclui habitação própria) Alojamento
fornecido gratuitamente por familiares/amigos e Outro alojamento privado.
*Cadeias valor independentes/interligadas
e concorrência/sinergia
Cada uma
das procuras da segmentação que utilizamos dá origem a uma cadeia de valor
independente mas interligada com as outras duas, em concorrência ou sinergia. O
conjunto das três cadeias de valor está na origem da formação da Economia
turístico residencial do Algarve.
A procura
por estadia em hospedagem mercantil
-está
na origem da cadeia de valor da Industria da hotelaria, com as suas 110 mil
camas em 2015,
-por via do
arrendamento da residência secundária de utilização turística remunera o
investimento contribui para a valorização do alojamento adquirido.
A procura
por investimento em casa de férias
-gera a
cadeia de valor formada pelas actividades da imobiliária turística: promoção e
vendas, administração, exploração e revendas,
-financia o
investimento na indústria do golfe e das marinas que por sua vez valorizam a
casa de férias e atraem o investimento na Hotelaria,
-é a mola
real da formação dos grandes espaços do turismo no Algarve, de que são exemplo
Vilamoura e Quinta do Lago (7).
Estimamos que, em 2011, haja no Algarve pelo menos 125.000 residências secundárias de utilização turística. Mais residências secundárias do que camas na Hotelaria.
3.A Visita ao Algarve: residentes e
não residentes em Portugal
*Um turismo e duas procuras
A procura por
turismo do Algarve integra dois grandes segmentos substancialmente diferentes:
residente e não residentes em Portugal. Este não foi o entendimento dos autores
que
-no
capítulo fundamental sobre A visita ao Algarve (capítulo II) amalgamam estas
duas realidades,
-remetem os
turistas residentes em Portugal para o Capítulo III, a par dos residentes em
França, Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Espanha e os evitáveis “Outros países”.
A título de
exemplo, nas respostas à pergunta sobre Transporte utilizado para chegar ao
Algarve (figura 2.8) temos o total de avião e carro próprio, quando a realidade
é o avião dominar de muito longe na procura de não residentes e o carro próprio
da de residentes. Não entendemos o interesse do número global. Esta avaliação
pode ser feita dezenas de vezes ao longo do Estudo.
*Racionalizar evidência e intuição
A
segmentação da procura por turismo do Algarve entre residentes e não residentes
é evidente e intuitiva.
A
racionalização da diferença assenta em factores variados:
-rendimento
disponível,
-meio de
transporte utilizado,
-distribuição
no marketing operacional,
-alojamento
utilizado,
-last but not the least, facilidade na deslocação.
*Opção do Office of National
Statistics do Reino Unido
Ao longo
dos anos, o ONSS publica os Travel Trends que é uma publicação de referência. Nela
encontramos uma clara separação entre
-Overseas residents'
visits to the UK,
-UK
residents' visits abroad.
É evidente
que que este e outros argumentos no mesmo sentido não proíbem os autores do
Estudo amalgamarem residentes e não residentes em deslocação turística no
Algarve. Mas são argumentos de peso para quem, como nós, contesta a opção dos
autores por esta diminuir o interesse do Estudo.
4.Package holiday e independent
travel – impossível omissão
*Ausência incompreensível e fatal –
o package holiday
O modelo de
negócio do package holiday
-é
determinante para a formação da procura/oferta pelo turismo no Algarve até ao
virar do milénio e na formação da Bacia Turística Alargada do Mediterrâneo –
não é coisa pouca,
-depois,
continua a ser importante porque resiste à afirmação do independent travel com a Transformação estrutural do mercado
turístico na Europa iniciada na década de 1990,
-apesar da
maior atracção do independent travel junto
da procura, parece vir a ser muito relevante no futuro previsível –a maneira
como o package holiday recupera a
partir de 2010 é um caso sério (8).
Algo é
certo
-não
compreendemos que o Estudo omita referências ao package holiday,
-esta a
omissão do package holiday compromete
em muito o “principal objectivo [do Estudo] conhecer e compreender
características, preferências e comportamentos do turista que visitou o Algarve
em 2016”.
*Separar reserva de alojamento/transporte
e omitir pakage holiday
O Estudo
separa
-Meio de
Reserva de Alojamento (figura 2.8),
-Reserva de
Transporte para chegar ao Algarve (figura 2.9).
Esta opção
do Estudo assenta no unbundling do package holiday e não avalia a importância
da opção de “reserva de package holiday”.
A título de
exemplo, o International Passenger Survey do Reino Unido quantifica as
deslocações por motivo principal de Holiday (Lazer, recreio e férias do INE) e
acrescenta sempre “of wich Inclusive Tour”,
com IT a ser identificado com package holiday.
*Mercado do Reino Unido
No primeiro
tema, sobre os “Os Britânicos no
Algarve” e da Caracterização da Visita ao Algarve, citamos:
-“A grande
maioria reserva online (60%) ou em agências de viagens (25%). As plataformas mais
recorrentes são o Booking.com (46%) ou a HomeAway/OwnersDirect (11%) ou outras plataformas
(27%).” (p.96).
Não
entendemos como é possível
-descrever
“reserva” sem explicitar package holiday ou o unbundling de alojamento e avião,
-listar
portais de bed banks [o
leitor menos atento não deve ler bad bank]
e omitir operadores
domo TUI, Thomas Cook, Jet2.com e outros,
-no ponto
sobre Turista tradicional
(p.100) omitir a opção entre package holiday ou independent travel.
5.Nota
final
Não pretendemos avaliar Estudo de cujas opções
estruturais discordamos e consideramos como não adequadas à realidade da
procura/oferta, o que compromete a utilidade que o estudo teria para nós.
Sobre a escolha dos seis objectivos específicos (p.15),
não temos formação e informação que permita avaliar
-a sua razoabilidade substancial no caso de uma área
turística com a extensão, diversidade e governação como o Algarve,
-o seu interesse para Politica, Administração,
Iniciativa Privada e Opinião Pública que parecem ser os destinatários finais do
Estudo.
A Bem da Nação
Lisboa 20 de Abril de 2017
Sérgio Palma Brito
Notas
(1)O Relatório é publicado
sob a chancela de Turismo do Algarve e Universidade do Algarve, mas é omisso
omisso sobre a relação entre as duas instituições que está na sua origem. Disponível
no site institucional: http://www.turismodoalgarve.pt
(2) A macro informação estatística da procura/oferta de
turismo do Algarve sofre com a supressão, em 2008, de dois inquéritos nacionais
que o INE deixa de realizar:
-Inquérito aos Gastos Turísticos Internacionais,
-Inquérito aos Movimentos de Pessoas nas Fronteiras.
(3)Entre
outros, ver o recente Relatório sobre Transporte Aéreo e Turismo em Portugal. Os cinco volumes estão disponíveis em http: http://www.ciitt.ualg.pt/
ou
I Parte – Da década 1950 à transformação
do mercado europeu dos anos noventa
II Parte – Indústrias europeias do
transporte aéreo
III Parte – Tráfego aéreo no total dos
três aeroportos (Lisboa, Porto e Faro) – continentes, países e empresas
IV Parte – Passageiros nos aeroportos de
Lisboa, Porto e Faro – continentes, países e empresas
V Parte – Procura/oferta de turismo e
intervenção pública - Inclui Anexo - Package holiday e independent
travel no Algarve (da década de 1990 à actualidade)
(5)Ver
-ex-residentes no Algarve, emigrados no estrangeiro ou
no resto do País,
-Familiares e Amigos de portugueses e estrangeiros que
imigraram para o Algarve ou que no Algarve têm Residência Secundária de
utilização turística.
Sem falsa modéstia, citamos livro de que somos autor:
-“Em 1981, residem no Algarve 20.590 naturais do
Alentejo, 10.896 das Ex-Colónias, 9.855 da Área de Metropolitana de Lisboa e
5.041 do Estrangeiro, (Gaspar, 1987: 37); o Algarve é, depois da área de Lisboa
e Setúbal, “a região com menor percentagem de população autóctone (82.5%)” e “
à sua escala, é a única região que tende a evidenciar uma dinâmica positiva,
aumentando o saldo positivo dos movimentos internos, a que se vêm juntar
quantitativos relativamente importantes de retornados, tanto da Europa como dos
países africanos de expressão portuguesa.”. (p.105)”.
Em Sérgio Palma Brito, Território e Turismo no Algarve,
Colibri 2009, disponível em
(6) A
segmentação que utilizamos encaixa nas International Recommendations for
Tourism Statistics 2008, United Nations e UNWTO, New York, 2010 e todo o
conjunto de trabalhos em que se inserem.
(7)Ver Território e Turismo no Algarve da Nota (5).