Portela 2012 – Imparcialidade, Transparência e Não Descriminação na Atribuição de Slots


O presente post

·          é apoiado por um Documento de Trabalho com informação sobre as questões que levantamos e links para benefício dos leitores mais curiosos:
https://docs.google.com/document/d/1g7eyKmR1UafxwGK8vpzZ5nYOaSpIvk7HueHWE2mV2Ow/edit 

·          aborda um caso pontual da actividade da ANA e deve ser integrado na série de posts que vamos consagrar à Privatização da ANA e à Gestão Aeroportuária pela ANA, uma vez privatizada.


Þ     Portela 2012 – uma situação a alterar

O tráfego aéreo no aeroporto da Portela está sob a ameaça crescente de congestionamento por falta de capacidade (é esta a origem do Portela+1) e estrangulamentos pontuais – quando o “Presidente da ANA diz que Portela está a recusar voos” (1).

A gestão de slots (2) no Aeroporto da Portela é sujeita a decisões do Governo sobre a procura/oferta – a IATA refere esta condições, que, tomadas formal ou informalmente pelo Governo, devem ser divulgadas (3).

Para além de possíveis imposições do Governo, está em causa o agravar das tensões entre as exigências

·          da TAP, Companhia Aérea de Bandeira, maior utilizadora do aeroporto operadora de um hub,

·          de outras companhias, que já operam ou querem começar a operar na Portela, com destaque para as Low Cost.

Na realidade

·          é a ANA que assegura a gestão de slots, em violação de diplomas comunitários e de boas práticas, como as propostas pela IATA – é o demonstramos a seguir,

·          esta situação é ocorrência da gestão aeroportuária, assente no triângulo formado pelo Governo (Ministérios dos Transportes e Finanças), Gestora Aeroportuária (ANA) e Transportadora Aérea Nacional (TAP) – analisamos este modelo em próximo post.

Em variados países, situações como estas são dirimidas por um mecanismo que garante a Imparcialidade, Transparência e Não Descriminação na Atribuição de slots. Existe uma Entidade Coordenadora Independente que assegura a coordenação dos slots (4), de modo a

·          ter em conta os “direitos adquiridos”, para garantir a estabilidade da operação aérea consistente e sem abuso no manter os slots,

·          ser possível atribuir slots a companhias que ainda não utilizam o aeroporto,

·          aplicar mecanismos que garantam a utilização eficiente dos slots. 

Em conclusão:

·          o sistema de atribuição de slots no Aeroporto da Portela deve ser revisto, ANTES da privatização da ANA,

·          deve ser crida uma Entidade Coordenadora Independente, que coordene a atribuição de slots nos Aeroportos onde tal se justifique, dando prioridade total ao da Portela

·          a criação e funcionamento da ECI deve respeitar o espírito e a letra do diploma comunitário em vigor e boas práticas, de que as recomendações da IATA são um exemplo.


Þ     Diplomas Comunitários: Princípios Gerais Pertinentes

O primeiro diploma comunitário data de 1993 (5). Para o que nos ocupa basta citar parte dos «considerandos»:

·          “atribuição de faixas horárias em aeroportos congestionados deverá basear-se em normas imparciais, transparentes e não discriminatórias”,

·          “é desejável que os Estados-membros detenham a faculdade de designar um aeroporto como coordenado, desde que sejam respeitados os princípios da transparência, da imparcialidade e da não discriminação”,

·          “o Estado-membro responsável pelo aeroporto coordenado deve assegurar a nomeação de um coordenador cuja imparcialidade seja inquestionável[o sublinhado é nosso],

·          “a transparência da informação é um elemento essencial para assegurar a objectividade do processo de atribuição de faixas horárias”,

·          “é igualmente necessário evitar situações em que, devido à falta de faixas horárias disponíveis, se verifique uma distribuição desigual dos benefícios da liberalização e uma distorção da concorrência”.

O Estado Membro deve criar um Comité de Coordenação por Aeroporto Coordenado ou para o conjunto dos Aeroportos Coordenados.

O diploma comunitário de 2004 (6) parte de um princípio

·          o diploma de 1993 “ deve ser reforçado, a fim de garantir a utilização mais completa e mais flexível das capacidades limitadas nos aeroportos congestionados”.

Entre outros, o Comité de Coordenação é reforçado, dentro do bom senso:

·          “É necessário especificar o papel do comité de coordenação estabelecido para desempenhar funções consultivas e de mediação no que respeita à atribuição de faixas horárias. […] É importante garantir que o comité de coordenação não possa tomar decisões que sejam obrigatórias para o coordenador”.


Þ     Dois Princípios Particularmente Pertinentes

Os princípios da gestão dos slots e a sua implementação estão fora do âmbito do presente post. Dito isto, nos «considerandos» do diploma de 2004, há dois princípios gerais que são particularmente pertinentes [o sublinhado é nosso]:

·           “no interesse da estabilidade das operações, o sistema actual prevê a reatribuição de faixas horárias com precedências historicamente estabelecidas («direitos adquiridos») às transportadoras aéreas titulares”, mas, “As faixas horárias com precedência histórica deverão respeitar o cálculo de utilização, bem como as demais disposições pertinentes do Regulamento (CEE) n.º 95/93, para que as transportadoras aéreas possam continuar a exigir estas faixas para o equivalente período de programação seguinte. A situação dos direitos adquiridos no caso de explorações conjuntas, acordos de partilha de códigos ou de franquia, deve ser clarificada”,

·          “A definição de novo operador deve reforçar a disponibilidade de serviços aéreos adequados às regiões e possibilitar o aumento da concorrência nas rotas intracomunitárias”.


Þ     Aplicação dos Regulamentos Comunitários em Portugal

O Governo ignora o Regulamento de 1993 e demora dez anos a tomar uma primeira decisão (7), quando

·          designa os aeroportos de Lisboa, Porto, Madeira e Faro (este apenas no Verão IATA) como “inteiramente coordenados” (7.a),

·          não nomeia a Entidade Coordenadora, “encontrando-se a coordenação a ser feita de facto pela ANA, Aeroportos de Portugal, S.A., para o que dispõe esta empresa de uma estrutura autónoma” (8) – coordenação sem base legal e em violação do espírito e a letra do diploma comunitário de 1993,

·          não cria o Comité de Coordenação.

O Governo volta a ignorar o novo diploma comunitário aplicável, aprovado em 2004, pois apenas em 2008 (9),

·          designa “os aeroportos coordenados [Lisboa, Porto, Madeira e Faro, este no Verão IATA] e dos aeroportos com horários facilitados [Ponta Delgada] dentro do território português”,

·          atribui, de jure, à ANA as funções de entidade coordenadora nacional do processo de atribuição de faixas horárias e de entidade facilitadora, mantendo a violação do espírito e letra do diploma comunitário,

·          as exigências de Independência da ANA (10) limitam-se a autonomizar a contabilidade das taxas recebidas,

·          cria o Comité Nacional de Coordenação,

·          designa o INAC “como organismo responsável pela supervisão e fiscalização da gestão do processo de atribuição de faixas horárias, bem como do cumprimento das respectivas normas”.

Em 2003, o Governo poderia argumentar que o congestionamento existente não justifica uma Entidade Coordenadora. Em 2009, a situação é completamente diferente:

·          desde há algum tempo que são conhecidas as tensões entre TAP e outras Companhias, com destaque para as  Low Cost, na utilização do Aeroporto da Portela,

·          o que está em causa parece ser uma politica deliberada de não introduzir transparência no sistema e manter a tradicional politica de dificultar  a concorrência à Transportadora Aérea Nacional,

·          está definido o principio da Privatização Total da ANA, ligada ao financiamento do Novo Aeroporto de Lisboa.

A decisão política de 2009 exige análise detalhada, de modo a compreendermos o real funcionamento do Sistema Politico, Administrativo e Empresarial do Transporte Aéreo e situarmos responsabilidades políticas.


Þ     A Situação em 2012

Em 2012, a politica as disposições do Decreto-Lei de 2008 estão ultrapassadas e podem ser muito prejudiciais aos interesses do País, por

·          dificultarem o acesso aéreo competitivo à Oferta de Turismo da área de influência do Aeroporto de Lisboa,

·          inquinarem todo o processo de escolha do “+1” da Portela.

·          poderem vir a tornar-se numa “renda de privilégio”, incluída no Perímetro da Privatização da ANA e fonte de conflito futuro com Companhias Aéreas.

O Governo tem de alterar o Decreto-Lei de 2008, entre outros, com garantias de imparcialidade, transparência e não descriminação, na escolha e actuação da Entidade Coordenadora Independente dos Aeroportos do País, com destaque para o da Portela.


Þ     Qual é a consequência de tudo isto?

A consequência é simples:

·          a coordenação dos slots no aeroporto da Portela passa a ser da competência de Entidade Coordenadora Independente e não da ANA, com a sua tecnoestrutura e dependência do Governo.

Qual entidade? Não sabemos, mas sabemos que tem de haver uma forte determinação política para alterar profundamente o sistema vigente. Sem esta determinação, caímos no conhecido “alterar algo para que tudo fique na mesma”.

 O leitor mais curioso deve visitar o site http://www.acl-uk.org/.

Não escondemos a nossa opinião:

·          termos os slots dos nossos aeroportos coordenados pela realista adaptação a Portugal do bom liberalismo anglo saxónico seria um excelente momento do “Mudar Portugal”, de que tanto precisamos.


A Bem da Nação

Albufeira 23 de Julho de 2012

Sérgio Palma Brito


Referências

(1)Sol de 20 de Julho  de 2012

(2)O Regulamento nº 95/93 define «Faixa horária» (slot) como “ a autorização, dada por um coordenador, nos termos do presente regulamento, para utilizar toda a gama de infra-estruturas aeroportuárias necessárias para explorar um serviço aéreo num aeroporto coordenado numa data e horário específicos, para efeitos de descolagem ou aterragem nas condições atribuídas por um coordenador nos termos do presente regulamento”.

(3)A IATA define um aeroporto de Nível 3 por um desequilíbrio entre procura e oferta, que resulta de “capacity providers have not developed sufficient infrastructure, or where governments have imposed conditions that make it impossible to meet demand” – se impostas, formal ou informalmente, estas condições devem ser divulgadas

Aeroporto Coordenado é o aeroporto designado pelo Estado Membro e sujeito a Coordenação na atribuição de Faixas Horárias, dada a intensidade do tráfego aéreo que o solicita

 (4)Entidade Coordenadora Independente é definida no Documento de Trabalho, mas a noção é intuitiva

(5)Regulamento (CEE) N.º 95/93 DO CONSELHO de 18 de Janeiro de 1993 relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade

(6)Regulamento (CE) Nº 1554/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Julho de 2003 que altera o Regulamento (CEE) n.º 95/93 do Conselho relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade

(7)Decreto-Lei nº 52/2003, de 25 de Março

(7.a)O diploma comunitário de 2004 esclarece a confusão na terminologia (ver Documento de Trabalho) e “inteiramente coordenado” dá lugar ao actual “aeroporto coordenado”

(8)Preâmbulo do Decreto-Lei nº 109/2008, de 26 de Junho

(9)Decreto-Lei nº 109/2008, de 17 de Dezembro

(10)Artigo 5º do Decreto-Lei nº 109/2008, de 26 de Junho



Declaração – Neste post, i) criticamos a Politica de sucessivos Governos sobre a Coordenação de Slots em Aeroportos Coordenados e, sobretudo, congestionados, ii) defendemos a alteração profunda da Politica e da Legislação. Neste post, não há a mínima referência crítica à ANA, seus Administradores e Gestores, que se limitam a implementar com profissionalismo e competência as regras que o Poder Politico impõe.

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