O Algarve às Sextas (2011.12.23)
Conhecer o Passado Para Poder Observar o Futuro

A economia e sociedade do Algarve atravessam uma crise profunda, violenta e duradoura. A maioria dos algarvios nunca conheceu um presente tão duro e um futuro tão incerto. Temos de conhecer de onde vimos, para sabermos para onde queremos ir e como podemos influenciar o percurso a fazer e o destino a escolher.
À Sexta Feira, pode acompanhar-nos neste percurso.

→ Agricultura
Em 1951, 67% da superfície do Algarve é ocupada por uma Agricultura de Sequeiro, que se estende “indiscriminadamente até sobre terrenos naturalmente pobres (quanto a humidade, quanto a substâncias nutritivas, quanto a elementos orgânicos) e inaptos pela sua estrutura física, topografia e clima”.
Conhecemos a realidade desta Agricultura, em 1952:
  • das 38.014 Explorações Agrícolas do Algarve,  só 21 não são familiares ou individuais,
  • apenas 29% ocupam um todo contínuo e 63% têm entre 2 e 10 parcelas dispersas,
  • 8.540 são trabalhadas a mão de homem e, em 29.424, o homem só tem apoio animal – a mecanização não existe e o arado de madeira ainda é utilizado
  • 95% das explorações têm culturas arvenses, mas 70% tem menos de 5 hectares, das quais 18% menos de um hectare – áreas incompatíveis com a rentabilidade da cultura arvense.
A situação é particularmente grave na Serra (2/3 da superfície do Algarve) pela geologia, orografia, regime de chuvas e degradação do solo.

→ Industria
  Em 1957,
  • a Indústria do Algarve representa 1.801 estabelecimentos e ocupa 19.645 operários,
  • destes, 10.362 trabalham no “Enlatamento e conservação de peixe e de outros produtos do mar” e 85% são mulheres,
  • 98% dos operários a trabalhar nas Conservas de Peixe são remunerados “ao dia e à semana”  e sujeitos “à irregularidade das boas ou más pescas.”
  • há 2.470 operários na Industria da Cortiça, mas as mulheres são apenas 27% do total.
A par destas unidades industriais, há uma miríade de indústrias artesanais, para consumo local.

→ População
Em 1960,
  • 60% da População com sete e mais anos “não sabe ler” ou sabe, mas “sem possuir nem frequentar um grau de ensino”,
  • 74.665 residentes têm “curso ou ensino” primário, então de quatro anos
  • em todo o Algarve, há 757 residentes com “ensino ou curso superior” e 5.099 secundário,
  • dos 126 mil activos, 5 mil têm entre 10 e 14 anos, 12 mil entre 15 e 19 anos e 11 mil mais de 65 anos.
Se o Algarve, com este capital humano, tivesse sido objecto do que, anos mais tarde, se designa por política de “desenvolvimento dos recursos endógenos”, que nível de desenvolvimento económico e social teria atingido?

→ A Destruição da Economia e Sociedade do Algarve Tradicional
Em 1950, depois de duas décadas de dificuldades à emigração, a população do Algarve atinge o seu máximo: 328 mil habitantes.
A partir da década de 1950, tem início a versão Algarve de processos que se alargam a quase todo o País:
  • abandono da actividade agrícola na Serra e terrenos marginais, que não podem alimentar quem deles tem que viver,
  • o alargar do êxodo rural e agrícola à destruição das frágeis estruturas da industria, sobretudo a artesanal,
  • a possibilidade de trabalho na área urbana de Lisboa abre a imigração interna – na década de 1950 com um saldo fisiológico de 21 mil humanos, o Algarve perde 14 mil habitantes.
Este processo acentua-se, a partir de 1960, apesar do início do Turismo e Construção Civil
  • na década de 1960, com saldo fisiológico positivo de 11 mil humanos, a população diminui de 46 mil habitantes – é o tempo da emigração para França,
  • entre 1970 e Março de 1972, “7581 pessoas mostraram interesse em emigrar”.
É com base nestes números que, em 1988, Nuno Nazareth afirma
  • “Se esta região estivesse unicamente dependente da sua dinâmica natural, tenderia a perder progressivamente população, como consequência do acentuado declínio da sua fecundidade. Até ao ano 2000 perderia cerca de 90.000 habitantes”.

→ A Dupla Mutação: no Turismo e na Economia Regional
A partir de 1962/1963, quando começa o boom do turismo,
  • o processo de destruição da economia tradicional do Algarve já tem a sua dinâmica própria,
  • o novo Turismo do Algarve é um mutante na pacata realidade do Turismo Português,
  • tem lugar uma mutação na Economia do Baixo Algarve, que vai ser marcada pela sua Especialização.
Destruição da economia tradicional e mutação no turismo são processos independentes, porque cada um existe sem o outro, mas interligados, porque conhecem sinergias e conflitos.
A mutação da Economia do Baixo Algarve, com a sua especialização, resulta dos dois processos anteriores.
No conjunto, estes processos criam uma dinâmica nova: a imigração compensa saldos fisiológicos negativos e a população aumenta.

→ E o Futuro?
O leitor tem pressa em conhecer o Futuro? Se assim é, ou se acalma ou não nos acompanha. Antes de fazer sínteses, há que analisar. Deixamo-lo com uma citação de Joel Serrão:
“A verdade, a triste verdade, é que não possuímos ainda uma história social do século passado [o XIX], ou sequer monografias especiais sobre as classes e os grupos deste período. Ora, como é evidente, a síntese não é possível onde a análise mal principiou.” (Joel Serrão, Temas Oitocentista, Volume II, p.233).

Sérgio Palma Brito





Referências
  • Comissão de Planeamento da Região Sul (1972) Trabalhos Preparatórios do IV Plano de Fomento: Relatório de Propostas para a Sub-Região do Algarve.
  • Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (1963) Plano Regional do Algarve: Inquérito.
  • Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (1964) Planeamento Urbanístico da Região do Algarve – “Esboceto” e Orientação Geral, Relatório do Gabinete Técnico do Plano Regional do Algarve.
  • Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização - Luigi Dodi (1966) Anteplano Regional do Algarve, Milão, tradução portuguesa, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1952) Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente, vol. I, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1955) Arrolamento Geral de Gado e Animais de Capoeira, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1957) Inquérito Industrial – Distrito de Faro.
  • Instituto Nacional de Estatística (1960) X Recenseamento Geral da População, Tomo III, vol. 2º, Lisboa
  • Instituto Nacional de Estatística (1960) X Recenseamento Geral da População – Condições perante o trabalho e meio de vida, Tomo V, vol. 2º, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1960) Estatística Industrial, Lisboa.
  • Nazareth, J. Manuel (1988) Unidade e Diversidade da Demografia Portuguesa no Final do Século XX, Portugal: os próximos 20 anos, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

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