A brusca travagem de crescimento do “turismo hoteleiro” (sic) e o Professor Catedrático


No Expresso de 23 de Junho de 2018 (aqui), João Duque volta a ser vítima da síndrome que afeta muitas pessoas qualificadas, na ocorrência um Professor Catedrático, quando se pronunciam sobre turismo: a sua capacidade intelectual entrega-nos opinião degradada. Está longe de ser o único, mas convém evitar.

Um professor catedrático escreve sobre a Indústria da Hotelaria, no sentido que Micael Porter dá a Indústria. Não fez, nem sequer iniciou uma Análise Estratégica desta indústria. Limita-se a vista rápida dos números do INE referentes aos quatro primeiros meses do ano, sem se interrogar se os podemos extrapolar para o ano (sazonalidade etc.). Pior, fala de um “turismo hoteleiro”, que seria monolítico e não variado em competitividade de empresas e destinos regionais ou sub-regionais.

Desta leitura rudimentar sai síntese: “o turismo hoteleiro parece estar em brusca travagem de crescimento. Isso levanta sérias precauções ao nível da rentabilidade do investimento, do financiamento e do licenciamento de novas unidades. E tendo em conta o peso da hotelaria no turismo e deste no PIB português um abrandamento do seu crescimento terá um impacto sensível no abrandamento do crescimento da economia de Portugal.”.

João Duque, esquece o sábio conselho de Joel Serrão: "Ora, como é evidente, a síntese não é possível onde a análise mal principiou" – com base na da sua leitura rudimentar de números parcelares, não há síntese possível. Comete o erro do inspetor Sachetti da PIDE quando, na véspera da deportação para S. Tomé, diz a Mário Soares: “A sua carreira política acabou para sempre” – confunde uma queda conjuntural num processo ascendente de longo prazo.

Por agora, mostramos apenas a evolução dos Proveitos da Indústria da Hotelaria entre 1996/2017, a preços variáveis e em valor e taxa de crescimento anual (gráficos 1 e 2). Neste período, há dois ciclos de crescimento. 

-primeiro, o ‘efeito Expo’: crescimento atípico em 1998, estabilidade e não queda em 1999 e crescimento a partir de novo patamar, apenas interrompido pelos anos maus do início do milénio,

-depois, o ‘efeito low cost’ com início de novo ciclo de crescimento a partir de 2004, apenas interrompido pela Crise de 2008/09. 

Se recuássemos a 1980, teríamos um ciclo de crescimento com base no Package Holiday do Algarve.

Em 2016 e 2017, os Proveitos da Hotelaria crescem à taxa anual de 17%. Não é muito frequente ter taxas destas em indústria madura a vender essencialmente num mercado maduro (a Europa). Fora queda conjuntural, é certo que esta taxa de crescimento vai baixar.



Fonte: Elaboração própria com base em Estatísticas do Turismo


Gráfico 2 – Proveitos da Hotelaria - Taxa de Variação Anual


Fonte: Elaboração própria com base em Estatísticas do Turismo

*Receita de Viagens e Turismo e economia a abrandar

Por fim, a frase “abrandamento do seu crescimento terá um impacto sensível no abrandamento do crescimento da economia de Portugal” aplica-se ainda mais à Receita de Viagens e Turismo da Balança de Pagamentos que envolve todos os não residentes em deslocação turística a Portugal.

Vejamos o seu extraordinário crescimento anual em valor (€2.473milhões em 2017) que é mesmo capaz de descer já em 2018, mas crescendo – gráfico 3. Já agora, quanto é que estes €2.473milhões contribuem para o crescimento do PIB em 2017?

Gráfico 3 – Evolução da Receita de Viagens e Turismo em €milhões


Fonte: Elaboração própria com base em Banco de Portugal BPStat

Gráfico 4 – Receita de Viagens e Turismo – variação anual


Fonte: Elaboração própria com base em Banco de Portugal BPStat



A Bem da Nação

Lisboa 23 de Julho de 2018

Sérgio Palma Brito

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