Privatização da TAP – Miguel Sousa Tavares em Dupond e Dupont com Pires de Lima

Em recente comentário na SIC, Miguel Sousa Tavares ataca a privatização da TAP, mas comete um erro grosseiro que o faz comparsa do ministro da Economia António Pires de Lima numa improvável encenação de Dupond e Dupont.

Neste post não nos interessa que um comentador no topo da opinião pública nacional desça a este nível. Apenas analisamos o erro de MST por ser magnífico exemplo da falta de preparação de muitas intervenções sobre a privatização da TAP.

Síntese do post

Miguel Sousa Tavares e o ministro da Economia, apesar das suas responsabilidades e quais Dupond e Dupont, ignoram que

-o governo não subsidia voos para a Madeira e Açores,

-a TAP não opera voos políticos que custam dinheiro ao governo português,
-Obrigações de Serviço Público são escrutinadas pela Comissão e operadas pela companhia que ganhe o concurso público.
Mais concretamente,

-as OSP foram suprimidas na Madeira (2008) e Açores (2015) com a liberalização das rotas,

-a TAP cancelou a rota de Bissau por não ser rentável e é operada pela Euroatlantic Airways com base em modelo de negócio mais flexível.

Podemos concluir que há falta de seriedade profissional e política na base de referências a Obrigações de Serviço Público ou rotas como a de Bissau, pelo governo, oposição e muita da opinião pública.


1.Delarações e erro de MST mais Pires de Lima em Dupond e Dupont

*Declarações de Miguel Sousa Tavares
No seu comentário semanal na SIC (1), MST critica a privatização da TAP. Em apoio da sua posição, formula duas perguntas e dá a resposta:

-“vai o governo subsidiar os voos para as ilhas?

-vai a TAP manter os voos políticos que custam dinheiro ao governo português, Guiné, STP, Venezuela, etc. e com prejuízo?

-não vai, eu não estou a ver o investidor privado dizer ‘pois eu estou muito sensível para os interesses da política externa portuguesa, portanto e vou perder dinheiro voando para a Guiné Bissau’.”.

*O inaceitável erro de Miguel Sousa Tavares

A realidade é simples. Salvo as raras excepções previstas, regras da União Europeia impedem o governo de subsidiar

-os voos para as ilhas ou para qualquer outro destino,

-a TAP para operar voos políticos e com prejuízo e que custam dinheiro.

Se MST fizer as perguntas ao investidor privado da TAP, o homem fica basbaque com a ignorância revelada pelo nosso comentador e responderá tudo menos o que MST afirma que ele dirá.

Com efeito,

-desde 1993, a TAP é uma transportadora aérea europeia, sujeita às regras da concorrência da União Europeia,

-desde 1994, o auxílio do estado à TAP, sob qualquer forma que for, está muito condicionado pela União Europeia,

-Obrigações de Serviço Público são operadas por companhia escolhida por concurso público e em rotas que satisfaçam critérios rigorosos (2).

Na realidade,

-já não há Obrigações de Serviço Público nas rotas entre o Continente r Madeira/Açores,  

-a única Compensação financeira atribuída a transportadora aérea é … a da rota Porto Santo / Funchal / Porto Santo (3).

*O inesperado Dupond e Dupont

Nunca esperámos ver a cena Dupond e Dupont representada por dois parceiros tão improváveis como MST e o coloquial ministro da Economia, António Pires de Lima de sua graça. Recordamos declarações do nosso ministro.

A 14 de Novembro, o site do CDS informa:

-“Pires de Lima garante que o futuro comprador tem de continuar a assegurar um serviço público aos portugueses e às comunidades lusófonas” (aqui).

A Lusa dá mais informação sobre as declarações do ministro:

-"Em qualquer caso serão sempre garantidas obrigações de serviço público. Voos para a Guiné? Claro que o futuro accionista da TAP tem que garantir. Voos para os Açores e para a Madeira? Claro que o futuro accionista da TAP tem que garantir. Voos para as comunidades lusófonas? Faz parte do caderno de encargos",

"São condições que nós protegeremos de uma forma reforçada enquanto tivermos 34% do capital e que protegeremos de outra forma se deixarmos de estar no capital, se isso eventualmente vier a acontecer" (aqui).




2.Obrigações de Serviço Público nas rotas Madeira/Açores

*Disposições legais e falta de seriedade profissional e política

Entre outros, as Obrigações de Serviço Público são definidas em três artigos de Regulamento da União Europeia (4):

-o dos Princípios gerais aplicáveis às obrigações de serviço público (Artigo 16º),

-o do Procedimento de concurso público para as obrigações de serviço público (Artigo 17º),

-o da Análise das obrigações de serviço público (Artigo 18º).

A ignorância destas disposições  

-situa a falta de seriedade profissional e política de quase todas as referências a Obrigações de Serviço Público pelo governo, oposição e muita da opinião pública.

A descrição que segue da realidade destas Obrigações reforça estas duras mas merecidas palavras.

*Região Autónoma da Madeira

No caso das ligações entre o Continente e a Região Autónoma da Madeira, em 2008 o governo de maioria absoluta do PS

-considera que “a liberalização do mercado do transporte aéreo para a Região Autónoma da Madeira pode trazer benefícios ao nível das tarifas a praticar, tendo em conta a actuação das regras da concorrência num mercado aberto a todos os operadores”  

-entende “pôr termo à imposição de obrigações de serviço público para a Região Autónoma da Madeira, designadamente em matéria de fixação de tarifas”,

-aguarda que “as regras de funcionamento de mercado permitam, a curto prazo, uma redução dos preços praticados para aquela Região e consequentemente um aumento do número de passageiros, com um incremento significativo ao nível do turismo.” (5).

Em síntese,

-desde 2008, não há Obrigações de Serviço Público nas ligações entre o Continente e a Região Autónoma da Madeira.

*Região Autónoma dos Açores

Em 1 de Março de 2008, o título do Correio dos Açores de teria chocado os nossos Dupond e Dupont:



A posição da TAP ainda mais os chocaria:

-“Tendo em conta as condições que as transportadoras aéreas terão que cumprir nas obrigações de serviço público entre o continente, Açores e Madeira a partir de 30 de Março, a TAP está a avaliar se vai ou não continuar com a operação que nos últimos dois anos tem assegurado em regime de code-share com a SATA Internacional.

Caso a TAP decida não concorrer, tudo indica que será a SATA a assegurar, em exclusivo, as ligações aéreas inter-ilhas e para o exterior do arquipélago, pelo menos até à existência de um regime de liberalização como vai acontecer já este ano na Madeira.” (6).

No virar de 2014/2015, tudo muda e para melhor:

-é definido o Regime de obrigações de serviço público e de subsídio de auxílio social de mobilidade,

-são suprimidas as obrigações de serviço público aos serviços aéreos regulares nas rotas Lisboa/Ponta Delgada/Lisboa, Lisboa/Terceira/Lisboa, Porto/Ponta Delgada/Porto e Porto/Terceira/Porto (7).

É do conhecimento público que a liberalização destas rotas se traduziu em

-dois novos operadores (Easyjet e Ryanair), preços mais baixos em mais rotas e mais viajantes, com aumento do turismo,

-TAP e SATA obrigadas a baixar os preços pela pressão competitiva de Easyjet e Ryanair.

Em síntese,

-desde 2015, não há Obrigações de Serviço Público nas ligações entre o Continente e a Região Autónoma dos Açores,

-oferta diversificada e baixa de preços fazem aumentar o tráfego aéreo e o turismo.

3.A estranha fixação pela rota de Bissau

A rota Lisboa-Bissau virou ícone de quem defende o ‘serviço publico’ a que a TAP estaria obrigada, mesmo perdendo dinheiro (8). A realidade vai surpreender o leitor menos atento às misérias do País. 

Em 9 de Dezembro de 2014, o CEO Fernando Pinto conta como as coisas são e de uma assentada desmente o ministro e responde a MST:

-os voos da TAP Lisboa/Bissau suspensos desde Dezembro de 2013, não são retomados, apesar de já ter "a garantia das autoridades que as condições de segurança estão reunidas".

E porque não são retomados?

-"A razão principal é mercado mesmo. Chegámos a fazer uma pesquisa para ver como estavam as possibilidades, mas temos uma procura muito baixa do mercado".

Fernando Pinto adianta que, quando a TAP suspendeu a operação, "outras empresas" assumiram a sua posição e, por isso, houve "uma queda muito forte da procura" e finaliza:

"Então vimos que não era ainda possível retornar ao mercado. No início do próximo ano tem que ser muito bem analisada para ver se a rota vale a pena", acrescentou.

As ligações Lisboa-Bissau estão a ser asseguradas pela Euroatlantic Airways (companhia aérea do Grupo Pestana e Tomaz Metello), que opera em modelo de negócio mais flexível do que o da TAP.

O Expresso online de 30 de Outubro de 2014 é claro:



Em síntese,

-a TAP suspendeu a rota Lisboa-Bissau por não ser rentável e há outra que companhia aérea de capital português que a opera.

A rota Lisboa-Bissau ilustra uma realidade simples e a ser escamoteada:

-há acessibilidade aérea a Portugal para além da TAP, assegurada por companhia aérea portuguesa (post).

Mas esta é outra história.



A Bem da Nação

Lisboa 22 de Junho de 2015

Sérgio Palma Brito


Notas
(2)Poupamos os leitores à listagem dos documentos de apoio a estas afirmações que são do conhecimento corrente. Vão ser descritos num post sobre A regulação internacional do transporte aéreo em Portugal (em preparação).
(3)Ver Comunicação da Comissão (2013/C 353/05), de 3 de Setembro e site da ANAC http://www.anac.pt/vPT/Generico/RegEconomica/ObrigacoesServicoPublico/Paginas/ObrigacoesdeServicoPublico.aspx
(4)O texto deste item é justificado no post “Privatização da TAP – quando a realidade do mercado contraria o equívoco politico” (aqui), de que retemos o essencial. Ver Regulamento (CE) nº 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de Setembro de 2008 relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (reformulação). No site do INAC, o leitor mais curioso pode ir directamente a Obrigações de Serviço Público (aqui).
(5)Ver Decreto-Lei n.º 66/2008, de 9 de Abril (aqui) e Portaria n.º 316-A/2008 de 23 de Abril (aqui).
(6)Ver o Correio dos Açores de 1 de Março de 2008. O link já não está operacional:
(7)Ver site da ANAC na NOTA (2).
(8)O texto deste item é justificado no post “Privatização da TAP – quando a realidade do mercado contraria o equívoco politico” (aqui), de que retemos o essencial. Entrevista de Fernando Pinto ao jornal i de 9 de Dezembro de 2014.


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