Entrevista de Luiz da Gama Mór, Administrador do Grupo TAP ao Publituris – Comentários


O Eng.º Luiz da Gama Mór, Vogal do Conselho de Administração Executivo da TAP, SGPS, SA, deu uma entrevista ao Publituris (1).

Algumas das declarações exigem comentário e devem ser compreendidas num duplo contexto:

-o do Período da Gestão Profissional do Grupo TAP (de 2001 à Actualidade), na já longa vida da empresa, de Salazar à actualidade,

-o do tempo que segue à frustrada ‘privatização Efromovitch” e suas sequelas.

É disto que se ocupa o presente post.

 

1.O Duplo Contexto da Entrevista

*Período da Gestão Profissional do Grupo TAP – De 2001 à Actualidade
A TAP começa por ser a companhia aérea nacional de um dos países mais pobres da Europa (2). Escapa a medíocre destino graças ao tráfego de longo curso gerado pela Guerra Colonial e, acessoriamente, pelo desenvolvimento do Turismo em Portugal. Em 24 de Abril de 1974 é uma rentável e de futuro aparentemente promissor.

Perdido o tráfego colonial, a TAP é ‘salva’ da falência pela Nacionalização em 1975. Não há bela sem senão:

-o Estado Accionista cria o mito da Transportadora Aérea Nacional, apoia a empresa política e financeiramente, mas bloqueia a adaptação da TAP ao mercado e assim contribui para comprometer o seu futuro.

Neste bloqueio tem a ajuda dos sindicatos e da opinião pública mainstream.

A inadaptação ao mercado e a irresponsabilidade do Estado Accionista e Gestor põem a TAP em rota de falência. Em 1994, a falência só é evitada pelo importante apoio público do Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), que entre outras medidas,

-inclui, em valores actuais, cerca de € 2.7 mil milhões de aumento de capital e cerca de €2.4 mil milhões de garantias a empréstimos.

Este apoio é acompanhado de uma condição imposta pela Comissão das Comunidades Europeias

que tudo muda:

-“Portugal se abstenha de conceder mais auxílios à TAP” (3).

No ano de 1994, morre a «Transportadora Aérea Nacional», mas não morre o mito: pessoas responsáveis continuam a apelar para que a TAP preste serviços como se fosse um Serviço Público.

Após 2/3 anos de resultados marginalmente positivos, a TAP volta à rota da falência: Estado, Sindicato e Opinião Pública não esquecem os «velhos tempos» e não aprendem a actuar nos «novos».

A frustrada Privatização da TAP ligada ao SAirgroup tem efeito colateral fundamental para o futuro:

-a partir de 2001, e pela primeira vez desde o 25 de Abril, a TAP tem uma Gestão Profissional, com a equipa de Fernando Pinto, na qual Luís Mor assume a responsabilidade do Marketing & Vendas.

A viabilidade da TAP depende de uma operação de longo curso rentável. É assim com a Guerra Colonial, vai ser assim com gestão profissional e inovação:

-a partir de Vantagens Comparativas do Aeroporto de Lisboa, construir Vantagens Competitivas, pela criação de um Hub Intercontinental,

-tirar partido de dois mercados emergentes: Brasil e Angola.

Este é o enquadramento da entrevista no longo prazo.

*Quando «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão»
A Privatização da TAP é a consequência lógica do modelo de Transporte Aéreo da União Europeia e do pobre historial do Estado Português como Accionista e Gestor. Por outro lado, a Privatização tem forte oposição de Sindicatos, Opinião Pública e largos sectores do Sistema Politico.

Recordamos os antecedentes imediatos:

-o sucesso da Gestão Profissional aconselhava uma Privatização por volta de 2006/2007, mas ‘impossível’ em tempos de relativa fartura,

-em 2008, o preço do combustível dispara, começa a Crise de 2008/2009 e o Resultado Líquido do Período Consolidado do Grupo TAP é negativo em € 288 milhões,

-em 2010 e já em stress, o Governo do Partido Socialista lança a ideia, mais do que o projecto, de privatizar a TAP (4),

-em 2011, o Memorando de Entendimento prevê a privatização da TAP até ao final do ano, um prazo tão irrealista como o de ajustar a Economia de Portugal em três anos.

Em devido tempo, analisámos o processo da Privatização de 2012, o anticlímax que o culmina e o estranho tempo que a empresa começou a viver:

-Privatização da TAP (II) – O Sucesso da TAP no Futuro (Post)

-Privatização da TAP (III) – A Prioridade a Recuperar (Post)

-Privatização da TAP (IV) – Comentário sobre notícias recentes (Post)

Este é o tempo em que «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão». Neste contexto algo deprimente, a entrevista de LGM evidencia uma dinâmica de gestão que é justo reconhecer e apoiar, sobretudo quando anuncia que 2014

-“vai ser um ano muito importante porque é de crescimento da oferta. Vamos ter novos aviões e destinos.”.

O estranho tempo que a empresa começou a viver é o enquadramento da entrevista no curto prazo.

*Luiz da Gama Mór
O ano de 2001 é o primeiro da Gestão Profissional da TAP. Não é um processo pacífico. Durante a presidência de Cardoso e Cunha (2003/2004), a Gestão Profissional está à beira de ser substituída pelo «políticos do costume».

A Gestão Profissional não é o único efeito colateral positivo da privatização frustrada com a SAirgroup. O outro é uma útil coincidência:

-os gestores vêm do Brasil e conhecem muito bem o mercado que está na base do turnaround da TAP – podiam ser canadianos ou ter outra origem, mas ser do Brasil ajuda e muito.

Luiz da Gama Mór é o elemento virado para o Mercado e o mais directo responsável por assegurar o sucesso das vendas, condição necessária ao sucesso da TAP.

Chegamos assim à entrevista de Luiz da Gama Mór ao Publituris. É uma entrevista focada no mercado actual da TAP, mas que exige ser integrada nos tempos da Gestão Profissional e nos de «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão» neste estranho tempo que a empresa começou a viver.

 
2.Declarações ao Publituris

*Diferença Entre Lisboa, Porto e Faro
LGM reconhece a diferença entre Lisboa, Porto e Faro:

-“Em Portugal, os números significam coisas muito diferentes dos totais, porque os tipos de tráfego são muito diferentes em Lisboa, Porto e Faro.”.

Do ponto de vista da TAP, a diferença assenta em

-a suficiência do Aeroporto de Lisboa e o aumento das Taxas Aeroportuárias,

-a ligação de Faro a Lisboa é crucial na época baixa, mas impossível em voos ponto a ponto “pela dificuldade do tipo de tráfego no aeroporto, não é o perfil da TAP”,

-no Porto há a Ryanair e os subsídios de que beneficia: “Não só pelo aeroporto que não deve cobrar nada, como recebe dinheiro do turismo”.

Na realidade a diferença entre Lisboa, Porto e Faro é

-mais importante e diversificada, pois tem a ver, entre outros, com o tipo de viagem (Estadia ou Tour Urbano e Cultural), demografia e estilo de visa, Distribuição,

-um dos aspectos da Politica de Turismo diferente, que esperamos do actual Governo.  

Talvez sem querer, LGM vem reforçar os argumentos dos que defendem ser dever da Politica e Serviços de Turismo integrar esta diferença e não a amalgamar numa errada visão nacional do Turismo em Portugal (5).

*Ryanair e Easyjet no Porto e Lisboa
Os tempos mudam. Durante anos, a TAP beneficia de apoios financeiros públicos e de protecção nada transparente da Aeronáutica Civil e Governo. Depois da desregulação do Transporte Aéreo no espaço da União Europeia (1993), é a TAP que se queixa:

-“O Porto não pode querer um aumento de tráfego através de outras empresas se mantiver um desequilíbrio competitivo tão acentuado. Não podemos operar no Porto a pagar o que pagamos e, ao mesmo tempo, com a Ryanair a não pagar nada e a receber dinheiro. São condições competitivas que não se sustentam.”.

-“O problema destas coisas é que não são transparentes. Tanto o apoio via Iniciative.pt, quanto os apoios que a ANA dá de forma directa ou indirecta, utilizando a Portway, não são transparentes e isso preocupa-me, nomeadamente de trazer práticas anti competitivas maiores para o Aeroporto de Lisboa.”.

Luiz Gama Mór

-tem razão na crítica à falta de transparência na atribuição de incentivos a Ryanair e Easyjet e é bom que se junte aos que pedem uma grande alteração no secretismo excessivo do modelo do Iniciative.pt,

-não menciona o facto de só as duas companhias em causa(Ryanair e Easyjet)  se poderem comprometer a aumentar o tráfego dos aeroportos como aumentaram – a TAP poderia beneficiar das mesmas condições se gerasse esse volume de tráfego novo.

Seria excelente se este patamar de discussão pudesse ser elevado, mas tal depende de Governo, Turismo de Portugal e ANA Vinci alterarem aspectos cruciais da relação criada desde há anos.

*Ponto a Ponto Intra-europeu
Há duas afirmações que exigem atenção:

-“a esmagadora maioria dos nossos voos é ponto a ponto e intra-europeu. E isso não é algo que as pessoas tenham claro.”.

-“Na Europa, passa por aumentar a nossa presença nos mercados tradicionais, que sempre foi a nossa primeira preocupação, mais destinos e cidades por país. E aqui estou a falar no bloco Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e Itália.”. Só depois surge a Escandinávia e o Leste.”.

Reside aqui um risco para a TAP:

-o ponto a ponto intra-europeu e os principais mercados são o espaço por excelência de Ryanir e Easyjet, a ponto de criarem problemas a IAG, Lufthansa e Air France/KLM – Vueling, Germanwings e, até certo ponto, Transavia são uma parte da resposta destas companhias,

-neste importante segmento geográfico do seu mercado, a TAP está exposta a uma concorrência cuja diferença vai muito além dos subsídios e da falta de transparência do Iniciative.pt.

-a perspectiva de crescimento da Economia da Europa não é animadora, numa avaliação generosa.

*”A nossa China e Rússia chamam-se Brasil”
O Brasil representa 14% dos Passageiros e 34% da Receita. Assim,

-“o peso do Brasil para a TAP é diferente do peso para o Turismo, apesar de hoje em dia este mercado estar com um peso imenso e é capaz de ser o que mais vai crescer nos próximos tempos.”.

-“Os outros países europeus sonham em ter o que temos no Brasil, portanto vamos aproveitar.”.

Os números já confirmam que o Brasil é o Mercado Emissor para Portugal que verdadeiramente depende da TAP. Quantos anos faltam até que China ou India tenham a posição, relativamente modesta, que o Japão tem hoje? Sem “ser contra” qualquer mercado emissor que seja, há que definir prioridades e reforçar parcerias para tirar mais e melhor partido do Mercado Emissor do Brasil.

Declarações recentes do Secretário de Estado do Turismo vão no mesmo sentido, o que é excelente.

*Rússia
No Mercado Emissor da Rússia, Portugal ficou atrás de não sei quantos destinos europeus, apesar da ‘promoção’ feita e de “apoio à rota de Moscovo”. A novidade é o compromisso do actual Governo em alterar o sistema de vistos, mas não vimos o Governo fixar um objectivo claro:

-dentro de seis meses, será mais fácil obter um visto para Portugal do que para outros País Schengen.

LGM confirma que a ligação à Rússia está limitada pelo Acordo Bilateral entre os dois países e por a sua renegociação ser agora feita a nível da União Europeia. Esta afirmação tem um corolário:

-para Portugal ter turistas da Rússia, o transporte aéreo será assegurado por companhia aérea russa, muito provavelmente companhias charter de package holiday.

*Venda Directa e Agências Online
Na TAP, Venda Directa é sinónimo de Venda Online.

-“a venda directa está disponível em 23 idiomas diferentes. No acumulado a Outubro deste ano crescemos 16.7%, sendo os mercado que mais crescem o Brasil, França e Suíça

-“De um modo geral, os maiores crescimentos que temos nos principais mercados da Europa são nestas agências online”.

A conclusão de “A utilização da Internet é irreversível” tem a ver com Venda Directa e Intermediação Online. Sobre este tema ver o Post ‘Agências de Viagens e Distribuição de Transporte Aéreo e Hotelaria’.

*Crescimento da Oferta em 2014
A afirmação final é importante em si e por vir de um gestor num tempo em que «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão»:

-“vai ser um ano muito importante porque é de crescimento da oferta. Vamos ter novos aviões e destinos.”.

O que não seria com um accionista responsável e não incapacitado?

 
A Bem da Nação

Albufeira 9 de Dezembro de 2013

Sérgio Palma Brito

 
Notas
(1)Ver o CV de Luiz Gama Mór no Relatório do Grupo TAP referente a 2008.

(2)Ver o Post Privatização da TAP Air Portugal (I) - de Salazar à Actualidade
http://sergiopalmabrito.blogspot.pt/2012/09/tap-air-portugal-compreender-uma.html

(3)Ver o detalhe na alínea b) do ponto 1.2.2. do Documento.

(4)Ver o detalhe na alínea b) do ponto 2.2.2. do Documento.

(5)Ver alínea a) do Documento.

 

Agências de Viagens e Distribuição de Transporte Aéreo e Hotelaria


*Relação Entre Agências de Viagens Companhias Aéreas e Hotéis   
No recente Congresso da APAVT, o Presidente Pedro Costa Ferreira abordou o aspecto mais material da relação Entre Agências de Viagens Companhias Aéreas e Hotéis: as comissões que estes pagam aquelas.

Sobre este tema, dispomos de uma síntese das suas declarações (1):

-“Companhias aéreas e hotelaria estão “enganados” quando ‘contabilizam’ as comissões pagas às agências de viagens como “um custo adicional”, porque, na realidade, são as agências que lhes propiciam receita ao fornecer-lhes clientes”,

-“É exactamente o contrário [de um custo adicional], caros parceiros de negócio”, frisou Pedro Costa Ferreira, reclamando que as comissões que pagam aos agentes de viagens são “para terem acesso a clientes e, por conseguinte, para terem acesso a uma margem”.

Estas afirmações devem ser lidas no contexto da evolução

-do Mercado Europeu da Viagem de Lazer, e

-da Procura no Mercado do Turismo Emissor a partir de Portugal.

*Tendência Para a Desintermediação no Mercado Europeu da Viagem de Lazer
A tendência para a Desintermediação nas vendas das Companhias Aéreas e Hotéis é uma tendência identificada desde pelo menos 2006:

-“Crescente desintermediação na distribuição de produtos turísticos como consequência da maior informação sobre operadores e destinos e do aparecimento do conceito best fare.” (2).

Este tema foi abordado em Post recente e a ele voltaremos quando os números de 2013 estiverem disponíveis. O Gráfico 1 ilustra a evolução 2009/2011 da repartição das vendas do mercado das viagens de lazer nos países do TOP 10 da Thomas Cook (3).

Gráfico 1 – Mercado das Viagens de Lazer nos Países do TOP 10 da Thomas Cook
(mil milhões de Libras)
 

Fonte: Elaboração própria com base em Thomas Cook Group, plc, Annual Reports &   Accounts, com base em Euromonitor

Com base nestes números:

-o valor das vendas da Intermediação cai ligeiramente, mas o da Venda Directa cresce significativamente.

*Facturação das Agências de Viagens e Operadores Turísticos
Começamos pelos números (4). Em 2012

-o volume de negócios das agências de viagens situou-se nos € 1510 milhões, uma descida de cerca de 10% face a 2011,

-a facturação dos grossistas de viagens, diminuiu aproximadamente 12%, situando-se nos € 350 milhões.

Em boa teoria, os 350 milhões estão incluídos nos 1.510 milhões do volume de negócios das agências de viagens.
 
Em 2013, os indicadores correspondentes mostram uma descida da procura prolongada. As previsões para o final do ano são:

-as receitas das agências de viagens sejam de € 1400 milhões, menos 7% do que em 2012,

-os operadores turísticos registarão uma quebra de 8%, correspondente a um montante de € 280 milhões.

Esta diminuição das vendas resulta de duas tendências e não dispomos de informação sobre o efeito de cada uma:

-“O aumento do desemprego e a contracção da despesa das famílias e das empresas são responsáveis pela redução substancial do orçamento destinado a viagens. Constata-se uma orientação crescente da procura para destinos de menor custo e mais próximo, assim como para estadas mais curtas.

-Para além disso, o sector enfrenta uma desintermediação crescente, pelo que uma percentagem, cada vez mais alta de clientes particulares e empresariais compra directamente os bilhetes de transporte, as reservas hoteleiras e outros serviços turísticos através do site das companhias fornecedoras destes serviços.”.

*O Modelo e a Realidade
O modelo é simples e exige abordagem objectiva pelos parceiros envolvidos:

-Companhias Aéreas e Hotéis utilizam vários Canais de Distribuição e com eles criam parcerias mais ou menos sofisticadas (B2B ou B2B2C) e recorrem a critérios objectivos para escolher quais utilizam.

A intervenção do Presidente da APAVT assenta num pressuposto pouco glorioso mas porventura real:

-haver hoteleiros que ainda não têm uma noção clara sobre a escolha de Canais de Distribuição no novo Mercado Europeu da Viagem de Lazer e que são sensíveis a um apelo deste tipo, assumindo nós que as companhias aéreas estão todas acima deste patamar de gestão.

*Nota Final
No Portugal da actualidade e no do futuro de vários anos, não é fácil ser agente de viagens vocacionado para o Turismo Interno e Emissor, como acontece com a maioria das Agências de Viagens.

No Turismo Interno, está em causa

-na venda de Estadias, ser superior à Venda Directa por Hotéis e, sobretudo por ‘Booking & Similares’.

No Turismo Emissor, a concorrência agrava-se:

-para além de ‘Booking & Similares’, há argumentos novos a favor da Venda Directa por Hotéis & Alojamento Diversificado, mais Companhias Aéreas, Rent a Car ou Cruzeiros – a Internet, com tudo o que representa, altera profundamente a Distribuição dos serviços de viagens.

Terminamos com uma nota pessoal, porventura significativa. Depois de sermos cliente fiel de agências de viagens de lazer, deixámos de recorrer aos seus serviços, mesmo para viagens complicadas, porque a Internet abre a informação e a escolha a um nível que nem o nosso excelente agente de viagens consegue atingir.

Não contribuímos para a cena de “O Fim das Agências de Viagens”, porque há espaço para adaptação às novas condições do mercado e muitas saberão disso tirar partido. E também porque já desde há muitos anos que ouvimos o anúncio, claramente prematuro, da morte das Agências de Viagens.

A Bem da Nação

Albufeira 8 de Dezembro de 2013

Sérgio Palma Brito

Notas
(1)Ver Presstur ‘Agências de viagens reclamam estatuto de fonte de receitas para aviação e hotelaria’ http://www.presstur.com/site/news.asp?news=45209

(2)Roland Berger, Strategy Consultants, Construir o futuro do sector do turismo em Portugal, Lisboa 2 de Novembro de 2006, Encontro Thinknomics06.

(3)O leitor mais atento percebe que temos acesso aos números do Euromonitor a partir dos Relatórios da Thomas Cook e não directamente.

(4)Ver ‘Blog Informa D&B - Informação sobre empresas portuguesas’, com base em DBK ‘Operadores Turísticos e Agências de Viagens’


Nova Versão da Taxa Turística: o “imposto específico por dormida”


No panorama nacional devastado pela Industria do Comentário, o professor do ISEG Paulo Trigo Pereira é voz escutada e a escutar. Na página mensal que tem no Publico, defende “uma consolidação [orçamental] sobretudo do lado da receita, mas com controlo da despesa salarial e de pensões” (1).

Mais concretamente, defende:

-“Uma ideia central para uma diferente estratégia orçamental é que é necessário ‘exportar’ parte da consolidação orçamental”.

Uma das vias para esta ‘exportação’ é o turismo, “um sector que prospera, e ainda bem, em tempo de crise”.

No respeito do nosso lema de “partilhar uma maneira diferente de analisar o Viajar e o Turismo”, comentamos a proposta de Paulo Trigo Pereira.

 
*”facilmente se aplicaria um imposto especifico por dormida”

PTP começa pela envolvente competitiva:

-“Portugal tem a taxa mínima de IVA (6%) sobre as dormidas hoteleiras. Na Europa a 28, só a Holanda e a Bélgica têm a mesma taxa, sendo menor no Luxemburgo. Mesmo o “tigre celta” que defendeu com sucesso a não subida da taxa de IRC apenas reduziu de 12% para 9%.”.

Depois, passa à proposta:

-“Se houvesse vontade politica, facilmente se aplicaria um imposto especifico por dormida, que nos situasse, em termos equivalentes, abaixo dos 10% aplicados em Espanha, garantindo a competitividade com nuestros hermanos.”.

Termina com a explicação:

-“Este exemplo concreto ilustra a razão por que o turismo tem um tratamento favorável, e explica que a resistência à aplicação da exportação fiscal não é económica, mas antes deriva da captura do poder politico pelos interesses corporativos do sector.”.

 
*Estimativa da Receita Fiscal Possível

Em 2012, a Receita de Alojamento Turístico é de € 1.290 milhões. O INE não dá o detalhe por Turistas Residentes e Não Residentes, mas estes últimos representam 69% das dormidas. Com base nesta percentagem, assumimos que os Turistas Não Residentes representam uns generosos 80% da Receita de Alojamento, isto é € 1.032 milhões.

As contas ‘seriam’ fáceis: um ponto percentual representa €10 milhões de Receita Fical gerada pela ‘exportação’ de austeridade.

Dizemos ‘seriam’, porque haveria alguma

-perda de receita de dormidas, porque o mercado turístico é muito competitivo e haveria uma perda de turistas,

-perda da receita que os turistas geram fora dos estabelecimentos onde alojam – esta componente do consumo turístico é frequentemente esquecida,

-internalização parcial do imposto pelas empresas sujeitas a maior pressão competitiva, como já aconteceu com o aumento do IVA da Restauração.

Dito isto, continuamos a ser generosos: esquecemos a receita perdida fora do hotel, assumimos que não há internalização de parte do imposto e mantemos os € 10 milhões.

Como diria Gutteres, é só fazer as contas. Para nos situarmos abaixo dos 10% de Espanha , teríamos 3% de taxa suplementar do imposto (diferença entre 6% e 9%), ou seja € 30 milhões. Como dizem os franceses, pas de quoi fouetter un chat e seguramente uma receita marginal para a consolidação orçamental.

Um imposto a uma taxa superior afectaria significativamente a procura e representaria apenas algumas dezenas de milhões de euros de Receita Fiscal, mas teríamos de considerar a perda de turistas e de receita fora do estabelecimento, mais a internalização de parte do imposto pelas empresas.

 
*”captura do poder politico pelos interesses corporativos do sector”

Segundo PTP,

-“a resistência à aplicação da exportação fiscal não é económica, mas antes deriva da captura do poder politico pelos interesses corporativos do sector.”.

Desconhecemos a investigação em que PTP se baseia para fazer esta afirmação.

No caso concreto do Turismo, a captura do poder politico a que se refere PTP não impediu Sócrates de aumentar o IVA do Golfe para 23% e Pedro Passos Coelho de aumentar o IVA da Restauração para os mesmos 23%.

Com base na nossa experiência pessoal e profissional, investigação de amador e alguma reflexão, temos opinião diferente. Os “interesses corporativos do sector”, mais concretamente os da Industria da Hotelaria,

-capturam, quando muito, o limitadíssimo poder politico da Secretaria de Estado do Turismo para cozinhar a legislação sectorial e parcos apoios públicos,

-não têm, nem terão, poder para capturar o poder de decisão do Ministério das Finanças, se este entender criar o imposto que PTP propõe.

Este erro de análise pode ser uma oportunidade, como agora se diz:

-no âmbito da Cidadania Activa, PTP pode animar uma investigação (científica) sobre a natureza e dimensão da ”captura do poder político pelos interesses corporativos do sector”. A Pátria agradeceria e todos ficaríamos a conhecer melhor o que está em causa.

 
*O Equívoco de Paulo Trigo Pereira

Em Portugal, não dispomos de quantificação técnica e de base científica da Contribuição do Turismo Para a Economia por falta de Procura por parte de “governments, industries, academia and the public” (2).

Sem ofensa, PTP partilha esta falta.

Em nossa opinião, o mais importante indicador da Contribuição do Turismo Para a Economia (3) é o da Receita do Turismo na Balança de Pagamentos, na medida em que, só esta Receita exige o Investimento e cria a Procura que, de maneira sustentada, contribuem para o Emprego e PIB.

Com efeito,

-apesar da sua importância, o Turismo Interno está limitado pelo Consumo Privado e só parcialmente é ‘substituição de importações’,

-o Turismo Emissor é limitado pelo Consumo Privado, implica Despesa de Viagens e Turismo e tem contribuição residual para Emprego e PIB.

Em nossa opinião, a via para o futuro

-passa por aumentar a Receita de Turismo na Balança de Pagamentos, com consequências no Emprego e PIB e aumento indirecto da Receita Fiscal,

-não passa por criar “um imposto específico por dormida”, que se traduz não em ‘exportar austeridade’, mas sim taxar a exportação de Bens e Serviços de Turismo … que já pagam IVA à Exportação.

 
*Natureza da verdadeira da “captura do poder político pelos interesses corporativos do sector”

Os frequentadores do Blogue conhecem as nossas propostas nesta matéria, mas importa fazer uma síntese.

Primeiro – Dois Conceitos de Alojamento Turístico

Há enorme diferença na abrangência das noções de Alojamento Turístico:

-a da Relação entre o Estado e a Industria da Hotelaria confunde Turismo com “serviço hoteleiro e exploração turística” e reduz o Alojamento Turístico ao Alojamento Classificado pelo Turismo de Portugal – aqui a Secretaria de Estado do Turismo tem sido algo capturada pela Industria da Hotelaria,

-a utilizada pelo INE, de acordo com as Recomendações das Instituições Internacionais (ONU, UNWTO, OECD, UE e Eurostat) para elaborar Estatísticas e Conta Satélite do Turismo, e pelo Banco de Portugal na rubrica de Viagens e Turismo da Balança de Pagamentos – é significativo que Portugal ignore/viole estas Recomendações.

Acontece que a Politica de Turismo se concentra no Alojamento Turístico Classificado e alimenta uma Atitude Equívoca (misto de «esquecer, ignorar, hostilizar, tolerar, proibir») em relação ao Alojamento Não Classificado, mas escolhido por cerca de cinco milhões de Turistas (Post).

Segundo – Receita de Turismo na Balança de Pagamentos

Parte importante da Receita da rúbrica de Viagens e Turismo na Balança de Pagamentos resulta de Consumo Turístico destes cerca de cinco milhões de Turistas que optam por utilizar o Alojamento Turístico Não Classificado.

Além da rubrica de Viagens e Turismo, a Receita do Turismo na Balança de Pagamentos inclui:

-o “contributo para o volume das exportações nacionais” dos Transportes (temperado pelo da Despesa com Importações), com destaque para a TAP

-compra de Segundas Residências por Não Residentes e valor das Transferências para a sua Administração,

-Transferências do Exterior, para financiar a residência permanente de Reformados ex-Não Residentes (Post).

Em síntese,

-muita da Receita de Turismo na Balança de Pagamentos resulta de Não Residentes que se situam fora da relação excessiva e redutora entre Politica de Turismo e Industria da Hotelaria,

-a ‘captura’ que propomos seja investigada tem efeito colateral pernicioso: Politica de Turismo ignora actividades turísticas de importante contribuição para a Receita de Turismo na Balança de Pagamentos.

 
*Nota Final

A menos que estejamos completamente errados e/ou tenhamos interpretado mal a proposta de PTP, esta sofre de um duplo erro:

-de modelização, porque a receita gerada pelo “imposto especifico por dormida” seria sempre residual,

-de substância, porque passa ao lado da Contribuição do Turismo Receptor Para a Economia, ignorando o potencial da sua Receita na Balança de Pagamentos e, por via disso, a contribuição para o Produto, Emprego e Receita Fiscal.

Este incidente não é menor, porque parece (repetimos: parece) revelar o divórcio entre as universidades de primeira linha e o Turismo, mesmo nos rudimentos da macroeconomia.

 

A Bem da Nação

Albufeira 5 de Dezembro de 2013

Sérgio Palma Brito

 
Notas

 
(1)Publico de 1 de Dezembro de 2013.

(2)Esta lista de partes interessadas é retirada do documento Conference on Travel and Tourism Statistics, Ottawa, 1991 – a conferência na origem das Estatísticas e Conta Satélite do Turismo.


(3)Analisamos a Contribuição do Turismo Para a Economia, de maneira rudimentar e cheia de erros, em duas ocasiões:

-um longo documento de trabalho (Post),

-uma série de Posts de divulgação do Documento de Trabalho – ver Post.

Apesar dos erros e lacunas, este é um ponto de partida para uma investigação profissional.

 

Ventos de Mudança na Industria da Hotelaria em Portugal?

*A Entrevista de Jorge Rebelo de Almeida (Exame)
Jorge Rebelo de Almeida é fundador do Grupo Vila Galé e “conhecido por dizer o que pensa, consequência da ‘vantagem’ de não depender do Estado”. Entre muitas posições públicas, em Setembro de 2012 no programa de José Gomes Ferreira, “classificou a austeridade em 30 segundos” (Link).

Recentemente, Rebelo de Almeida dá uma entrevista genuína (é ele a “dizer o que pensa”) e verdadeira, nos antípodas do palavreado politicamente correcto sobre turismo ou do da Hotelaria a pedir a protecção do Estado (1).

Este post é inspirado pela entrevista e pretende ser mais um contributo para o conhecimento da transformação em curso da Industria da Hotelaria em Portugal.

*Um Liberal na Secretaria de Estado do Turismo
Adolfo Mesquita Nunes é militante do CDS - Partido Popular desde 1997, mas não o militante típico de partidos politicas (2)

Em 2007, no programa Prós e Contras sobre a legalização da interrupção da gravidez por vontade da mulher, defende o "Sim" no referendo desse ano. 

Em Fevereiro de 2012, Mesquita Nunes foi o único deputado do seu partido a votar favoravelmente a proposta de lei para permitir a adopção por casais de pessoas do mesmo sexo. 

Foi crítico do Orçamento de Estado de 2013 e signatário da carta que o CDS - PP enviou à Troika, pedindo flexibilidade para o País.

Adolfo Mesquita Nunes é Secretário de Estado do Turismo desde 1 de Fevereiro de 2013. Em pouco tempo estrutura um discurso coerente sobre a Politica de Turismo, mas um discurso novo e inovador, afirmando-se liberal e agindo em consequência. É um político a seguir.

*Posições Conservadoras de Alguma Industria da Hotelaria
As posições de Jorge Rebelo de Almeida e de Adolfo Mesquita Nunes rompem com a relação tradicional, construída ao longo de décadas, entre a Politica e Serviços de Turismo e a Industria da Hotelaria.

Percorremos rapidamente propostas recentes da AHP e de dois empresários de peso no panorama nacional: Raul Martins e Jorge Armindo.

Constatamos uma diferença de posições que indicia Ventos de Mudança na Industria da Hotelaria em Portugal.


1.Jorge Rebelo de Almeida – Entrevista Genuína e Verdadeira

*”um disparate absoluto, uma mentira”
À pergunta de “Também está eufórico com os resultados do turismo em Portugal, que o Governo diz que são recorde?” responde:

-“Este ano houve um aumento da procura por Portugal, e é bom valorizá-lo. Foi o primeiro ano pós crise em que se verificou crescimento. Mas quando se houve dizer que se bateu um recorde e foi o melhor ano turístico de sempre, é um disparate absoluto, uma mentira redonda.”.


*”pelo grau de profissionalismo, pelas instalações”
Pergunta: “Os operadores tinham abandonado o Algarve porque as transportadoras low cost secaram o destino?”.

Resposta:

-“Tinham esse argumento, que Portugal se virou para as low cost e por isso largaram o Algarve. E nós, para sermos realistas, precisamos de correr arás dos operadores convencionais, como também precisamos de dar amor e carinho às low cost, aos operadores de Internet (as modernas Booking, Expedia, etc.) porque todos são importantes para o desenvolvimento de uma região turística como o Algarve. E as low cost tiveram um papel muito importante em Lisboa ou no Porto, se calhar até mais que no Algarve. Temos que aconchegar toda esta gente, cativá-los. Como é que isso se faz? Pelo grau de profissionalismo, pela qualidade das nossas instalações.”.

*“a gente que se vire, a concorrência é estimulante, é vital”
Pergunta: “Preocupa-o também o rápido crescimento da oferta hoteleira nos últimos anos?”

Resposta:

-“Acho que não é por isso que devemos restringir as oportunidades de aparecimento de novas unidades. Oiço gente defender que, como há muita oferta hoteleira que não está vendida, se devia travar o crescimento. É um absurdo, deve-se é deixar o mercado funcionar, porque isso traz produtos inovadores e contribui para a diversidade da oferta. Pode ser uma chatice para as empresas ver aparecer produtos mais modernos e enxutos em termos de custos, mas eu contra mim falo: a gente que se vire, a concorrência é estimulante, é vital. Nasci numa época em que havia condicionamento industria e nunca concordei com isso.”.

Esta afirmação contraria posições da AHP – Associação Portuguesa da Hotelaria e dos empresários Raul Martins e Jorge Armindo [ver a seguir].

*”estimular quem tem vindo para o mercado hoteleiro com novos produtos e novas ideias”
Na senda do condicionamento industrial, Rebelo de Almeida acrescenta:
-“Como hoje, também muita gente vive obcecada com a questão do alojamento local e dos apartamentos paralelos.”.

A pergunta é inevitável: “Mas o alojamento local não o afecta como hoteleiro?”:

-“Claro que afeta. Mas o que se deve fazer é impor a essas ofertas complementares o mesmo nivel de exigência que nos é imposto a nós: respeitar normas de segurança contra incêndios, de qualidade e de segurança alimentar, pagar os devidos impostos, o IVA, etc. Discordo das vozes que defendem que se devia proibir o alojamento paralelo. Não acho que se deva proibir o que quer que seja, o mercado deve ser livre. Pelo contrário, devemos estimular quem tem vindo para o mercado hpteleiro com novos produtos e novas ideias.”.

Há uma diferença de fundo entre esta posição e a da AHP sobre “inibir” que a oferta maciça de fracções autónomas que nasceram para habitação seja descarregada no mercado turístico (Post).

*”temos de parar de inventar coisas, de dizer que a nossa oferta é excessiva – não é”
Pergunta : “A realidade é que hoje mais de metade da capacidade hoteleira do país está por o preencher. Não haverá excesso de oferta?

-“Não há excesso de oferta, o que falta é procura. Dizia muitas vezes ao nosso ex-ministro Álvaro (Santos Pereira), quando ele vinha com algumas fantasias, que as camas hoteleiras instaladas no país estão prontas para vender, não precisam de investimento. Só falta a última etapa do ciclo produtivo que é vender.  Temos de parar de inventar coisas, de dizer que a nossa oferta é excessiva – não é. Temos é de mexer-nos o suficiente para divulgar promover, vender o destino Portugal, que indiscutivelmente tem uma série de atributos.”.

Esta afirmação reforça a anterior sobre não “restringir as oportunidades de aparecimento de novas unidades”.

*”Porque não vendem uma coisa que têm de maravilhoso, que é o sol e praia?”
No seguimento de vender o destino, JRA deita abaixo mais um nariz de cera do Turismo Português:

-“Mas somos um país meio estranho. Quantos do sector do turismo apareceram a falar mal do sol e praia, que estava esgotado, estava não sei o quê … O vice presidente da TUI, quando veio agora ao Algarve, disse ‘vocês adoram falar mal daquilo que têm. Porque não vendem uma coisa que têm de maravilhoso, que é o sol e praia?’ E até temos as melhores praias da Europa. Mas houve uma época aqui em Portugal em que os próprios responsáveis diziam em eventos oficiais que ‘sol e praia’ estava esgotado, eu até ficava parvo a ouvir aquilo.”.

*”Quem quiser ter um impacto importante na promoção, que meta algum dinheirinho”
A pergunta surge naturalmente “E quem deve promover Portugal?” e a resposta é pronta:

-“Quem deve promover Portugal são os privados. Como sou muito independente dos governos, ao longo de todos estes anos dou-me ao luxo de dizer que penso e ter sentido crítico. Mas há muitos neste país em variadíssimos sectores, e também no turismo, que acham que devem ter uma dependência grande de apoios e subsídios. Eu defendo que a promoção turística tem de ser conduzida e controlada pela iniciativa privada. Claro que isto obriga a responsabilidade, obriga as empresas a chegarem-se a frente, não ficarem só a mandar palpites. E aqui que a porca torce o rabo. Porque há muita gente neste sector que vai aos congressos mandar umas bocas, criticar o ministro ou o secretário de Estado, e quando chega a hora da verdade tira o cavalo da chuva. Fazer uma agência para desenvolver o destino Portugal envolve esforço e dinheiro. Mas ‘quem quer a festa, sua-lhe a testa’. Ou seja, quem quiser ter um impacto importante na promoção, que meta algum dinheirinho.”.

A afirmação da responsabilidade dos privados e destes investirem é rara. A proposta dominante é exigir ao Estado que faça mais promoção.

*“era mais inteligente contratar uma empresa de relações publicas de Xangai”
A pergunta não é muito frequente “Como avalia as campanhas de promoção feita pelo Turismo de Portugal”, e a resposta ainda menos:

-“Sofrível. Acho que para 2015, decididamente, o que tem de aparecer é uma campanha, uma agência que seja controlada pelo sector privado. O nosso drama é que as coisas não estão adaptadas à realidade actual. O Governo fala agora em abrir um escritório de representação turística em Xangai. Para quê. Para meter lá quatro ou cinco pessoas portuguesas – e a fazer o quê? Era mais inteligente contratar uma empresa de relações públicas de Xangai que se mexa nos meios de comunicação para fazer este trabalho de propaganda, para vender Portugal a sério. Hoje não interessa criar mais estruturas ou abrir mais escritórios.”.

É frequente ouvirmos a proposta de substituir as Equipas do Turismo de Portugal no Estrangeiro por agências locais, mas de memória de homem é a primeira vez que um empresário faz a defesa publica e concreta deste modelo.

*Muita gente “com corda na garganta, endividadíssima, atrapalhada da vida, com muito encargo financeiro para pagar”
Pergunta: “O facto de haver maior interesse dos operadores augura tempos de crescimento para o turismo em Portugal?

Na resposta, Jorge Rebelo de Almeida cai na pecha do empresário que toma o seu caso particular pela realidade do sector.

-“Sim, prevê-se que haja no próximo ano uma melhoria na Europa – e, infelizmente para nós portugueses, não vai acontecer em Portugal. […] E admito que nós, Vila Galé, que nos temos mantido heroicamente com uma quota elevadíssima no mercado interno, possamos cair para o ano.”.

Dito isto, a entrevista retoma o ritmo:

-“E gostaria de deixar uma mensagem aos senhores que nos governam: não pensem que, lá por ser um ano que coreu melhorzinho, não podem entrar em desaforos de criar taxas para as dormidas e fantasias similares. Continua a haver neste sector muita gente que está com a corda na garganta, endividadíssima, atrapalhada da vida, com muito encargo financeiro para pagar, e não é por um ano ter corrido melhor que conseguem endireitar as contas. Para nossa sorte, o turismo é um dos sectores que melhor resistiu à crise. Mas que está extraordinariamente bem, não é verdade.”.

*As Contribuições Extraordinárias do Turismo e o Seu Retorno
A pergunta: “Teme que possam ser exigidas ao turismo contribuições extraordinárias?” tem resposta clara:

-“O sector do turismo não aguenta. O turismo deu o que deu, não obstante os aumentos do IVA para o golfe e restauração, o aumento das taxas aeroportuárias, e outras circunstâncias. A ir mais pelo Turismo, no próximo ano, corre-se o risco de estrangular um dos poucos sectores económicos que têm mostrado resiliência, vitalidade e dinamismo. […] A única coisa que irrita é que, em paralelo, está-se a ver alguma perspectiva de melhoria no funcionamento da administração publica? Estamos a passar sacrifícios, mas não vemos medidas nenhumas para inverter isto. O que se está a fazer é o mais fácil, cortar benefícios. […] Ninguém está a puxar pela imaginação e ver como é que se reorganizam os serviços para produzir o mesmo, ou melhor, sem ter este desperdício.”.

A terminar:

-Todos sabemos que na administração publica há imensa gente que não faz porra nenhuma, mas há muitos que se fartam de trabalhar e são tratados da mesma maneira. O modelo que este Governo tem vindo a seguir é demolidor.”.

*Investir num “país maravilhoso para tirar figos”, apesar de “alguns parvos e economistas cretinos”
A resposta à pergunta “Neste cenário complicado, continua a fazer hotéis?” tem dois pontos:

-o da definição da definição pessoal: “Às vezes penso que se calhar devia pôr algum dinheiro a bom recato. Mas não vou fazê-lo porque tenho um principio: se eu o ganhei aqui, e comecei de zero, sinto obrigação de continuar a investir aqui. E acho que este continua a ser um país maravilhoso para tirar figos

-o do final da entrevista: “O drama é que se gerou neste país uma onda, com alguns parvos e economistas cretinos, de não valorizar as pessoas. E isto não vai a lado nenhum sem as pessoas.”.

Mais claro, é muito difícil.

2.Um Secretário de Estado Liberal e Propostas Politicas Diferentes

De entre as declarações de Adolfo Mesquita Nunes, escolhemos duas que constam da entrevista ao Sol, dois meses depois de ter tomado posse (3). O título da entrevista dá o tom:

-“Falências: 'Governo não tem de perpetuar maus investimentos'”.

*”O dinheiro do contribuinte não serve para perpetuar projectos inviáveis”
É a primeira vez que um Secretário de Estado do Turismo fala claramente sobre “um mecanismo de destruição e um de criação”, “grupos hoteleiros atomizados” e limita a intervenção do Governo a apenas garantir que projectos viáveis ultrapassem dificuldades conjunturais. 

A recusa de “perpetuar maus investimentos” rompe com tradição longa e passado recente. Por extenso:

-A selecção natural pressupõe um mecanismo de destruição e um de criação. Se há vários grupos hoteleiros atomizados que podem ter dificuldades, temos aqui uma área de negócio. Podemos profissionalizar a gestão. Existe pouca tradição em Portugal, no sector hoteleiro, de ter a propriedade e a gestão diferenciadas. A crise cria esta oportunidade. A obrigação do Governo é garantir que os projectos que têm viabilidade e que têm dificuldades conjunturais não possam ser destruídos apenas por essas dificuldades. Mas não é obrigação do Governo perpetuar maus investimentos, que não têm condições de viabilidade. Não é popular dizer isto, mas não podemos ter financiamento público para criar novos investimentos e depois ter financiamento público no momento em que se revelam inviáveis para tentar perpetuar um investimento público que é inviável. O dinheiro do contribuinte não serve para perpetuar projectos inviáveis.”.

*”o Estado é financiador, mecenas, licenciador, comprador, fiscalizador, regulador”
À perguntaOs empresários gostam ou não de ter o Estado por perto?”, responde:

-“Num sector e numa economia em que o próprio Estado habituou as pessoas a que o Estado é financiador, mecenas, licenciador, comprador, fiscalizador, regulador, não é fácil. Os empresários adaptam-se à realidade que têm. E adaptaram-se a um sistema que vivia com o Estado como motor e central. No sector hoteleiro, os grupos que estão mais sólidos são os que precisam pouco do Estado e que tiveram uma estratégia de internacionalização. Conseguiram ter uma estratégia de sucesso, apesar do peso do Estado. O Estado é sócio maioritário da vida de todas as pessoas em Portugal e podia ser um silent partner [termo tem inglês para dizer que não interfere], mas nem isso é e isso tem de acabar.”.

Simples. Um político jovem, dois meses depois de tomar posse, divulga o diagnóstico escamoteado da Industria da Hotelaria:

-Os empresário “adaptaram-se a um sistema que vivia com o Estado como motor e central”,

-“os grupos que estão mais sólidos são os que precisam pouco do Estado”.


3.Sobre a Relação Tradicional Entre Estado e Industria da Hotelaria

*As Narrativas da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal
A Relação Entre o estado e a Industria da Hotelaria já começou a ser abordada por este Blogue (Aqui e Aqui).

Há transformações externas que ainda não foram internalizadas por responsáveis associativos e empresário da Industria da Hotelaria.

A relação entre o Estado (na realidade, Politica e Serviços de Turismo) e a Industria da Hotelaria exige ser revista à luz de duas alterações profundas

-a Transformação Estrutural do Mercado Europeu da Viagem de Lazer, isto é, do mais importante mercado da oferta de turismo do País,

-de estarmos a viver o Período do Após Crise de 2008/2009 num País da periferia da Europa e de uma centralidade cujos efeitos no Turismo são relevantes em si mas limitados em relação à Oferta.

Pedir que o Estado intervenha no «combate à imobiliária», no limitar/inibir do crescimento da Oferta e no controle da Distribuição, é expressão de uma relação ultrapassada entre o Estado e a Industria da Hotelaria.

*”Planeamento da oferta hoteleira e alojamento turístico”
Um grupo restrito de empresários e um académico elbora “oito programas para o turismo em Portugal”. Num deles, o Nome da Acção é “Planeamento da oferta hoteleira e alojamento turístico” (4)

A Justificação é:

-“A oferta de alojamento tem crescido mais do que a procura, situando-se a utilização da oferta abaixo do valor médio de ocupação da nossa concorrência”.

A “Meta (quantificação do objectivo)” é:

-“Atingir o crescimento da procura alinhados com o crescimento da oferta (atingir um crescimento da procura de +30%)”.

De entre as “Acções (para implementar)” destacamos

-“Delimitação das zonas onde é vedada a construção de nova oferta de alojamento e onde a mesma é autorizada;”.

A leitura dos programas mostra que “Atingir” e “Delimitação” estarão a cargo do Estado.

*"Não são precisos novos hotéis, o problema é o serviço da dívida"
Citamos extractos de declarações recentes de Jorge Armindo, Presidente da Amorim Turismo, jornal ao Sol:

-"há um excesso de oferta" hoteleira e sublinhou que a descida de preços nos hotéis é negativa para a imagem do país e para as empresas.

-"Há um excesso de oferta. A taxa média de ocupação é cerca de 50%", […] "é preciso atrair mais gente para vir a Portugal".

-"a descida dos preços nos hotéis não contribui nem para a imagem do país, nem para a melhoria das empresas".

-"Não são precisos novos hotéis, o problema é o serviço da dívida", […] "é preciso ajustar a maturidade do crédito" às condições actuais.

-os hotéis, sobretudo os que foram construídos, na última década, têm uma dívida associada que "não é fácil de digerir", reclamando mais promoção e apelando aos empresários para que "se associem mais e façam campanhas no exterior em conjunto".

-" Mesmo fora de Portugal, penso que não há condições para financiar mais hotéis, temos de gerir o que temos, que são investimentos pesados e temos de aumentar a nossa prestação de serviços" (5).

Parece possível ligar o reconhecimento de dívida que "não é fácil de digerir" à afirmação sobre o excesso de oferta. Jorge Armindo não refere a regulação restritiva pelo Estado, que parece ser a consequência lógica do seu discurso.

4.Excessos Neoliberais e Alternativa à Relação Tradicional Entre Estado e Hotelaria
O discurso neoliberal do Governo tem efeito colateral a que temos de escapar:

-hoje, qualquer crítica ao Estado excessivo que asfixia Portugal é identificada com os excessos dos nossos neoliberais e não com a profunda transformação da Intervenção do Estado na Economia, Sociedade e Cultura em Portugal.

As declarações de Jorge Rebelo de Almeida e Adolfo Mesquita Nunes são exemplo

-do que pode ser uma Politica de Turismo que nada tem a ver com o neoliberalismo, mas que é a alternativa crítica a uma relação excessiva e de consequências perversas, entre o Estado e Industria da Hotelaria.

Por outro lado, posições recentes da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal retomam a relação que consideramos excessiva entre Estado e Hotelaria.

Declarações de dois empresários de peso e que alinham com as da AHP mostram que esta visão não é exclusiva de pequenos empresários indefesos, mas que é muito mais transversal.


A Bem da Nação

Albufeira 30 de Novembro de 2013

Sérgio Palma Brito

Notas

(1)Exame de 1 de Dezembro de 2013. Texto de Conceição Antunes e de Pedro Lima.

(2)Informação biográfica recolhida na Wikipedia

(3)Entrevista ao Sol, em 9 de Abril de 2013.

(4)Raul Martins, Administrador do Grupo Fernando Martins/Altis, em Raul Martins, Francisco Sá Nogueira. José Theotonio e Jorge Vasconcellos e Sá, Crescimento (sem Keynes) no Turismo, Vida Económica 2012, p.111.

(5)Declarações de Jorge Armindo, Presidente da Amorim Turismo ao Sol, em 28 de Novembro de 2013.