Entrevista de Luiz da Gama Mór, Administrador do Grupo TAP ao Publituris – Comentários


O Eng.º Luiz da Gama Mór, Vogal do Conselho de Administração Executivo da TAP, SGPS, SA, deu uma entrevista ao Publituris (1).

Algumas das declarações exigem comentário e devem ser compreendidas num duplo contexto:

-o do Período da Gestão Profissional do Grupo TAP (de 2001 à Actualidade), na já longa vida da empresa, de Salazar à actualidade,

-o do tempo que segue à frustrada ‘privatização Efromovitch” e suas sequelas.

É disto que se ocupa o presente post.

 

1.O Duplo Contexto da Entrevista

*Período da Gestão Profissional do Grupo TAP – De 2001 à Actualidade
A TAP começa por ser a companhia aérea nacional de um dos países mais pobres da Europa (2). Escapa a medíocre destino graças ao tráfego de longo curso gerado pela Guerra Colonial e, acessoriamente, pelo desenvolvimento do Turismo em Portugal. Em 24 de Abril de 1974 é uma rentável e de futuro aparentemente promissor.

Perdido o tráfego colonial, a TAP é ‘salva’ da falência pela Nacionalização em 1975. Não há bela sem senão:

-o Estado Accionista cria o mito da Transportadora Aérea Nacional, apoia a empresa política e financeiramente, mas bloqueia a adaptação da TAP ao mercado e assim contribui para comprometer o seu futuro.

Neste bloqueio tem a ajuda dos sindicatos e da opinião pública mainstream.

A inadaptação ao mercado e a irresponsabilidade do Estado Accionista e Gestor põem a TAP em rota de falência. Em 1994, a falência só é evitada pelo importante apoio público do Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), que entre outras medidas,

-inclui, em valores actuais, cerca de € 2.7 mil milhões de aumento de capital e cerca de €2.4 mil milhões de garantias a empréstimos.

Este apoio é acompanhado de uma condição imposta pela Comissão das Comunidades Europeias

que tudo muda:

-“Portugal se abstenha de conceder mais auxílios à TAP” (3).

No ano de 1994, morre a «Transportadora Aérea Nacional», mas não morre o mito: pessoas responsáveis continuam a apelar para que a TAP preste serviços como se fosse um Serviço Público.

Após 2/3 anos de resultados marginalmente positivos, a TAP volta à rota da falência: Estado, Sindicato e Opinião Pública não esquecem os «velhos tempos» e não aprendem a actuar nos «novos».

A frustrada Privatização da TAP ligada ao SAirgroup tem efeito colateral fundamental para o futuro:

-a partir de 2001, e pela primeira vez desde o 25 de Abril, a TAP tem uma Gestão Profissional, com a equipa de Fernando Pinto, na qual Luís Mor assume a responsabilidade do Marketing & Vendas.

A viabilidade da TAP depende de uma operação de longo curso rentável. É assim com a Guerra Colonial, vai ser assim com gestão profissional e inovação:

-a partir de Vantagens Comparativas do Aeroporto de Lisboa, construir Vantagens Competitivas, pela criação de um Hub Intercontinental,

-tirar partido de dois mercados emergentes: Brasil e Angola.

Este é o enquadramento da entrevista no longo prazo.

*Quando «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão»
A Privatização da TAP é a consequência lógica do modelo de Transporte Aéreo da União Europeia e do pobre historial do Estado Português como Accionista e Gestor. Por outro lado, a Privatização tem forte oposição de Sindicatos, Opinião Pública e largos sectores do Sistema Politico.

Recordamos os antecedentes imediatos:

-o sucesso da Gestão Profissional aconselhava uma Privatização por volta de 2006/2007, mas ‘impossível’ em tempos de relativa fartura,

-em 2008, o preço do combustível dispara, começa a Crise de 2008/2009 e o Resultado Líquido do Período Consolidado do Grupo TAP é negativo em € 288 milhões,

-em 2010 e já em stress, o Governo do Partido Socialista lança a ideia, mais do que o projecto, de privatizar a TAP (4),

-em 2011, o Memorando de Entendimento prevê a privatização da TAP até ao final do ano, um prazo tão irrealista como o de ajustar a Economia de Portugal em três anos.

Em devido tempo, analisámos o processo da Privatização de 2012, o anticlímax que o culmina e o estranho tempo que a empresa começou a viver:

-Privatização da TAP (II) – O Sucesso da TAP no Futuro (Post)

-Privatização da TAP (III) – A Prioridade a Recuperar (Post)

-Privatização da TAP (IV) – Comentário sobre notícias recentes (Post)

Este é o tempo em que «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão». Neste contexto algo deprimente, a entrevista de LGM evidencia uma dinâmica de gestão que é justo reconhecer e apoiar, sobretudo quando anuncia que 2014

-“vai ser um ano muito importante porque é de crescimento da oferta. Vamos ter novos aviões e destinos.”.

O estranho tempo que a empresa começou a viver é o enquadramento da entrevista no curto prazo.

*Luiz da Gama Mór
O ano de 2001 é o primeiro da Gestão Profissional da TAP. Não é um processo pacífico. Durante a presidência de Cardoso e Cunha (2003/2004), a Gestão Profissional está à beira de ser substituída pelo «políticos do costume».

A Gestão Profissional não é o único efeito colateral positivo da privatização frustrada com a SAirgroup. O outro é uma útil coincidência:

-os gestores vêm do Brasil e conhecem muito bem o mercado que está na base do turnaround da TAP – podiam ser canadianos ou ter outra origem, mas ser do Brasil ajuda e muito.

Luiz da Gama Mór é o elemento virado para o Mercado e o mais directo responsável por assegurar o sucesso das vendas, condição necessária ao sucesso da TAP.

Chegamos assim à entrevista de Luiz da Gama Mór ao Publituris. É uma entrevista focada no mercado actual da TAP, mas que exige ser integrada nos tempos da Gestão Profissional e nos de «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão» neste estranho tempo que a empresa começou a viver.

 
2.Declarações ao Publituris

*Diferença Entre Lisboa, Porto e Faro
LGM reconhece a diferença entre Lisboa, Porto e Faro:

-“Em Portugal, os números significam coisas muito diferentes dos totais, porque os tipos de tráfego são muito diferentes em Lisboa, Porto e Faro.”.

Do ponto de vista da TAP, a diferença assenta em

-a suficiência do Aeroporto de Lisboa e o aumento das Taxas Aeroportuárias,

-a ligação de Faro a Lisboa é crucial na época baixa, mas impossível em voos ponto a ponto “pela dificuldade do tipo de tráfego no aeroporto, não é o perfil da TAP”,

-no Porto há a Ryanair e os subsídios de que beneficia: “Não só pelo aeroporto que não deve cobrar nada, como recebe dinheiro do turismo”.

Na realidade a diferença entre Lisboa, Porto e Faro é

-mais importante e diversificada, pois tem a ver, entre outros, com o tipo de viagem (Estadia ou Tour Urbano e Cultural), demografia e estilo de visa, Distribuição,

-um dos aspectos da Politica de Turismo diferente, que esperamos do actual Governo.  

Talvez sem querer, LGM vem reforçar os argumentos dos que defendem ser dever da Politica e Serviços de Turismo integrar esta diferença e não a amalgamar numa errada visão nacional do Turismo em Portugal (5).

*Ryanair e Easyjet no Porto e Lisboa
Os tempos mudam. Durante anos, a TAP beneficia de apoios financeiros públicos e de protecção nada transparente da Aeronáutica Civil e Governo. Depois da desregulação do Transporte Aéreo no espaço da União Europeia (1993), é a TAP que se queixa:

-“O Porto não pode querer um aumento de tráfego através de outras empresas se mantiver um desequilíbrio competitivo tão acentuado. Não podemos operar no Porto a pagar o que pagamos e, ao mesmo tempo, com a Ryanair a não pagar nada e a receber dinheiro. São condições competitivas que não se sustentam.”.

-“O problema destas coisas é que não são transparentes. Tanto o apoio via Iniciative.pt, quanto os apoios que a ANA dá de forma directa ou indirecta, utilizando a Portway, não são transparentes e isso preocupa-me, nomeadamente de trazer práticas anti competitivas maiores para o Aeroporto de Lisboa.”.

Luiz Gama Mór

-tem razão na crítica à falta de transparência na atribuição de incentivos a Ryanair e Easyjet e é bom que se junte aos que pedem uma grande alteração no secretismo excessivo do modelo do Iniciative.pt,

-não menciona o facto de só as duas companhias em causa(Ryanair e Easyjet)  se poderem comprometer a aumentar o tráfego dos aeroportos como aumentaram – a TAP poderia beneficiar das mesmas condições se gerasse esse volume de tráfego novo.

Seria excelente se este patamar de discussão pudesse ser elevado, mas tal depende de Governo, Turismo de Portugal e ANA Vinci alterarem aspectos cruciais da relação criada desde há anos.

*Ponto a Ponto Intra-europeu
Há duas afirmações que exigem atenção:

-“a esmagadora maioria dos nossos voos é ponto a ponto e intra-europeu. E isso não é algo que as pessoas tenham claro.”.

-“Na Europa, passa por aumentar a nossa presença nos mercados tradicionais, que sempre foi a nossa primeira preocupação, mais destinos e cidades por país. E aqui estou a falar no bloco Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e Itália.”. Só depois surge a Escandinávia e o Leste.”.

Reside aqui um risco para a TAP:

-o ponto a ponto intra-europeu e os principais mercados são o espaço por excelência de Ryanir e Easyjet, a ponto de criarem problemas a IAG, Lufthansa e Air France/KLM – Vueling, Germanwings e, até certo ponto, Transavia são uma parte da resposta destas companhias,

-neste importante segmento geográfico do seu mercado, a TAP está exposta a uma concorrência cuja diferença vai muito além dos subsídios e da falta de transparência do Iniciative.pt.

-a perspectiva de crescimento da Economia da Europa não é animadora, numa avaliação generosa.

*”A nossa China e Rússia chamam-se Brasil”
O Brasil representa 14% dos Passageiros e 34% da Receita. Assim,

-“o peso do Brasil para a TAP é diferente do peso para o Turismo, apesar de hoje em dia este mercado estar com um peso imenso e é capaz de ser o que mais vai crescer nos próximos tempos.”.

-“Os outros países europeus sonham em ter o que temos no Brasil, portanto vamos aproveitar.”.

Os números já confirmam que o Brasil é o Mercado Emissor para Portugal que verdadeiramente depende da TAP. Quantos anos faltam até que China ou India tenham a posição, relativamente modesta, que o Japão tem hoje? Sem “ser contra” qualquer mercado emissor que seja, há que definir prioridades e reforçar parcerias para tirar mais e melhor partido do Mercado Emissor do Brasil.

Declarações recentes do Secretário de Estado do Turismo vão no mesmo sentido, o que é excelente.

*Rússia
No Mercado Emissor da Rússia, Portugal ficou atrás de não sei quantos destinos europeus, apesar da ‘promoção’ feita e de “apoio à rota de Moscovo”. A novidade é o compromisso do actual Governo em alterar o sistema de vistos, mas não vimos o Governo fixar um objectivo claro:

-dentro de seis meses, será mais fácil obter um visto para Portugal do que para outros País Schengen.

LGM confirma que a ligação à Rússia está limitada pelo Acordo Bilateral entre os dois países e por a sua renegociação ser agora feita a nível da União Europeia. Esta afirmação tem um corolário:

-para Portugal ter turistas da Rússia, o transporte aéreo será assegurado por companhia aérea russa, muito provavelmente companhias charter de package holiday.

*Venda Directa e Agências Online
Na TAP, Venda Directa é sinónimo de Venda Online.

-“a venda directa está disponível em 23 idiomas diferentes. No acumulado a Outubro deste ano crescemos 16.7%, sendo os mercado que mais crescem o Brasil, França e Suíça

-“De um modo geral, os maiores crescimentos que temos nos principais mercados da Europa são nestas agências online”.

A conclusão de “A utilização da Internet é irreversível” tem a ver com Venda Directa e Intermediação Online. Sobre este tema ver o Post ‘Agências de Viagens e Distribuição de Transporte Aéreo e Hotelaria’.

*Crescimento da Oferta em 2014
A afirmação final é importante em si e por vir de um gestor num tempo em que «o fraco Accionista faz fraca a forte Gestão»:

-“vai ser um ano muito importante porque é de crescimento da oferta. Vamos ter novos aviões e destinos.”.

O que não seria com um accionista responsável e não incapacitado?

 
A Bem da Nação

Albufeira 9 de Dezembro de 2013

Sérgio Palma Brito

 
Notas
(1)Ver o CV de Luiz Gama Mór no Relatório do Grupo TAP referente a 2008.

(2)Ver o Post Privatização da TAP Air Portugal (I) - de Salazar à Actualidade
http://sergiopalmabrito.blogspot.pt/2012/09/tap-air-portugal-compreender-uma.html

(3)Ver o detalhe na alínea b) do ponto 1.2.2. do Documento.

(4)Ver o detalhe na alínea b) do ponto 2.2.2. do Documento.

(5)Ver alínea a) do Documento.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário