No panorama
nacional devastado pela Industria do Comentário, o professor do ISEG Paulo
Trigo Pereira é voz escutada e a escutar. Na página mensal que tem no Publico, defende
“uma consolidação [orçamental] sobretudo do lado da receita, mas com controlo
da despesa salarial e de pensões” (1).
Mais
concretamente, defende:
-“Uma ideia
central para uma diferente estratégia orçamental é que é necessário ‘exportar’
parte da consolidação orçamental”.
Uma das
vias para esta ‘exportação’ é o turismo, “um sector que prospera, e ainda bem,
em tempo de crise”.
No respeito
do nosso lema de “partilhar uma maneira diferente de analisar o Viajar e o
Turismo”, comentamos a proposta de Paulo Trigo Pereira.
PTP começa
pela envolvente competitiva:
-“Portugal
tem a taxa mínima de IVA (6%) sobre as dormidas hoteleiras. Na Europa a 28, só
a Holanda e a Bélgica têm a mesma taxa, sendo menor no Luxemburgo. Mesmo o
“tigre celta” que defendeu com sucesso a não subida da taxa de IRC apenas
reduziu de 12% para 9%.”.
Depois,
passa à proposta:
-“Se
houvesse vontade politica, facilmente se aplicaria um imposto especifico por
dormida, que nos situasse, em termos equivalentes, abaixo dos 10% aplicados em
Espanha, garantindo a competitividade com nuestros
hermanos.”.
Termina com
a explicação:
-“Este
exemplo concreto ilustra a razão por que o turismo tem um tratamento favorável,
e explica que a resistência à aplicação da exportação fiscal não é económica,
mas antes deriva da captura do poder politico pelos interesses corporativos do
sector.”.
Em 2012, a
Receita de Alojamento Turístico é de € 1.290 milhões. O INE não dá o detalhe
por Turistas Residentes e Não Residentes, mas estes últimos representam 69% das
dormidas. Com base nesta percentagem, assumimos que os Turistas Não Residentes
representam uns generosos 80% da Receita de Alojamento, isto é € 1.032 milhões.
As contas
‘seriam’ fáceis: um ponto percentual representa €10 milhões de Receita Fical
gerada pela ‘exportação’ de austeridade.
Dizemos
‘seriam’, porque haveria alguma
-perda de
receita de dormidas, porque o mercado turístico é muito competitivo e haveria
uma perda de turistas,
-perda da
receita que os turistas geram fora dos estabelecimentos onde alojam – esta componente
do consumo turístico é frequentemente esquecida,
-internalização
parcial do imposto pelas empresas sujeitas a maior pressão competitiva, como já
aconteceu com o aumento do IVA da Restauração.
Dito isto,
continuamos a ser generosos: esquecemos a receita perdida fora do hotel,
assumimos que não há internalização de parte do imposto e mantemos os € 10
milhões.
Como diria
Gutteres, é só fazer as contas. Para nos situarmos abaixo dos 10% de Espanha ,
teríamos 3% de taxa suplementar do imposto (diferença entre 6% e 9%), ou seja €
30 milhões. Como dizem os franceses, pas
de quoi fouetter un chat e seguramente uma receita marginal para a
consolidação orçamental.
Um imposto a
uma taxa superior afectaria significativamente a procura e representaria apenas
algumas dezenas de milhões de euros de Receita Fiscal, mas teríamos de
considerar a perda de turistas e de receita fora do estabelecimento, mais a
internalização de parte do imposto pelas empresas.
Segundo PTP,
-“a
resistência à aplicação da exportação fiscal não é económica, mas antes deriva
da captura do poder politico pelos interesses corporativos do sector.”.
Desconhecemos
a investigação em que PTP se baseia para fazer esta afirmação.
No caso
concreto do Turismo, a captura do poder politico a que se refere PTP não impediu
Sócrates de aumentar o IVA do Golfe para 23% e Pedro Passos Coelho de aumentar
o IVA da Restauração para os mesmos 23%.
Com base na
nossa experiência pessoal e profissional, investigação de amador e alguma
reflexão, temos opinião diferente. Os “interesses corporativos do sector”, mais
concretamente os da Industria da Hotelaria,
-capturam,
quando muito, o limitadíssimo poder politico da Secretaria de Estado do Turismo
para cozinhar a legislação sectorial e parcos apoios públicos,
-não têm,
nem terão, poder para capturar o poder de decisão do Ministério das Finanças,
se este entender criar o imposto que PTP propõe.
Este erro
de análise pode ser uma oportunidade, como agora se diz:
-no âmbito
da Cidadania Activa, PTP pode animar uma investigação (científica) sobre a
natureza e dimensão da ”captura do poder político pelos interesses corporativos
do sector”. A Pátria agradeceria e todos ficaríamos a conhecer melhor o que
está em causa.
Em
Portugal, não dispomos de quantificação técnica e de base científica da
Contribuição do Turismo Para a Economia por falta de Procura por parte de
“governments, industries, academia and the public” (2).
Sem ofensa,
PTP partilha esta falta.
Em nossa opinião, o mais
importante indicador da Contribuição do
Turismo Para a Economia (3) é o da
Receita do Turismo na Balança de Pagamentos, na medida em que, só esta Receita
exige o Investimento e cria a Procura que, de maneira sustentada, contribuem
para o Emprego e PIB.
Com efeito,
-apesar da sua importância, o
Turismo Interno está limitado pelo Consumo Privado e só parcialmente é
‘substituição de importações’,
-o Turismo Emissor é limitado
pelo Consumo Privado, implica Despesa de Viagens e Turismo e tem contribuição
residual para Emprego e PIB.
Em nossa opinião, a via para o
futuro
-passa por aumentar a Receita
de Turismo na Balança de Pagamentos, com consequências no Emprego e PIB e
aumento indirecto da Receita Fiscal,
-não passa por criar “um
imposto específico por dormida”, que se traduz não em ‘exportar austeridade’,
mas sim taxar a exportação de Bens e Serviços de Turismo … que já pagam IVA à
Exportação.
Os frequentadores do Blogue
conhecem as nossas propostas nesta matéria, mas importa fazer uma síntese.
Primeiro – Dois Conceitos de Alojamento Turístico
Há enorme diferença na
abrangência das noções de Alojamento
Turístico:
-a da Relação entre o Estado e
a Industria da Hotelaria confunde Turismo com “serviço hoteleiro e exploração
turística” e reduz o Alojamento Turístico ao Alojamento Classificado pelo
Turismo de Portugal – aqui a Secretaria de Estado do Turismo tem sido algo
capturada pela Industria da Hotelaria,
-a utilizada pelo INE, de acordo com as
Recomendações das Instituições Internacionais (ONU, UNWTO, OECD, UE e Eurostat)
para elaborar Estatísticas e
Conta Satélite do Turismo, e pelo Banco de Portugal na rubrica de Viagens e
Turismo da Balança de Pagamentos – é significativo que Portugal ignore/viole
estas Recomendações.
Acontece que a Politica de
Turismo se concentra no Alojamento Turístico Classificado e alimenta uma
Atitude Equívoca (misto
de «esquecer, ignorar, hostilizar, tolerar, proibir») em relação ao Alojamento Não
Classificado, mas escolhido por cerca de cinco milhões de Turistas (Post).
Segundo – Receita de Turismo na Balança de Pagamentos
Parte importante da Receita da rúbrica de Viagens e
Turismo na Balança de Pagamentos resulta de Consumo Turístico destes cerca de cinco
milhões de Turistas que optam por utilizar o Alojamento Turístico Não
Classificado.
Além da
rubrica de Viagens e Turismo, a Receita do Turismo na Balança de Pagamentos inclui:
-o “contributo para o volume
das exportações nacionais” dos Transportes (temperado pelo da Despesa com
Importações), com destaque para a TAP
-compra de
Segundas Residências por Não Residentes e valor das Transferências para a sua
Administração,
-Transferências do Exterior,
para financiar a residência permanente de Reformados ex-Não Residentes (Post).
Em síntese,
-muita da Receita de Turismo na
Balança de Pagamentos resulta de Não Residentes que se situam fora da relação
excessiva e redutora entre Politica de Turismo e Industria da Hotelaria,
-a ‘captura’ que propomos seja
investigada tem efeito colateral pernicioso: Politica de Turismo ignora
actividades turísticas de importante contribuição para a Receita de Turismo na
Balança de Pagamentos.
A menos que estejamos completamente
errados e/ou tenhamos interpretado mal a proposta de PTP, esta sofre de um duplo erro:
-de modelização, porque a
receita gerada pelo “imposto especifico por dormida” seria sempre residual,
-de substância, porque passa ao
lado da Contribuição do Turismo Receptor Para a Economia, ignorando o potencial
da sua Receita na Balança de Pagamentos e, por via disso, a contribuição para o
Produto, Emprego e Receita Fiscal.
Este incidente não é menor,
porque parece (repetimos: parece) revelar o divórcio entre as universidades de primeira linha e o Turismo,
mesmo nos rudimentos da macroeconomia.
A Bem da Nação
Albufeira 5 de Dezembro de 2013
Sérgio Palma Brito
(2)Esta lista de partes interessadas é retirada do
documento Conference on Travel and Tourism Statistics, Ottawa, 1991 – a conferência
na origem das Estatísticas e Conta Satélite do Turismo.
(3)Analisamos a Contribuição do Turismo Para a Economia,
de maneira rudimentar e cheia de erros, em duas ocasiões:
-um longo documento de trabalho (Post),
-uma série de Posts de divulgação do Documento de
Trabalho – ver Post.
Apesar dos erros e lacunas, este é um ponto de partida
para uma investigação profissional.
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