Sud e Lusitânia Express – 8.2 milhões de euros por “um serviço não competitivo”?


Nos dias que correm, a exploração do Sud e do Lusitânia Express custa à CP sete milhões de euros por ano. Cinco resultam de explorar o Sud Express (Lisboa/Paris, via Hendaye) e dois de metade do prejuízo do Lusitânia Express (explorado “a meias” com a RENFE).

Esta situação resulta de, há anos, a CP se ter embrulhado numa parceria com a RENFE. Quando já se justificava extinguir estas ligações ferroviárias, não o fez. Hoje, o assunto passou para a agenda político diplomática, no âmbito das “ligações ferroviárias entre Portugal e Espanha após o abandono do TGV” (Publico, 2012.04.28).

A RENFE vive bem com a situação actual. A CP está pressionada por 7 milhões anuais de prejuízos e nós, por mais 1.2 milhões da REFER [ver a seguir].

Estamos condenados a pagar 8.2 milhões de euros por ano, por um serviço que “não é competitivo com os outros modos de transporte”? – como a CP o reconhece no seu Relatório de 2010?

Quanto o assunto integra a mais que centenária agenda político diplomática as ligações ferroviárias luso espanholas, devemos recear o pior para os interesses portugueses.

Percorramos um pouco da genealogia deste custo.


Þ     2010: Relatório da CP e Protocolos
O Relatório da CP referente a 2010, reconhece que o “Internacional” é um dos “quatro segmentos da procura importantes”, mas

·          “Devido à posição periférica do País, apenas liga directamente a Espanha ou à fronteira de Espanha com França. Não é competitivo com outros modos de transporte, essencialmente em tempo de trajecto, pelo que se trata de um segmento em transformação. [sublinhados nossos]”.

O Relatório informa, ainda, sobre  

·          “Assinatura de um protocolo de cooperação entre a CP e a RENFE, tendo em vista a exploração conjunta de circulações internacionais entre Portugal e Espanha que venham a integrar a futura Rede Ferroviária Ibérica de Alta Velocidade.”.

Este Protocolo é “fruta da época” (o TGV florescia), mas parece ir mais longe.

Por um lado, haverá (odiamos o “haverá”, mas a falta de transparência reinante a isto nos obriga) clausulas sobre o Sud e Lusitania Express,

Por outro, em fim de Abril de 2010, a imprensa informa:

·          A CP faz parte de um consórcio, em conjunto com a Renfe e a operadora inglesa National Express Group, que vai concorrer à exploração das concessões ferroviárias Essex Thameside e Greater Aglia.

·          A transportadora pública portuguesa só participa, porém, com uma quota de 10 por cento, sendo o capital social do consórcio repartido igualmente pela Renfe e pela National Express com quotas de 45 por cento.

·          Esta internacionalização da CP decorre de um acordo assinado em Fevereiro passado com a sua congénere espanhola Renfe, em que ambas se posicionam para explorar o mercado da alta velocidade entre Lisboa e Madrid, a exemplo do que acontece nos outros países em que estes novos serviços são atribuídos às empresas ferroviárias de bandeira.

·          O PÚBLICO tentou saber se a CP tinha tido o aval da tutela para este negócio, mas a empresa recusou responder. Já o Ministério das Obras Públicas e Transportes limitou-se a dizer que "a CP deve submeter à consideração da tutela todas as decisões que ali se estabeleça que necessitem da referida aprovação e o caso concreto não é, nem deve ser, uma excepção".

·          Esta internacionalização colide, no entanto, com a estratégia de desintegração que o próprio Governo desenhou para a CP e que consiste em concessionar algumas linhas e vender as suas participadas CP Carga e EMEF. Isto de acordo com o PEC, o único documento conhecido sobre o futuro da ferrovia que até agora este Governo produziu. (http://economia.publico.pt/Noticia/cp-negoceia-entrada-no-reino-unido_1434740)

Þ     Sud Express
O Sud Express parece ser um caso meramente empresarial. Em Março de 2010 (já em plena Crise),

·          “A CP - Comboios de Portugal modernizou com carruagens Talgo o Sud Expresso, que circula desde 1887 e é actualmente o comboio internacional mais antigo da Europa que se mantém em circulação sem interrupções. As novas carruagens foram alugadas à espanhola Renfe, uma opção que «permite evitar a compra de um novo parque material», explicou fonte oficial da transportadora portuguesa.”

Quanto ao mercado,

·          “A CP refere também que, «com alguma frequência», são feitas «viagens de grupos de trabalhadores portugueses para trabalhos sazonais em Espanha e sul de França, assim como de alguns imigrantes estrangeiros, designadamente de países do leste da Europa a trabalhar em Portugal».” (Link).

Þ     Lusitânia Express
A renovação do Lusitânia Express é anterior à do Sud e o problema que põe é outro. O percurso passa, desde sempre, “pelo ramal de Cáceres, servindo Abrantes, Valência de Alcântara e Cáceres” (Publico 2012.04.28).

A CP propôs à RENFE que o comboio “passasse a circular pela Beira Alta, servindo, assim, Coimbra, Guarda e Salamanca, onde há mais mercado e sem prejuízo do tempo de percurso” (Publico citado). A REFER poderia fechar o Ramal de Cáceres e poupar 1.2 milhões de euros por ano. Contra e vencedor, está o Presidente da Junta da Estremadura. O seu argumento é convincente:

·          “Se a ligação ferroviária não é rentável, então talvez não seja igualmente rentável para os nossos serviços de Saúde atender as mulheres portuguesas do Alentejo que utilizam a maternidade do Hospital Infanta Cristina em Badajoz.”.

O Governo de Madrid terá apoiado esta posição.

Þ     Abril de 2012: Lusitânia Express – Que Mais Nos Irá Acontecer?
As notícias mais recentes sobre o Lusitânia Express são assustadoras:

·          “O Governo congelou a ligação de alta velocidade entre Lisboa e Madrid, mas está agora à procura de soluções alternativas, ainda que mais lentas. Uma delas, apurou o Dinheiro Vivo, é transformar o comboio hotel até Madrid - o Lusitânia Express - num serviço diurno e assim reduzir o tempo de ligação entre as duas capitais.

·          A matéria está a ser estudada com a CP e com a Renfe, de Espanha, e poderá funcionar como alternativa, mas nunca durará três horas como estava previsto acontecer com o TGV. O Lusitânia Express sai todas as noites de Lisboa e Espanha, por volta das 22h30 e demora entre 9 e 11 horas a fazer o percurso [Dinheiro Vivo, 2012.04.11].
 Fazemos votos que esta criatividade brote do espírito do jornalista. Ai de nós, se vem do Governo – teremos mais tempo e paciência perdidos.

Þ     O “Pós Moderno Express”
No quadro desta embrulhada,

·          “a CP gostaria de ir mais longe juntar num só comboio o Lusitânia e o Sud Express, que formariam uma composição única entre Lisboa e Medina del Campo, seguindo depois cada tramo para Madrid e para a fronteira francesa.” (Publico citado).

A notícia é omissa sobre procura, vendas e rentabilidade. Ignora, ainda a oposição do Governador da Junta da Estremadura.

Þ     Nada de Ilusões Românticas
O percurso Lisboa/Madrid é nocturno. O Sud Express parte às 16H30 e cedo escurece, mesmo no Verão. Não são viagens para admirar a paisagem. Para o efeito, mais vale o Vale do Douro ou a Linha da Beira Baixa.  

 As composições são modernos comboios Talgo, que a CP aluga à RENFE. Não há encanto das velhas locomotivas e da carruagem cama, com aquecimento de fornalha a carvão (ainda em serviço, em 1983, juramos, por experiência própria!).

Definitivamente, estes Express não têm nada a ver com o Orient Express – lamentamos, mas é assim.

Þ     A Memória
A ligação ferroviária de Lisboa a Madrid data de 1863; o Sud Express Lisboa – Paris começa a circular em 1887.

O Lusitânia Express nunca teve a importância com que sonharam os defensores de “Lisboa, Cais da Europa”. Transportou brasileiros e outros latino americanos, desembarcados no Porto de Lisboa, mas nunca entrou no imaginário Português.

Abundam referências à Civilização Francesa, que chegava a Portugal em caixotes transportados pelo Sud Express.

Há referências culturais sobre o papel do Sud Express no Turismo:

·          “Antes de 1887 [ano da inauguração do Sud-Express Paris-Lisboa] houve decerto e sempre viajantes do estrangeiro para Portugal e de Portugal para o estrangeiro, mas não houve propriamente turismo, se definirmos o turismo como uma actividade social, implicando não unicamente o prazer e o lazer das viagens, mas também a sua organização, nos aspectos de transporte, itinerário e instalação.” (1).

Não nos foi possível quantificar os caixotes, se bem que a influência da Civilização Francesa seja evidente. Por outro lado, temos uma ideia do movimento de passageiros, no ano de 1905:

·          O tráfego entre Portugal e França é sobretudo feito em 1ª classe: 2.267 passageiros em 1ª classe, 418 em 2ª e 199 em 3ª classe. No outro sentido, os números são, respectivamente de 1.573, de 215 e de 119. Entre 1902 e 1905, o tráfego de 1ª classe entre Portugal e França passa de 1.604 a 2.267 passageiros (2).

O Sud Express não desempenha, em relação a Lisboa, o papel que o comboio tem na formação da Cote d’Azur – há periferias e periferias.

Desta época há cartazes, porventura mais impressionantes do que a procura (http://trains-worldexpresses.com/800/800.htm).

Na segunda metade do século XX, o Sud Express é um dos comboios da emigração portuguesa. Esta é outra memória passada (Link).

Estes mundos acabaram!

A Bem da Nação

Albufeira 13 de Maio de 2012

Sérgio Palma Brito

2012.05.13.Sud.Lusitânia.Express.Post



Referências

(1)António Quadros, O Impacto do Turismo na Sociedade Portuguesa, Comunicação apresentada ao IV Congresso Nacional de Turismo, Póvoa de Varzim, 1986, p.23

 (2)Os números são retirados dos Relatórios do Conselho de Administração da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, existentes no Arquivo do INE e são dados a título de exemplo. Esta parte do Arquivo do INE estava em organização a quando da nossa visita. Os números existem, prontos a ser analisados por investigador interessado no assunto

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