Sobre a racionalidade, utilidade e modalidade da privatização da
ANA – Aeroportos e Navegação Aérea SA

Aeroportos e apoio à Oferta de Turismo do País

A situação geográfica do País e a importância do turismo receptor na transferência de recursos do exterior exigem uma acessibilidade aérea fácil, segura e barata aos não residentes, estrangeiros ou portugueses, que vêm a Portugal em lazer ou negócios. Esta é a primeira missão da rede de aeroportos, de que a ANA é concessionária.

Esta prioridade é compatível com outros utilizadores do transporte aéreo (ligação às ilhas, carga e turismo emissor), mas enfrenta tensões resultantes do hub da TAP e de uma privatização da ANA ligada ao financiamento do agora chamado “novo aeroporto da Área Metropolitana de Lisboa”. Nestes casos e no limite de um teste de stress, Portugal pode viver sem a TAP – “companhia de bandeira” e com o Aeroporto da Portela, mas não dispensa uma rede aeroportuária eficiente e competitiva.

Esta proposta não é aceite pelo Sistema Politico/Administrativo do Transporte Aéreo, que “faz” a Política de Transportes Aéreos do País.

Aeroporto/Oferta de Turismo e low cost: o novo jogo win win

Aeroportos/oferta de Turismo e companhias aéreas jogam um jogo win win, que exige a rentabilidade da gestão aeroportuária, da oferta de turismo e das rotas aéreas. Nenhuma companhia aérea suportará prejuízos, para servir os aeroportos e a oferta de turismo do País e nenhum aeroporto, nem a oferta de turismo sobrevivem sem uma acessibilidade aérea rentável.

A liberalização dos Direitos de Tráfego no espaço aéreo da União Europeia e a consequente formação de um novo modelo de operação do transporte aéreo (conhecido como low cost) criam duas realidades interligadas: (i) um novo tipo de negociação entre o aeroporto e a oferta de turismo com as companhias aéreas, (ii) o reforço da ligação entre o aeroporto e a oferta de turismo com a Política/Administração do Turismo – cada vez mais, a acessibilidade aérea é elemento importante do Produto Turístico, instrumento da sua Promoção e Distribuição e factor da componente geográfica da Segmentação do seu mercado.

A privatização da ANA está inserida neste duplo contexto e, em função dele, deve ultrapassar o Sistema Politico/Administrativo do Transporte Aéreo.

Sistema Político/Administrativo do Transporte Aéreo

Em 2009, o Governo “Define o modelo de regulação económica e de qualidade de serviço do sector aeroportuário nacional”. É reforçada a capacidade reguladora do INAC – Instituto Nacional da Aviação Civil, mas não é publicada a indispensável nova Lei Orgânica, que aumente a sua independência, em relação ao Governo. Sem novo regime legal e nova independência, temos um mero Instituto Público, com 26 atribuições, no seio das quais, a Regulação é a 20ª.

No caso dos aeroportos da Região Autónoma da Madeira, a legislação de 2009 não explicita o regime de excepção vigente, em matéria de fluxos financeiros e de regulação pelo INAC. Não é pouca coisa.

A ANA EP é criada em 1979, transformada em ANA SA, em 1998 e concessionária da exploração dos aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Porto Santo, Santa Maria, Ponta Delgada, Horta e Flores. Desde 1979, a relação entre o Estado e a ANA EP não é formalizada e, desde 1998, a concessão à ANA SA não é objecto de contrato. Ficam de lado a transparência de tudo o que tem a ver com a autonomia, responsabilização e avaliação da ANA. Privatizar a ANA significa privatizar esta rede

Em 2009 o Governo acrescenta o aeroporto de Beja a esta rede. A decisão deve ser invertida, porque este não é um aeroporto de tráfego de passageiros, nem a ANA privatizada é a instituição indicada para o valorizar.

Falta de transparência e de acesso à informação são as características de: gestão de aeroportos em rede, subsídios intra aeroportos, fixação de taxas aeroportuárias, integração de receitas aeronáuticas e comerciais, projecto de privatização da rede de aeroportos. Pouco ou nada sabemos sobre estas realidades, mas o Relatório e Contas da ANA lista os “Gastos de utilização de telefones”, por cada um dos membros do Conselho de Administração.

Há duas observações imediatas:
  • “transparência” tem a ver com informação das partes interessadas e responsabilização/avaliação de quem exerce poder politico, administrativo ou empresarial público – não tem a ver com corrupção;
  • a responsabilidade desta situação é da Assembleia da República e do Governo, e não da empresa ANA, que se limita a funcionar no seio do sistema.

Designamos por Sistema Politico/Administrativo este sistema em que o Estado define a política, é proprietário de instalações, seu utilizador, administração pública, regulamentador e fiscalizador, accionista, fiscal e gestor de empresas, concorrente de si próprio (na Grounforce e Portway), regulador e regulado.

Porquê privatizar a ANA?

A privatização da ANA justifica-se por duas razões:
  • maior capacidade futura de intervenção no jogo win win, com a oferta de turismo e com os novos modelos de operação de transporte aéreo,
  • menos “gordura” do Estado, na economia e sociedade do País, e valorização da sua função reguladora – é parte do nosso “mudar de vida”.
O sucesso da privatização da ANA começa por depender das condições financeiras e das garantias a exigir ao concessionário. Na verdade, depende muito mais do Estado se concentrar na regulação económica e de qualidade de serviço dos aeroportos do País e ultrapassar décadas do mencionado Sistema Politico/Administrativo. O prejuízo de um menor encaixe é ínfimo, se comparado com o da falha do Estado na Regulação Económica do futuro.

A Privatização da ANA e o Programa do Governo

O Programa do Governo estipula que os modelos de privatização da ANA e da TAP “serão definidos de forma articulada”. Fixa parâmetros para a privatização da TAP e não para a da ANA, criando a ideia que procura o maior encaixe financeiro. Se é assim, é erro de graves consequências.

Para além do «preço certo», está em causa garantir a qualidade da futura relação entre a ANA e oferta de turismo do País com as companhias de transporte aéreo. Deixar esta relação no mercado é uma proposta liberal, no mau sentido da palavra, talvez do domínio da ideologia, mas não do interesse do País.

Por outro lado, o lucro da ANA não deve apoiar a privatização da TAP, nem financiar o “novo aeroporto da Área Metropolitana de Lisboa”, que desloque os voos low cost para o mini Alcochete, e proteja o hub da TAP, na Portela.

O Programa do Governo menciona a “transferência dos aeroportos da Madeira e dos Açores para a respectiva tutela”, mas não explicita: (1) os fluxos económicos e financeiros com os aeroportos do Continente; (2) a ANA como instrumento de transferência de recursos entre a República e as Regiões Autónomas; (3) o lugar dos dois aeroportos da RA da Madeira na Rede Aeroportuária Nacional e no poder de regulação do INAC.

Sobre “Confiança, Responsabilidade, Abertura”, o Programa propõe o reforço do poder e independência da Regulação. O Governo ou faz do INAC uma forte e independente Entidade Reguladora, de âmbito nacional, ou falha, e teremos a gestão da Rede Aeroportuária Nacional entregue a um monopólio privado, sem a adequada regulação.

Recomendações da International Civil Aviation Organization

O ICAO elabora um conjunto de recomendações sobre boas práticas, em matéria de gestão aeroportuária e de fixação de taxas. As recomendações não são respeitadas pela maioria dos países, mas a maneira como Portugal as ignora é esclarecedora sobre a transformação que está em causa.

A título de mero exemplo, no caso da rede aeroportuária, definida em 2009, o Estado não negociou com os utilizadores, há “cross-subsidization”, mas não há “full transparency”, quando o ICAO recomenda:
  • “in cases where cross-subsidization within a national network is applied, than full transparency is necessary”.

O ICAO insiste em recomendação geral:
  • “transparent accounts, published on regular basis, should enable costs, revenues and subsidies and cross-subsidies to be clearly identified”,

A exigência de transparência é reforçada a propósito de:
  • “Means of Measuring Performance and Productivity”
  • “Determining the Cost Basis for Charging Purposes
  • “Charges on Air Traffic and their Collection”
  • “Development and Management of Non-Aeronautical Activities”.
Estes exemplos confirmam a necessidade de desmantelar o Sistema Politico Administrativo do Transporte Aéreo em Portugal, clarificando a relação entre Estado, a regulação por um INAC independente, as privatizadas TAP e ANA, mais a integração europeia da Navegação Aérea.

Uma check list

Podemos elaborar uma check list para ajudar o leitor a avaliar o processo de privatização da ANA:
  • Alterações ao modelo de regulação económica e de qualidade de serviço do sector aeroportuário nacional,
  • Alterações às bases da concessão do serviço público aeroportuário,
  • Estatuto das Novas Entidades Reguladoras e integração do INAC entre estas Entidades,
  • Auditoria prévia do Tribunal de Contas sobre a Regulação Económica do Sector Aeroportuário do País,
  • A capacidade de liderança do Presidente, da escolha e composição da sua equipa.



Albufeira 2 de Agosto de 2011
Sérgio Palma Brito



Este post é apoiado pelo documento de trabalho “Privatização da ANA e Competitividade da Oferta de Turismo do País

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