Políticas Públicas na privatização da ANA (1996 a 2012) e algumas surpresas

 

António Gutteres, José Sócrates Pedro Passos Coelho animaram políticas publicas diferentes sobre a privatização da ANA.

*Uma empresa a privatizar… mesmo antes de existir –

No Outono de 1995, António Guterres sucede a Aníbal Cavaco Silva como primeiro-ministro. A ANA SA, tal como a conhecemos, ainda não existe, mas já figura nos dois Programas de Privatizações do governo socialista.

-em março de 1996, o de 1996/97 prevê “iniciar os trabalhos tendentes à privatização ANA, E. P., mantendo o Estado o controlo maioritário.”.

-em abril de 1997, o de 1998/99 é perentório: “Em 1998 realizar-se-á a primeira fase de privatização da ANA”..

Quando é criada, em 1998, a ANA já tem a sina traçada.



*António Gutteres e um PS muito diferente do de hoje

Em fevereiro de 1996, uma Resolução do Conselho de Ministros aprova o Programa de privatizações — 1996/1997. Do preâmbulo citamos:

-“É hoje opinião consensual que, pelo menos em determinados domínios da atividade empresarial, a gestão privada é preferível à gestão pública, pelo que haverá que, nesses domínios, operar a transferência dos centros de decisão económica para a esfera do sector privado e garantir a formação de adequados níveis de concorrência indutores de uma eficiente afetação de recursos.”.

*A privatização da ANA passa a ser indissociável do financiamento do Novo Aeroporto de Lisboa… na Ota

Em abril de 1998 é criada a Cria a NAER - Novo Aeroporto, S. A., e são aprovados os respetivos estatutos. O governo considera que

-“a condução dos trabalhos necessários à preparação e execução das decisões referentes ao planeamento e construção de um novo aeroporto seria mais eficaz, flexível e celeremente conduzida por uma estrutura de natureza empresarial distinta da empresa operadora dos aeroportos do continente”.

Em abril de 2000, o governo destaca os objetivos e orientações para o desenvolvimento do aeroporto na Ota:

– “Estabelecimento de uma parceria público-privada que articule a contratação da conceção, construção, financiamento e exploração da nova infraestrutura com a entrada de acionista privado de referência no capital da ANA, mediante aumento de capital;

Escolha de parceiros privados através de um procedimento concursal, a estabelecer em regime jurídico específico;”.

Está em causa o financiamento por PPP e fica no ar qual o controlo do capital da ANA.

*Privatização da ANA com “percentagem de controlo do capital” para o NAL na Ota e, depois, em Alcochete

Em fevereiro de 2007, o governo de José Sócrates “Estabelece o modelo de transação, do novo aeroporto de Lisboa, determinando que a privatização da ANA, S. A., e a contratação da conceção, construção, financiamento e exploração do novo aeroporto de Lisboa, a localizar na Ota, serão efetuadas através de uma operação única que conjugue aquelas duas componentes”.

Esta decisão prevê a “Alienação de uma percentagem de controlo do capital da ANA - Aeroportos de Portugal, S. A.”.

Só posteriormente surge o NAL em Alcochete.



*Maio 2011: Memorandum of Understanding on Specific Economic Policy Conditionality

Cabe ao governo de Pedro Passos Coelho aplicar o Memorando assinado pelo governo de José Sócrates e a Troika. Na altura está em causa recuperar o crédito na República nos mercados financeiros.

A privatização da ANA deixa de ser instrumento para financiar a construção do NAL e passa a ser meio para realizar três objetivos, “no contexto do programa de ajustamento económico para Portugal”

“i) Maximização das receitas provenientes da privatização.

ii)Reforço do crescimento e da eficiência da ANA, aumentando desta forma a sua posição competitiva e o valor a longo prazo dos aeroportos.

iii)Minimização da exposição do Estado português aos riscos de execução relacionados com o processo de privatização, assegurando que o enquadramento deste processo protege cabalmente os interesses nacionais e maximiza as receitas.”.

Estes objetivos estão plasmados no Plano Estratégico de Transportes 2011/15 (ponto 8).



*Quando a política publica é fruto do confronto partidário

Dezassete anos demorou a ANA a ser privatizada e durante esse tempo ficou à vista o que de partidário há no exercício da função acionista pelo Estado.

A critica mais evidente ao excesso de ‘partido’ é a dirigida à privatização em bloco de todos os aeroportos do País,

– em 2000 e 2007, o governo PS era a favor e o PSD criticava fortemente,

– em 2012, o governo PSD/CDS era a favor e o PS criticava e continua a criticar fortemente.

Este confronto meramente partidário pode vir a ser dominante na atualidade.

*A critica mais pertinente à privatização da ANA

A critica mais pertinente à privatização da ANA é a da ausência de uma Regulação forte e independente. Os documentos do ICAO que citamos estabelecem as boas práticas sobre a privatização da gestão aeroportuária que deve sempre ser acompanhada por regulação forte e independente.

O problema de fundo duplo e será descrito no próximo post:

-Portugal não nem tradição nem pratica de Regulação ou Supervisão fortes e independentes,

-a transformação do INAC em Entidade Reguladora sofrer deste mal e da cultura que vem do passado.

A gestão publica pela ANA não era enquadrada por um Contrato de Concessão, elaborado quase à pressa para efeito da privatização. O modelo de Regulação que estava a ser desenhado pelo governo Sócrates é abandonado. Haverá apenas disposições sobre taxas aeroportuárias reguladas em sistema que remunera o crescimento do tráfego.

O Acordo entre o Estado português e a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A. de 8 de janeiro de 2019 inclui

-“A competitividade das taxas [reguladas] é assegurada através de um processo comparativo com as taxas praticadas em outros aeroportos europeus, o qual terá como resultado a definição de um cap/limite às taxas reguladas.”.

Este Acordo acaba por não ser aplicado.

*Nota sobre fontes

Recomendamos a leitura de ICAO’s Policies on Charges for Airports and Air Navigation Services, edições de 2008 e 2012.

O livro The Economic Regultion of Airports, edição de 2004 e 2017 [editado por Peter Forsyth e outros] define o que está em causa e aplicações em aeroportos de todo o mundo. A edição de 2017 é mais útil por já poder dar mais exemplos e de forma mais sintética – o caso da ANA não é citado.

 

Lisboa 9 de janeiro de 2015.

 

Post da série Análise critica de ideias e termos correntes

 

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