Privatização da TAP – realidade e ilusão de ‘garantir serviço público’


O decreto-lei de 24 de Dezembro que formaliza a privatização da TAP apenas refere “obrigações de serviço público que incumbam à TAP”. Na prática, estas obrigações abrangem apenas ligações entre o Continente e Açores actualmente em curso de liberalização, e não justificam o alarido politico sobre o assunto.

Depois de descrevermos a realidade, analisamos declarações políticas sobre a TAP e o ‘serviço público’. Em síntese,

-as declarações alargam o serviço publico a rotas que o accionista privado da TAP terá de assegurar e misturam erros factuais e confusão de conceitos que não esperamos encontrar em governantes com responsabilidade directa na privatização da TAP,

-os mesmos governantes apresentam esta mistura inconsistente de rotas como “garantia” e “condição” da TAP ser privatizada a 100%, assim tranquilizando os portugueses.

A explicação possível desta cacofonia política reside no escapismo (1) que identificamos no posicionamento do governo. Na ocorrência, trata-se de embelezar a privatização e escapar a afirmar uma dimensão da realidade:

-a TAP, publica ou privada, tem que ser uma empresa viável em mercado aberto e só opera rotas e frequências onde a sua competitividade não comprometa, antes reforce, a viabilidade deque depende para sobreviver. 

 

*Informação ao leitor

O presente post tem versão em PDF está disponível (aqui) e é anexo ao que analisa o decreto-lei sobre o processo de privatização da TAP

-Transparência e competência na privatização da TAP (aqui).

O presente post insere-se em série sobre a privatização da TAP. Afirmações aqui feitas são justificadas em posts já publicados ou a publicar – terminada a sua publicação, actualizaremos os links.

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

 

1.Realidade  das “obrigações de serviço público”

*Conceito de obrigação de serviço público
A “obrigação de serviço público” tem definição legal a nível de Portugal e da União Europeia. Não é decisão livre do estado português nem passível de fantasia politica (2). No essencial,

-pode ser imposta a uma transportadora aérea que é obrigada a operar rotas e frequências que não operaria se atendesse apenas aos seus interesses comerciais,

-é limitada a rotas entre aeroportos do mesmo território nacional, o que em Portugal nos reduz às ligações entre o Continente e as Regiões Autónomas.

Antecipamos a análise da ilusão politica para sublinhar que, entre outros, as obrigações de serviço público não têm nada a ver com a TAP servir a diáspora ou os países da CPLP.

*Ligações com a Região Autónoma da Madeira
No caso das ligações entre o Continente e a Região Autónoma da Madeira, em 2008 o governo de maioria absoluta do PS,

-considera que “a liberalização do mercado do transporte aéreo para a Região Autónoma da Madeira pode trazer benefícios ao nível das tarifas a praticar, tendo em conta a actuação das regras da concorrência num mercado aberto a todos os operadores”  

-entende “pôr termo à imposição de obrigações de serviço público para a Região Autónoma da Madeira, designadamente em matéria de fixação de tarifas”,

-aguarda que “as regras de funcionamento de mercado permitam, a curto prazo, uma redução dos preços praticados para aquela Região e consequentemente um aumento do número de passageiros, com um incremento significativo ao nível do turismo.” (3).

Em síntese,

-desde 2008 não há voos de obrigação de serviço publico entre o Continente e a Região Autónoma da Madeira.

*Ligações com a Região Autónoma dos Açores
Diferente é o caso das ligações com a Região Autónoma dos Açores. Em 2010, a Comunicação da Comissão detalha a “Imposição de obrigações modificadas de serviço público a determinados serviços aéreos regulares” (4).

Mesmo no caso dos Açores há dificuldades, de que o título do Correio dos Açores é um exemplo:

Do texto, citamos:

 
-“Tendo em conta as condições que as transportadoras aéreas terão que cumprir nas obrigações de serviço público entre o continente, Açores e Madeira a partir de 30 de Março, a TAP está a avaliar se vai ou não continuar com a operação que nos últimos dois anos tem assegurado em regime de code-share com a SATA Internacional.

Caso a TAP decida não concorrer, tudo indica que será a SATA a assegurar, em exclusivo, as ligações aéreas inter-ilhas e para o exterior do arquipélago, pelo menos até à existência de um regime de liberalização como vai acontecer já este ano na Madeira.” (5).

 

2.A ilusão política sobre ‘garantir serviço público’

*Decreto-lei aprovado a 13 de Novembro de 2014
O preâmbulo do decreto-lei não refere ‘serviço público’ mas sim “uma empresa que apresenta forte ligação ao país” e para manter essa ligação é “relevante privilegiar a manutenção do seu pendor característico enquanto «companhia bandeira»”.

Importa esclarecer que o conceito de «companhia bandeira» não tem definição formal, e que o seu significado varia ao longo do tempo e segundo os países. No Portugal de 2014 e apesar da TAP ser estatal, o conceito de «companhia bandeira» não é relevante, o que deveria impedir a sua utilização em diploma legal.

No articulado, um dos critérios de “selecção das intenções de aquisição” e “escolha das propostas objecto de adjudicação” é:

-“d)A capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações de serviço público que incumbam à TAP.”.

*O entendimento de “serviço público” pelo ministro da Economia
A 14 de Novembro, o site do CDS informa:

-“O ministro da Economia diz que a venda da TAP é uma decisão corajosa do Governo que protege os interesses do país. Pires de Lima garante que o futuro comprador tem de continuar a assegurar um serviço público aos portugueses e às comunidades lusófonas” (aqui).

As declarações do ministro da Economia são mais detalhada pela Lusa:

-"Em qualquer caso serão sempre garantidas obrigações de serviço público. Voos para a Guiné? Claro que o futuro accionista da TAP tem que garantir. Voos para os Açores e para a Madeira? Claro que o futuro accionista da TAP tem que garantir. Voos para as comunidades lusófonas? Faz parte do caderno de encargos",

"São condições que nós protegeremos de uma forma reforçada enquanto tivermos 34% do capital e que protegeremos de outra forma se deixarmos de estar no capital, se isso eventualmente vier a acontecer" (aqui).

O ministro da Economia

-viola a definição legal de obrigações de serviço público, definidas no ponto anterior,

-ilude os portugueses sobre uma realidade escamoteada: a TAP, publica ou privada, só pode garantir as ligações aéreas que não comprometam a sua viabilidade.

Mais concretamente,

-no caso da Guiné é desmentido pela realidade dos factos e pelo CEO da TAP – ver item a seguir,

-no caso dos voos para Açores e Madeira é desmentido pela realidade e pela Lei,

-no caso das comunidades lusófonas, é desmentido pela realidade actual (a TAP não voa para Canadá e África do Sul, entre outros) e pela realidade da TAP só poder voar para destinos que não comprometam a sua viabilidade.

*Ligações com Bissau – a actualidade desmente o ministro
O texto deste item é justificado no post “Privatização da TAP – quando a realidade do mercado contraria o equívoco politico” (aqui), de que retemos o essencial. Depois das declarações do ministro da Economia, a 9 de Dezembro e em entrevista ao i (aqui),

-o CEO Fernando Pinto informa que os voos da TAP Lisboa/Bissau suspensos desde Dezembro de 2013, não são retomados, apesar de já ter "a garantia das autoridades que as condições de segurança estão reunidas".

E porque não são retomados?

-"A razão principal é mercado mesmo. Chegámos a fazer uma pesquisa para ver como estavam as possibilidades, mas temos uma procura muito baixa do mercado".

Fernando Pinto adianta que, quando a TAP suspendeu a operação, "outras empresas" assumiram a sua posição e, por isso, houve "uma queda muito forte da procura".

"Então vimos que não era ainda possível retornar ao mercado. No início do próximo ano tem que ser muito bem analisada para ver se a rota vale a pena", acrescentou.

As ligações Lisboa-Bissau estão a ser asseguradas pela Euroatlantic (companhia aérea do Grupo Pestana e Tomaz Metello), que opera em modelo de negócio mais flexível.

A realidade é simples e está a ser escamoteada:

-há acessibilidade aérea a Portugal para além da TAP, assegurada por companhia aérea portuguesa (post).

*”garantia” e “condição” para a TAP ser privatizada a 100%
Nas declarações de 14 de Novembro, o ministro da Economia vai mais longe e afirma que assegurar as obrigações de serviço público da companhia, "tem que ser sempre uma garantia e até uma condição para que a TAP possa ser privatizada a 100% algum dia" (aqui).

Depois de iludir os portugueses sobre “serviço público”, o governante não hesita em fazer dessa ‘garantia vazia’ (para utilizarmos designação suave) para os tranquilizar sobre o futuro depois da privatização da TAP.

*Declarações do secretário de estado dos Transportes:
A 19 de Novembro no Jornal de Negócios (aqui):

 
Segundo o i:

"A TAP é uma companhia de bandeira por estatuto, porque ela presta um serviço público na ligação às ilhas e um serviço fundamental na ligação à diáspora portuguesa", acrescentou o secretário de Estado ainda a propósito da venda da TAP. As obrigações actualmente impostas à companhia "serão mantidas independentemente de quem for o accionista futuro da TAP, (aqui).

Não será a última vez que o secretário de estado dos Transportes se embrulha com o conceito de ‘companhia de bandeira?, mas a questão essencial é outra:

-as ligações aos Açores justificam este alarido politico mediático? Ou a intenção é, a exemplo do ministro da Economia, embelezar a privatização da TAP?

A 20 de Dezembro em entrevista ao Dinheiro Vivo, o secretário de estado dos Transportes responde à pergunta “O que vão exigir aos candidatos?” e insiste que a TAP

-“ vai continuar a contribuir para as exportações portuguesas, a cobrir as obrigações de serviço público com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira e a cumprir as principais ligações à diáspora portuguesa e aos que estão a trabalhar em Angola e em Moçambique. Todas essas obrigações têm de ser cumpridas.” (aqui).

*Deslocado entusiasmo na imprensa económica de referência
A já analisada referência a “obrigações de serviço público que incumbam à TAP” no decreto-lei publicado a 24 de Dezembro de 2014 leva um diário económico de referência a embandeirar em arco:

 
A terminar, sublinha:

-“A expressão serviço público não constava do diploma de 2012, revogado com a entrada em vigor deste novo Decreto-Lei.” (aqui).

Os leitores do jornal de referência são duplamente enganados porque a exigência já figura no Caderno de Encargos de Outubro de 2012 e é irrelevante.

 

A Bem da Nação

Lisboa 15 de Janeiro de 2014

Sérgio Palma Brito

2015.01.31.DL.181-A.TAP.88.2.Serviço.Post

Notas

(1)A atitude é muito corrente na vida pública nacional mas a sua designação ainda não figura no Dicionário da Academia. Citamos o New Oxford Shorter: “The tendency to seek, or practice of seeking, distraction or relief of reality”.

(2)No site do INAC, o leitor mais curioso pode ir directamente a Obrigações de Serviço Público (aqui).

(3)Ver Decreto-Lei n.º 66/2008, de 9 de Abril (aqui) e Portaria n.º 316-A/2008 de 23 de Abril (aqui).

(4)No site do INAC, ver


(5)Ver o Correio dos Açores de 1 de Março de 2008. O link já não está operacional:

Actualidade de erros no processo de privatização da TAP em 2012



No post sobre Transparência e competência na privatização da TAP, formulamos críticas cuja origem remonta a erros relevantes que o governo comete durante o processo de privatização da TAP de 2012 (1).

A compreensão do que estes erros representam no processo de 2014/2015 ganha com o conhecimento das suas origens. Estão em causa

-o caso da Comissão de Acompanhamento de 2012,

-a coincidência de datas na publicação do caderno de encargos,

-a concepção e redacção dos critérios de avaliação e escolha das propostas dos investidores.

Subjacente a tudo isto está a interligação entre as privatizações da TAP e da ANA e

-a submissão de todo o processo à maximização do encaixe e diminuição da dívida,

-a integração do encaixe da venda da ANA no cálculo do deficit das contas publicas de 2012, o que provoca a o acelerar de prazos e formalidades.

 

*Informação ao leitor
O presente post tem versão em PDF está disponível (aqui) e é anexo ao que analisa o decreto-lei sobre o processo de privatização da TAP

-Transparência e competência na privatização da TAP (aqui),

O presente post insere-se em série sobre a privatização da TAP. Afirmações aqui feitas são justificadas em posts já publicados ou a publicar – terminada a sua publicação, actualizaremos os links.

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

 

1.Comissão de Acompanhamento de 2012

*Importância da Comissão de Acompanhamento
A “comissão especial para acompanhamento” é prevista no Artigo 20º da Lei-Quadro das Privatizações e

-“tem por incumbência apoiar tecnicamente o processo de reprivatização, de modo a garantir a plena observância dos princípios da transparência, do rigor, da isenção, da imparcialidade e da melhor defesa do interesse público.”.

Ao não instituir a comissão e nomear rapidamente os seus membros, o governo viola a disposição legal que estipula:

-“3 — Compete às comissões especiais acompanhar o processo de reprivatização, independentemente da forma e procedimentos que venham a ser concretamente adoptados para a sua concretização, designadamente:

a) Fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo;” (2).

*Decisão de não controlar a “rigorosa transparência do processo”
Em síntese,

-entre o inicio formal do processo de privatização (21 de Setembro de 2012) e a nomeação formal da Comissão (19 de Dezembro) decorrem noventa dias,

-entre a nomeação formal da Comissão (19 de Dezembro) e a decisão do Conselho de Ministros (20 de Dezembro) decorrem 24 horas.

É sempre possível dizer que os membros da Comissão são informados da decisão a 6 de Dezembro de 2012, mas tal não invalida o que afirmamos:

-a decisão política do governo é não permitir que a Comissão prevista na Lei-quadro das Privatizações possa “Fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo”.

Para reforçar esta afirmação, detalhamos a Cronologia das decisões políticas e o Trabalho da Comissão de Acompanhamento.

*Cronologia das decisões políticas
O decreto-lei 210/2012, de 21 de Setembro, que aprova a privatização da TAP é visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Agosto, promulgado pelo Presidente da República em 18 de Setembro, referendado pelo Primeiro-Ministro a 20 e publicado a 21 do mesmo mês.

A Resolução 88-A/2012, de 18 de Outubro aprova o caderno de encargos e estipula a constituição da Comissão Especial de Acompanhamento (3).

A 6 de Dezembro de 2012, há uma reunião informal dos futuros membros da Comissão com a Secretária de Estado do Tesouro e Presidente da Parpública (4).

O Despacho 15994/2012, de 11 de Dezembro da Presidência Do Conselho de Ministros “Nomeia os membros da comissão especial para o acompanhamento de reprivatização da TAP-Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. (TAP-SGPS, S.A.)”.

A 20 de Dezembro de 2012, a Resolução 111-B/2012Determina a conclusão do processo de reprivatização do capital social da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A., com a rejeição da proposta vinculativa apresentada.”.

*Trabalho da Comissão de Acompanhamento
Sobre o trabalho da Comissão:

-a 19 de Dezembro, dia da sua nomeação formal, a Comissão entrega um Parecer Intercalar,

-a 17 de Janeiro de 2013, a Comissão apresenta o Relatório Final, que tem em anexo o Parecer Intercalar de 19 de Dezembro,

-a 6 de Maio de 2013, o Relatório Final da Comissão é publicado no portal do governo (5).

 

2.Caderno de Encargos de 2012

*A mais do que estranha coincidência de datas
Em 2012 há uma coincidência que hesitamos em qualificar. A 18 de Outubro de 2012, são publicadas duas resoluções do governo:

-a que aprova o caderno de encargos,

-a que “Determina a admissão da Synergy Aerospace como potencial investidor de referência a participar no momento subsequente do processo de alienação das acções” (6).

Para além da mais do que estranha coincidência de datas,

-durante os dois meses de elaboração do Caderno de Encargos e da admissão da Synergy Aerospace, a Comissão de Acompanhamento não está nomeada e só o será quarenta dias sepois de ter sido instituída.

Por outras palavras, o governo continua a não cumprir a disposição legal sobre “Fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo.”.

*A estranha tolerância da Comissão de Acompanhamento
Passam dois meses. O Parecer Intercalar da Comissão de Acompanhamento datado de 19 de Dezembro limita-se a constatar:

-“o Caderno de Encargos, por principio destinado a predefinir, com efeitos para todos os potenciais concorrentes, as condições essenciais da operação, foi aprovado no mesmo dia em que se admitiu o potencial investidor a apresentar a respectiva proposta vinculativa.”.

 

3.Dois conjuntos de critérios para escolher o comprador

*Os critérios em causa
No processo de privatização de 2012, o governo define dois conjuntos de processos que detalhamos em


Em síntese,

-no Decreto-Lei n.º 210/2012, de 21 de Setembro, os “critérios de selecção das intenções de aquisição ou subscrição para integração dos potenciais investidores em subsequentes etapas do processo de venda directa”,

-na Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2012, de 18 de Outubro, os “critérios a utilizar para a selecção de uma ou mais entidades que procedam à aquisição e à subscrição de acções”.

Citamos o parecer da Comissão de Acompanhamento [o sublinhado é nosso]:

-“Todavia, quer os critérios de selecção das intenções de aquisição e subscrição das acções, quer, sobretudo, os de selecção dos potenciais investidores concorrentes e das respectivas oferta são concebidos de tal modo, que, se tivesse sido necessário aplicá-los, dificilmente seria possível um controlo objectivo da sua aplicação.”.

 

A Bem da Nação

Lisboa 15 de Janeiro de 2015

Sérgio Palma Brito

 

2015.01.31.DL.181-A.TAP.88.1.Actualidade.Post

 

Notas

(1)O leitor mais curioso deve ler o post “Privatizacao-da-tap (2) – O Sucesso da TAP no Futuro”.

(2)Lei n.º 50/2011, de 13 de Setembro. Altera (segunda alteração) e republica em anexo a Lei Quadro das Privatizações, aprovada pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril (tretas.org).

(3)Por extenso a Resolução 88-A/2012, de 18 de Outubro “Aprova o caderno de encargos (constante do anexo I) aplicável à 3.ª fase da operação de reprivatização da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S. A. (TAP - SGPS, S. A.), e fixa algumas das condições aplicáveis (anexo II) à oferta pública de venda a realizar no âmbito da 4.ª fase do processo de reprivatização da TAP - SGPS, S. A.”.

(4)Relatório final da Comissão Especial para o Acompanhamento da Privatização da TAP-SGPS, SA e Relatório Preliminar de 19 de Dezembro de 2012 (aqui).

(5)Idem, Nota (4).

(6)Sobre aprovação do Caderno de Encargos, ver Resolução da Nota (3). A Resolução 88-B/2012, de 18 de Outubro “Determina a admissão da Synergy Aerospace como potencial investidor de referência a participar no momento subsequente do processo de alienação das ações objeto da venda direta no âmbito da 3.ª fase do processo de reprivatização da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S. A.”.

 

Transparência e competência na privatização da TAP


O decreto-lei que formaliza a privatização da TAP é aprovado em 13 de Novembro de 2014 e publicado a 24 de Dezembro (1). A sua leitura põe em evidência seis fragilidades a exigir escrutínio público em que devemos participar:

-Menosprezar a Comissão de Acompanhamento,

-Venda directa sem orientações estratégicas e “única via”,

-Critérios de difícil “controlo objectivo da sua aplicação”,

-Alternativa à “impossibilidade” da capitalização pública da TAP,

-“obrigações de serviço público” e ilusão do serviço público,

-A preocupante delegação de competências.

O governo tem mandato democrático para privatizar a TAP mas não respeita as exigências legais e cívicas de transparência, e abusa de manifestações de incompetência. Nada disto é original em Portugal, mas a importância da privatização da TAP não permite complacência. É isto que está em causa.

 

*Informação ao leitor
O presente post tem versão em PDF está disponível (aqui) e é directamente apoiado por dois outros:

-Actualidade de erros no processo de privatização da TAP em 2012 (aqui)

-Privatização da TAP – realidade e ilusão de ‘garantir serviço público’ (aqui).

O presente post insere-se em série sobre a privatização da TAP. Afirmações aqui feitas são justificadas em posts já publicados ou a publicar – terminada a sua publicação, actualizamos os links.

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

  

1.Menosprezar a Comissão de Acompanhamento

*Tribunal de Contas como alibi?
O governo afirma querer “reforçar a absoluta transparência e concorrência” no processo de privatização da TAP e para o efeito

-“decidiu colocar à disposição do Tribunal de Contas todos os elementos informativos respeitantes aos procedimentos adoptados no âmbito da referida operação”.

Admitimos a bondade desta decisão, mas ela mais parece ser alibi do que desígnio. No essencial

-o governo menospreza a transparência no processo de privatização da TAP ao não instituir a “comissão especial para acompanhamento” no decreto-lei publicado a 24 de Dezembro.

*A fundamental importância da comissão de acompanhamento
A “comissão especial para acompanhamento” é prevista no Artigo 20º da Lei-Quadro das Privatizações e

-“tem por incumbência apoiar tecnicamente o processo de reprivatização, de modo a garantir a plena observância dos princípios da transparência, do rigor, da isenção, da imparcialidade e da melhor defesa do interesse público.”.

Ao não instituir a comissão e nomear rapidamente os seus membros, o governo viola a disposição legal que estipula:

-“3 — Compete às comissões especiais acompanhar o processo de reprivatização, independentemente da forma e procedimentos que venham a ser concretamente adoptados para a sua concretização, designadamente:

a) Fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo;” (2).

*Repetir o inaceitável precedente de 2012?
Passado mais de três semanas sobre a publicação do decreto-lei de 24 de Dezembro, é urgente obter resposta a uma pergunta:

-vai o governo repetir o inaceitável precedente de 2012 de não permitir que a Comissão de Acompanhamento possa “Fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo”?

Com efeito e como mostramos no Anexo 1,

-entre o inicio formal do processo de privatização (21 de Setembro de 2012) e a nomeação formal da Comissão (19 de Dezembro) decorrem noventa dias,

-entre a nomeação formal da Comissão (19 de Dezembro) e a decisão do Conselho de Ministros (20 de Dezembro) decorrem 24 horas.

É sempre possível dizer que os membros da Comissão são informados da decisão a 6 de Dezembro de 2012, mas tal não atenua a realidade

-em2012, a decisão política do governo é não permitir que a Comissão prevista na Lei-quadro das Privatizações possa “Fiscalizar a estrita observância dos princípios e regras consagrados na lei, bem como da rigorosa transparência do processo”.

 

2.Venda directa sem orientações estratégicas e “única via”

*Venda directa a accionista e projecto estratégico para a TAP
A opção do governo pela modalidade de venda directa a accionista de referência é legítima e adequada, mas

-“torna decisiva a apresentação de um projecto estratégico para a empresa associada à necessidade de traduzir esse projecto estratégico em compromissos juridicamente vinculativos” (3).

O decreto-lei reduz o “decisiva” a

-apenas exigir que os candidatos apresentem “adequado projecto estratégico”, que preveja “o crescimento da TAP” e “o crescimento e desenvolvimento da economia nacional”, mas

-de facto, faz deste projecto um dos mais importantes critérios de selecção (4).

Num processo conduzido com rigor, o governo define previamente as orientações estratégicas da privatização da TAP, as quais

-alinham os projectos estratégicos apresentados pelos concorrentes,

-permitem a sua avaliação objectiva,

-dão base racional à escolha do investidor de referência.

Mostramos a seguir que o governo não só não define orientações estratégicas para a TAP como abusa do argumento da “única via” para escapar (de escapism) a definição das que se impõe definir.

*Ausência de orientações estratégicas para a TAP
Segundo o preâmbulo do decreto-lei, a opção pela modalidade de venda directa de referência é a que

-“os interesses públicos subjacentes à operação”,

-“as opções estratégicas do Governo para este sector” (5).

Salvo erro nosso, o governo ainda não explicitou estes interesses e opções.

Antes de avançar com a privatização da TAP o governo devia ter definido o que designamos por “orientações estratégicas da privatização da TAP”, no âmbito da acessibilidade aérea competitiva a Portugal (post). Incapaz de explicitar estas orientações, o governo fica reduzido a

-justificar a privatização da TAP pela imediata necessidade da sua capitalização,

-considerar “impossível” a capitalização pública,

-intervenções públicas dispersas e contraditórias sobre serviço público (aqui).

*Falso argumento da “única via” e escapism do governo
O decreto-lei formaliza a orientação oficial justifica a privatização como “única via” para assegurar a recapitalização, “condição essencial para que a empresa possa prosseguir o seu esforço de investimento”.

Como mostramos a seguir, não há “única via” porque há alternativa da capitalização pública. Na realidade o governo quer escapar (6) à definição de orientações estratégicas incómodas e de entre as quais citamos:

-a TAP carece de reestruturação profunda de que a capitalização é um instrumento entre outros,

-ninguém capitaliza uma empresa com problemas sem a reestruturar,

-sem reestruturação privada ou publica, a TAP caminha para falência mais ou menos desordenada – só a ministra das Finanças reconhece a realidade: “a TAP ou é privatizada ou está condenada a desaparecer”.

Esta é a realidade que o projecto estratégico dos candidatos não pode ignorar e que define a sua validade e adequação às reais exigências da privatização da TAP.

*Dificuldade na avaliação e escolha dos projectos estratégicos
Na ausência de orientações estratégicas nacionais da privatização da TAP, o País fica dependente

-dos projectos estratégicos apresentados por cada um dos candidatos,

-de uma decisão que o governo toma sem base objectiva para escolher o melhor.

 

3.Critérios de difícil “controlo objectivo da sua aplicação”

*Em 2012 – critérios de selecção e escolha criticados pela Comissão de Acompanhamento
Em 2012, o governo define dois conjuntos de critérios, um para a avaliação das intenções e outro para a escolha do investidor – ver o texto completo em Anexo (Aqui).

Acontece que em 2012 estes critérios são desacreditados pelo Parecer Prévio da Comissão de Acompanhamento:

-“Todavia, quer os critérios de selecção das intenções de aquisição e subscrição das acções, quer, sobretudo, os de selecção dos potenciais investidores concorrentes e das respectivas ofertas são concebidos de tal modo, que, se tivesse sido necessário aplicá-los, dificilmente seria possível um controlo objectivo da sua aplicação.” (7).

*Em 2014, insistir no erro de 2012
No decreto-lei de 2014, o governo define

-“critérios de selecção das intenções de aquisição para integração dos potenciais investidores em subsequentes etapas do processo de venda directa e para a escolha das propostas objecto de adjudicação”.

Estes critérios são quase ‘cópia/cola’ dos definidos em 2012 para a avaliação – ver ponto A.1 do Anexo.

Ficamos reduzidos à situação em que

-o governo vai escolher o investidor de referência com base em critérios que dificultam “um controlo objectivo da sua aplicação.”.

*Nota sobre o critério das obrigações de serviço público
Em relação a 2012, o governo inclui um critério aparentemente novo:

-“d)A capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações de serviço público que incumbam à TAP;”.

Como demostramos em no post de apoio, o critério

-não é novo, porque em 2012 figura no Caderno de Encargos,

-é irrelevante porque apenas se aplica a algumas rotas e frequências entre a Região Autónoma dos Açores e o Continente e actualmente em curso de liberalização.

 

4.Alternativa à “impossibilidade” da capitalização pública da TAP

*A falsa “única via” para recapitalizar a TAP 
O decreto-lei publicado a 24 de Dezembro é aprovado pelo Conselho de Ministros 13 de Novembro (aqui). No texto do preâmbulo que é anterior a esta data,

-o governo afirma que perante a “impossibilidade de ser o Estado, enquanto accionista, a assumir a necessária recapitalização da TAP”, a privatização da TAP “surge como a única via para atingir este objectivo”.

A afirmação não é verdadeira porque

-a capitalização da TAP pode ser assegurada pelo Estado, com recurso a deficit/dívida e sujeita a acordo da União Europeia, mediante condições e programa de reestruturação imposto pela Comissão (8).

O governo erra quando não explicita que

-a alternativa à privatização é a ajuda do Estado à TAP, com centenas de milhões de euros de deficit publico e dívida, e com a Comissão a impor um duro programa de reestruturação da empresa (post a publicar).

*Contradição no governo e “impossibilidade” como opção politica
Em 5 de Dezembro no Parlamento, o ministro da Economia insiste na “impossibilidade”:

-“Um Estado não pode injectar capital nas empresas [de aviação], salvo uma circunstância excepcional: só em razão de um plano de salvamento. E só se pode fazer uma vez e a TAP já o fez” (aqui).

O ministro

-baseia-se na ajuda decisão da Comissão em 1994 terminar com “Em conformidade com a legislação comunitária, Portugal se abstenha de conceder mais auxílios à TAP”, mas

-omite que as novas regras de ajuda do Estado de 2014 apenas impõem um prazo de dez anos entre ajudas (9).

A 17, o secretário de estado dos Transportes contradiz o ministro da Economia e transforma a “impossibilidade” em opção politica. Com efeito,

-refere que a União Europeia impõe que a capitalização pública implique, entre outros, “diminuição de rotas e despedimento de pessoas”,

-reconhece ser a defesa do serviço da TAP por inteiro que “nos impede de olhar para esta hipótese” e por isso “acreditamos que é impossível injectar dinheiro na TAP” (aqui).

Reconheçamos que há diferença colossal e robusta entre impossível e alguém considerar que é impossível porque não quer optar pela alternativa.

*Criar mais uma ilusão?
A 17 de Dezembro, o secretário de estado dos Transportes vai mais longe, ao afirmar que

-a capitalização pelo Estado implica programa de reestruturação com “diminuição de rotas e despedimento de pessoas”, dando lugar a “uma TAP porventura mais rentável, mas que também não cumpriria a função estratégica que hoje cumpre.” (aqui).

O leitor é levado a concluir que o accionista privado que é suposto capitalizar a TAP o fará sem uma reestruturação profunda e custosa da empresa. Como veremos em outro post o governante ilude os portugueses e escapa a tomar posição sobre as opções estratégicas da privatização da TAP, como vimos antes (post a publicar).

 

5.“obrigações de serviço público” e ilusão do serviço público

*Quando o rato pare uma montanha
A supersíntese do que segue resume-se a

-o decreto-lei formalmente aprovado a 13 de Novembro e elaborado semanas antes apenas refere “obrigações de serviço público que incumbam à TAP”,

-na prática são ligações entre o Continente e Açores, actualmente em curso de liberalização,

-para além desta realidade comezinha, todo o discurso político sobre ‘serviço público’ é mero ilusionismo político.

No articulado, um dos critérios de selecção das intenções e escolha das propostas recupera um dos critérios que em 2012 figura no Caderno de Encargos:

-“d)A capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações de serviço público que incumbam à TAP.”.

Contrariamente ao veiculado por diário económico de referência não é verdade que “Governo exige que novo dono da TAP cumpra serviço público, ao contrário de em 2012” (aqui).

*A ilusão do serviço público
O governo tem a obrigação de saber que a “obrigação de serviço público” tem definição legal a nível de Portugal e da União Europeia, pelo que não é decisão livre do estado português nem passível de fantasia politica (10). Por outro lado, o rigor do decreto-lei data da sua elaboração em Setembro ou Outubro de 2012, mas não impede que governantes

-criem cacofonia de declarações sobre a substância do serviço público que a TAP privada será obrigada a prestar,

-assegurem que a obrigação de serviço público "tem que ser sempre uma garantia e até uma condição para que a TAP possa ser privatizada a 100% algum dia" (aqui).

Dada a importância da cacofonia e desta “garantia”, consagramos um post ao assunto (aqui).

 

6.A preocupante delegação de competências
Vale a pena citar o Artigo do decreto-lei sobre delegação de competências:

-“Para a realização da operação de reprivatização regulada pelo presente diploma, são delegados na Ministra de Estado e das Finanças, com faculdade de subdelegação na Secretária de Estado do Tesouro, os poderes bastantes para definir o preço unitário de subscrição ou alienação das acções, para determinar as condições acessórias que se afigurem convenientes e para praticar os actos de execução que se revelem necessários à concretização da operação de reprivatização.”.

Se atendermos à importância da TAP para a Economia, é estranho que esta delegação de poderes exclua o ministério da dita.

Mais do que estranho, esta delegação é preocupante porque em 2012,

-a privatização da ANA e TAP foram apressadas e integradas nas contas do deficit publico,

-a privatização da ANA foi subordinada ao encaixe financeiro, em detrimento do fomento da Economia – entre outros, os recentes aumentos das taxas aeroportuárias resultam desta prioridade.

 

A Bem da Nação

Lisboa 15 de Janeiro de 2015

Sérgio Palma Brito

 

Notas

(1)Decreto-Lei nº 181-A de 24 de Dezembro de 2014 “Aprova o processo de reprivatização indirecta do capital social da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S. A.” (tretas.org). A “reprivatização indirecta do capital social da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S. A.” resulta da reprivatização ter “lugar mediante a reprivatização do capital social da TAP – SGPS, S. A.”.

No presente post, a expressão corrente de  ‘privatização da TAP’ refere este processo que não detalhamos para não complicar o texto.

(2)Lei n.º 50/2011, de 13 de Setembro. Altera (segunda alteração) e republica em anexo a Lei Quadro das Privatizações, aprovada pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril (tretas.org)

(3)Sérgio Gonçalves do Cabo, Privatizações em tempos de crise, ver (aqui).

(4)O texto completo do critério é: “b) A apresentação de um adequado projeto estratégico, tendo em vista a promoção do crescimento da TAP, com respeito pelo cumprimento dos objetivos delineados pelo Governo para este processo de reprivatização, a promoção do reforço da sua posição concorrencial enquanto operador de transporte aéreo à escala global nos mercados atuais e em novos mercados, bem como o crescimento e desenvolvimento da economia nacional;”.

(5)O preâmbulo do decreto-lei de 24 de Dezembro lista ainda objectivos genéricos da Lei Quadro das Privatizações – ver slide sobre a Revisão da Lei Quadro das Privatizações na apresentação da nota (4).

(6)A atitude é muito corrente na vida pública nacional mas a sua designação ainda não figura no Dicionário da Academia. Citamos o New Oxford Shorter: “The tendency to seek, or practice of seeking, distraction or relief of reality”.

(7)Relatório final da Comissão Especial para o Acompanhamento da Privatização da TAP-SGPS, SA e Relatório Preliminar de 19 de Dezembro de 2012 (aqui).

(8)Ver o documento “State aid for airline restructuring: does it give you wings?” de 9 de Julho de 2014 (aqui).

Para mais detalhe, ver “Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade” (aqui).

(9)Ver 94/698/CE: Decisão da Comissão, de 6 de Julho de 1994, relativa ao aumento de capital, garantias de crédito e isenção fiscal existente em favor da TAP (aqui). Sobre as novas regras, ver Nota (8).

(10)No site do INAC, o leitor mais curioso pode ir directamente a Obrigações de Serviço Público (aqui).