O
decreto-lei de 24 de Dezembro que formaliza a privatização da TAP apenas refere
“obrigações de serviço público que incumbam à TAP”. Na prática, estas
obrigações abrangem apenas ligações entre o Continente e Açores actualmente em
curso de liberalização, e não justificam o alarido politico sobre o assunto.
Depois de
descrevermos a realidade, analisamos declarações políticas sobre a TAP e o
‘serviço público’. Em síntese,
-as
declarações alargam o serviço publico a rotas que o accionista privado da TAP terá
de assegurar e misturam erros factuais e confusão de conceitos que não
esperamos encontrar em governantes com responsabilidade directa na privatização
da TAP,
-os mesmos
governantes apresentam esta mistura inconsistente de rotas como “garantia” e “condição”
da TAP ser privatizada a 100%, assim tranquilizando os portugueses.
A
explicação possível desta cacofonia política reside no escapismo (1) que
identificamos no posicionamento do governo. Na ocorrência, trata-se de
embelezar a privatização e escapar a afirmar uma dimensão da realidade:
-a TAP,
publica ou privada, tem que ser uma empresa viável em mercado aberto e só opera
rotas e frequências onde a sua competitividade não comprometa, antes reforce, a
viabilidade deque depende para sobreviver.
*Informação ao leitor
O presente
post tem versão em PDF está disponível (aqui)
e é anexo ao que analisa o decreto-lei sobre o processo de privatização da TAP
-Transparência
e competência na privatização da TAP (aqui).
O presente
post insere-se em série sobre a privatização da TAP. Afirmações aqui feitas são
justificadas em posts já publicados ou a publicar – terminada a sua publicação,
actualizaremos os links.
1.Realidade das “obrigações de serviço público”
*Conceito de obrigação de serviço
público
A “obrigação
de serviço público” tem definição legal a nível de Portugal e da União
Europeia. Não é decisão livre do estado português nem passível de fantasia
politica (2). No essencial,
-pode ser imposta
a uma transportadora aérea que é obrigada a operar rotas e frequências que não
operaria se atendesse apenas aos seus interesses comerciais,
-é limitada
a rotas entre aeroportos do mesmo território nacional, o que em Portugal nos
reduz às ligações entre o Continente e as Regiões Autónomas.
Antecipamos
a análise da ilusão politica para sublinhar que, entre outros, as obrigações de
serviço público não têm nada a ver com a TAP servir a diáspora ou os países da
CPLP.
*Ligações com a Região Autónoma da
Madeira
No caso das
ligações entre o Continente e a Região Autónoma da Madeira, em 2008 o governo
de maioria absoluta do PS,
-considera
que “a liberalização do mercado do transporte aéreo para a Região Autónoma da
Madeira pode trazer benefícios ao nível das tarifas a praticar, tendo em conta
a actuação das regras da concorrência num mercado aberto a todos os operadores”
-entende “pôr
termo à imposição de obrigações de serviço público para a Região Autónoma da
Madeira, designadamente em matéria de fixação de tarifas”,
-aguarda
que “as regras de funcionamento de mercado permitam, a curto prazo, uma redução
dos preços praticados para aquela Região e consequentemente um aumento do
número de passageiros, com um incremento significativo ao nível do turismo.” (3).
Em síntese,
-desde 2008
não há voos de obrigação de serviço publico entre o Continente e a Região
Autónoma da Madeira.
*Ligações com a Região Autónoma dos
Açores
Diferente é
o caso das ligações com a Região Autónoma dos Açores. Em 2010, a Comunicação da
Comissão detalha a “Imposição de obrigações modificadas de serviço público a
determinados serviços aéreos regulares” (4).
Mesmo no
caso dos Açores há dificuldades, de que o título do Correio dos Açores é um
exemplo:
Do texto,
citamos:
Caso a TAP
decida não concorrer, tudo indica que será a SATA a assegurar, em exclusivo, as
ligações aéreas inter-ilhas e para o exterior do arquipélago, pelo menos até à
existência de um regime de liberalização como vai acontecer já este ano na
Madeira.” (5).
2.A ilusão política sobre ‘garantir
serviço público’
*Decreto-lei aprovado a 13 de
Novembro de 2014
O preâmbulo
do decreto-lei não refere ‘serviço público’ mas sim “uma
empresa que apresenta forte ligação ao país” e para manter essa ligação é “relevante
privilegiar a manutenção do seu pendor característico enquanto «companhia
bandeira»”.
Importa esclarecer que o conceito de «companhia bandeira»
não tem definição formal, e que o seu significado varia ao longo do tempo e
segundo os países. No Portugal de 2014 e apesar da TAP ser estatal, o conceito
de «companhia bandeira» não é relevante, o que deveria impedir a sua utilização
em diploma legal.
No articulado, um dos critérios de “selecção das intenções
de aquisição” e “escolha das propostas objecto de adjudicação” é:
-“d)A
capacidade para assegurar o cumprimento, de forma pontual e adequada, das obrigações
de serviço público que incumbam à TAP.”.
*O entendimento de “serviço público”
pelo ministro da Economia
A 14 de
Novembro, o site do CDS informa:
-“O
ministro da Economia diz que a venda da TAP é uma decisão corajosa do Governo
que protege os interesses do país. Pires de Lima garante que o futuro comprador
tem de continuar a assegurar um serviço público aos portugueses e às
comunidades lusófonas” (aqui).
As declarações
do ministro da Economia são mais detalhada pela Lusa:
-"Em qualquer caso serão sempre garantidas obrigações de serviço
público. Voos para a Guiné? Claro que o futuro accionista da TAP tem que
garantir. Voos para os Açores e para a Madeira? Claro que o futuro accionista
da TAP tem que garantir. Voos para as comunidades lusófonas? Faz parte do
caderno de encargos",
"São condições que nós protegeremos de uma forma reforçada enquanto
tivermos 34% do capital e que protegeremos de outra forma se deixarmos de estar
no capital, se isso eventualmente vier a acontecer" (aqui).
O ministro da Economia
-viola a definição legal de obrigações de serviço público, definidas no
ponto anterior,
-ilude os portugueses sobre uma realidade escamoteada: a TAP, publica ou
privada, só pode garantir as ligações aéreas que não comprometam a sua
viabilidade.
Mais concretamente,
-no caso da Guiné é desmentido pela realidade dos factos e pelo CEO da TAP
– ver item a seguir,
-no caso dos voos para Açores e Madeira é desmentido pela realidade e pela
Lei,
-no caso das comunidades lusófonas, é desmentido pela realidade actual (a
TAP não voa para Canadá e África do Sul, entre outros) e pela realidade da TAP
só poder voar para destinos que não comprometam a sua viabilidade.
*Ligações com Bissau – a actualidade
desmente o ministro
O texto
deste item é justificado no post “Privatização da TAP – quando a realidade do
mercado contraria o equívoco politico” (aqui), de que retemos o essencial.
Depois das declarações do ministro da Economia, a 9 de Dezembro e em entrevista
ao i (aqui),
-o CEO
Fernando Pinto informa que os voos da TAP Lisboa/Bissau suspensos desde
Dezembro de 2013, não são retomados, apesar de já ter "a garantia das
autoridades que as condições de segurança estão reunidas".
E porque
não são retomados?
-"A
razão principal é mercado mesmo. Chegámos a fazer uma pesquisa para ver como
estavam as possibilidades, mas temos uma procura muito baixa do mercado".
Fernando Pinto adianta que, quando a TAP
suspendeu a operação, "outras empresas" assumiram a sua posição e,
por isso, houve "uma queda muito forte da procura".
"Então vimos que não era ainda possível
retornar ao mercado. No início do próximo ano tem que ser muito bem analisada
para ver se a rota vale a pena", acrescentou.
As ligações
Lisboa-Bissau estão a ser asseguradas pela Euroatlantic (companhia aérea do
Grupo Pestana e Tomaz Metello), que opera em modelo de negócio mais flexível.
A realidade é simples e está a ser escamoteada:
-há acessibilidade aérea a Portugal para além da TAP, assegurada por
companhia aérea portuguesa (post).
*”garantia” e
“condição” para a TAP ser privatizada a 100%
Nas declarações de 14 de Novembro, o ministro da Economia vai mais longe e
afirma que assegurar as obrigações de serviço público da companhia, "tem
que ser sempre uma garantia e até uma condição para que a TAP possa ser
privatizada a 100% algum dia" (aqui).
Depois de iludir os portugueses sobre “serviço público”, o governante não
hesita em fazer dessa ‘garantia vazia’ (para utilizarmos designação suave) para
os tranquilizar sobre o futuro depois da privatização da TAP.
*Declarações do secretário de estado
dos Transportes:
A 19 de
Novembro no Jornal de Negócios (aqui):
"A
TAP é uma companhia de bandeira por estatuto, porque ela presta um serviço
público na ligação às ilhas e um serviço fundamental na ligação à diáspora
portuguesa", acrescentou o secretário de Estado ainda a propósito da venda
da TAP. As obrigações actualmente impostas à companhia "serão mantidas
independentemente de quem for o accionista futuro da TAP, (aqui).
Não será
a última vez que o secretário de estado dos Transportes se embrulha com o
conceito de ‘companhia de bandeira?, mas a questão essencial é outra:
-as
ligações aos Açores justificam este alarido politico mediático? Ou a intenção
é, a exemplo do ministro da Economia, embelezar a privatização da TAP?
A 20 de
Dezembro em entrevista ao Dinheiro Vivo, o secretário de estado dos Transportes
responde à pergunta “O que vão exigir aos
candidatos?” e insiste que a TAP
-“ vai continuar a contribuir
para as exportações portuguesas, a cobrir as obrigações de serviço público com
as regiões autónomas dos Açores e da Madeira e a cumprir as principais ligações
à diáspora portuguesa e aos que estão a trabalhar em Angola e em Moçambique.
Todas essas obrigações têm de ser cumpridas.” (aqui).
*Deslocado entusiasmo na imprensa
económica de referência
A já
analisada referência a “obrigações de serviço público que incumbam à TAP” no
decreto-lei publicado a 24 de Dezembro de 2014 leva um
diário económico de referência a embandeirar em arco:
-“A
expressão serviço público não constava do diploma de 2012, revogado com a
entrada em vigor deste novo Decreto-Lei.” (aqui).
Os leitores
do jornal de referência são duplamente enganados porque a exigência já figura no
Caderno de Encargos de Outubro de 2012 e é irrelevante.
A Bem da
Nação
Lisboa 15
de Janeiro de 2014
Sérgio
Palma Brito
2015.01.31.DL.181-A.TAP.88.2.Serviço.Post
Notas
(1)A
atitude é muito corrente na vida pública nacional mas a sua designação ainda
não figura no Dicionário da Academia. Citamos o New Oxford Shorter:
“The tendency to seek, or practice of seeking, distraction or relief of
reality”.
(2)No site
do INAC, o leitor mais curioso pode ir directamente a Obrigações de Serviço
Público (aqui).
(3)Ver
Decreto-Lei n.º 66/2008, de 9 de Abril (aqui) e Portaria n.º
316-A/2008 de 23 de Abril (aqui).
(4)No site do INAC, ver
(5)Ver o
Correio dos Açores de 1 de Março de 2008. O link já não está operacional: