Substituir o avião pelo comboio – onde estamos?

 

Pode o comboio diminuir o tráfego de passageiros no aeroporto de Lisboa?

1.A hipótese do comboio diminuir o tráfego de passageiros no aeroporto de Lisboa foi levantada ao ponto de questionar a necessidade da sua construção. E até haveria uma política europeia de interditar voos que pudessem ser substituídos pelo comboio. Em nenhum momento foi apresentada base analítica sólida a confirmar estas afirmações.

Vamos ver o modelo teórico da substituição do avião pelo comboio e sua aplicação possível a Portugal. Apresentamos casos concretos em que avião e comboio disputam a procura e em que o mercado decide. Por fim, damos uma ideia do contexto europeu.

2.Em França, o modelo da substituição do avião pelo comboio é o seguinte:

-até às 3 horas de viagem, o comboio é a escolha dominante,

-a partir de 6 horas de viagem de comboio, o avião é claramente a escolha dominante,

-entre 3 e 6 horas, a perda do recurso ao comboio acentua-se.

Estas conclusões são confirmadas pelo bom senso.

Gráfico 1

 


Fonte – Apresentação do eng.º Carlos Fernandes no recente Congresso da AFEDERSIT.

3.A aplicação deste modelo à geografia da Península Ibérica é ilustrada pelo gráfico seguinte.

Gráfico 2


 

Fonte – Apresentação do eng.º Carlos Fernandes no recente Congresso da AFEDERSIT.

 

4.O gráfico seguinte ilustra os Corredores Planeados do Projeto de Alta Velocidade em Portugal.

Gráfico 3


 

Fonte – Fonte – Apresentação do eng.º Carlos Fernandes no recente Congresso da AFEDERSIT.

Em termos práticos,

-Lisboa/Porto e Porto/Vigo em AV estarão operacionais em 2032 e Lisboa a Madrid em 2034,

-no caso do Porto, os corredores planeados para a Alta Velocidade exigem viajar via Lisboa,

-o caso do aeroporto de Faro será analisado em post posterior.

5.Parece ser ideia corrente a do comboio como alternativa ao avião como algo de novo e inovador que é necessário impor.

As pessoas não são estupidas e desde há muito que gerem a alternativa avião/comboio com racionalidade.

Esta gestão é mais significativa quando a alternativa ferroviária é realmente uma alternativa.

O OAG consagrou um texto a este assunto e dele respigamos as rotas onde o número de frequências desceu mais de 40% entre 2000/2023.

Gráfico 4


 

Fonte – Elaboração própria com base em OAG.

Todas estas rotas são do mercado doméstico dos países em causa e so há Alta Velocidade de 300+km/h entre Madrid e Barcelona.

Em síntese,

-assim haja políticas publicas que criem a alternativa ferroviária ao avião, as pessoas aderem sem ser necessário ‘proibir’ ou pregar,

-os preços tenderão a diminuir, algo de incompreensível para o pensamento dominante em Portugal.

6.A nível da União Europeia não encontrámos traça de política ou regulamento sobre a substituição do avião pelo comboio.

As propostas do governo dos Países Baixos em reduzir o tráfego aéreo em Schipol têm implícito o alargar do recurso ao avião.

O leitor interessado em aprofundar este tema, pode começar por consultar:

-Transport and environment report 2022 digitalisation in the mobility system: challenges and opportunities

-How fast are rail trips between EU cities and is rail faster than air?

As ideias sobre esta substituição pareciam estar limitadas ao Pentágono do desenvolvimento económico da Europa.

Gráfico 5


 

A referência ao Pentágono não é descabida.

O Relatório da Comissão Técnica Independente está baseado em duas realidades do Pentágono transpostas para o descampado de Samora Correia, num País pobre e no extremo ocidental da Europa:

-um aeroporto hub de duas companhias e com projeção megalómana de tráfego,

-a criação de uma Cidade Aeroportuária no modelo de Schipol (Amesterdão) e Francoforte.

Ver https://drive.google.com/file/d/12RghWNJshebQR9Lf8wXlWKAX9B-XNrsO/view?usp=drive_link

 

7.O gráfico 4 mostra como a substituição do avião pelo comboio ocorre fora do Pentágono, assim haja importantes aglomerações urbanas e oferta de transporte ferroviário que concorra com o avião.

Na abundante literatura sobre Modelling the spatial structure of Europe, que escapa ao âmbito deste blogue, sugerimos o modelo do projeto ESPON.

Gráfico 6


Fonte – https://archive.nordregio.se/en/Metameny/About-Nordregio/Journal-of-Nordregio/2006/Journal-of-Nordregio-no-3-2006/Viewpoint---Lets-say-farewell-to-the/index.html

 

7.Declaração de interesses – em 2008, na qualidade de diretor geral da Confederação do Turismo Português, acompanhei o Estudo da Deloitte sobre a sustentabilidade do tráfego na linha de Alta Velocidade Lisboa/Madrid.

A sustentabilidade da exploração, adquirido um desvio de passageiros do avião para o comboio, dependia de a nova oferta ferroviária gerar uma nova e importante procura turística.

O que por sua vez, dependia da capacidade a oferta de turismo desenvolver programa de marketing & vendas em ambas as aglomerações, com destaque para a de Madrid.

Quem viver verá.

 

Lisboa 11 de dezembro de 2024

 

Post da série Análise crítica de algumas ideias e palavras correntes

 

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