Futuro da TAP para além do Governo, Comissão Europeia e opiniões

 Este texto de opinião é publicado no publico on-line. Vale por si e por ser a estrutura da entrevista dada ao semanário Nascer do Sol, que publicamos no post seguinte.


Apresentamos os dados objetivos que condicionam o futuro da TAP, para além do Plano de Reestruturação do Governo e da decisão da Comissão que o aprovará com condições. E para além das notícias a mais, informação a menos e abundância de opiniões.

Mercado único do transporte aéreo (1992) e Liberalização (1993)

A regulação internacional do transporte aéreo dos anos 1940/50 é concebida para companhias estatais e ausência de concorrência. Da Nacionalização (1975) até ao Auxílio de Estado de 1994, a TAP ‘companhia de bandeira’ custa aos contribuintes 2429 milhões de euros em diversos apoios públicos (atualizados a 2020).

Em 1992/93, a Regulação do transporte aéreo na Área Económica Europeia exclui da decisão nacional Auxílios de Estado e Obrigações de Serviço Publico. Ao criar mercado aberto e de livre e intensa concorrência, exclui que as companhias possam suportar custos como os de nomeações políticas e operação de rotas deficitárias. Esta Regulação é concebida para ‘transportadoras aéreas europeias’ privadas com agilidade em adaptar-se às alterações do mercado.

As obsoletas ’companhias de bandeira’ passam por privatizações e reestruturações penosas e estruturantes que as tornam competitivas. Por outro lado, consolidam-se em três grandes grupos, na resposta à concorrência das congéneres dos EUA e das ‘companhias do Golfo’.

A TAP no Mercado Único do Transporte Aéreo e Liberalização

Entre 1993/94, a TAP é a primeira companhia de bandeira a ser reestruturada, financiada e privatizada a partir de 1997, por não ter massa crítica para operar no Mercado Único. A Empresa perde 33% dos trabalhadores, mas em 2000 está de novo à beira da insolvência, porque despedir pessoal é condição necessária, mas não suficiente. É lição para 2021?

A partir de 2001, Fernando Pinto e hub Brasil conseguem iludir a tripla incapacidade do acionista Estado: financiar, restruturar e privatizar a Empresa. Em dezembro de 2015, só a privatização evita a insolvência. David Neeleman arrasta o grupo chinês HNA, que financiará a TAP e fará de Lisboa o hub na rota China/Américas com a Hainan Airways. Chega a falar de sete voos semanais para a China e de como “É bom ter um tio rico”.

Em 2016, o Governo da “geringonça” inverte a privatização, fica com 50% do capital, assume a responsabilidade política numa TAP de aparente futuro promissor, mas vai contra o espírito da Regulação Europeia. O drama desta TAP é, por volta de 2017, perder o financiador e o hub China. Os resultados de 2018 são maus e, a partir de meados do ano, é certo ser necessário Auxílio de Estado (o novo “tio rico”). O acionista Estado não lidera a reestruturação pelo seu elevado custo político. O que já é dramático vai ser trágico.

Em meados de 2019, o novo ministro Pedro Nuno Santos ignora esta realidade e dá prioridade a escarcéu publico sobre a questão menor, mas popular, dos prémios de gestão. De uma assentada, desestabiliza a estrutura acionista, desautoriza o presidente e o Conselho de Administração e fere de morte a Comissão Executiva.

TAP não garante o hub de Lisboa, mas só este pode garantir a TAP

A sobrevivência da TAP depende da captação do tráfego intercontinental entre Europa e Américas mais África pelo hub de Lisboa, agora sob concorrência crescente. No curto prazo, depende do tráfego Brasil e EUA e das parcerias com Azul e Jet Blue, respetivamente.

E depende sobretudo das rotas intraeuropeias da TAP que o alimentam e nas quais a TAP tem de se concentrar, e excluir as que dão prejuízo, mesmo se de alegada coesão territorial. Nestas rotas, a TAP está sob concorrência das companhias low cost ponto a ponto e das full service que ‘alimentam’ os seus hubs a partir de Portugal. E também todas lutam pela sobrevivência.

Num cenário de consolidação dos hubs europeus, o sucesso do de Lisboa exige também que País e a Cidade atraiam empresas e pessoas que criem tráfego intercontinental autóctone, muito em classe executiva. Desta responsabilidade ninguém fala e menos se ocupa.

A TAP de 2020/21 – qual governação e qual reestruturação?

A governação e reestruturação da TAP entram na lógica da política partidária a impor-se à lógica da gestão, que exige abordagem firme e serena do Auxílio de Estado.

A competitividade de uma empresa depende da qualidade da cooperação entre acionistas, gestores e trabalhadores. Dois anos depois, a TAP atravessa o período mais difícil da sua existência com a governação instável que o acionista Estado gera em junho de 2019.

Até à pandemia (março de 2020), a TAP não foi reestruturada e mantém muitos dos vícios da ‘herança’ da companhia nacionalizada em 1975. No início, pandemia e ausência de escrutínio escamoteiam a gravidade do Governo eximir-se da responsabilidade política neste desastre: nega que o acionista controla a administração e esta controla a gestão.

O atual Plano de Reestruturação da TAP só lida com os efeitos da pandemia e não com os pontos fracos estruturais da TAP de antes da pandemia:

  • inexistência de cultura de intenso e permanente corte de custos, presente hoje em todas as companhias aéreas,
  • excessiva influência sindical sobre acionista e gestão, o que implica conflito social forte, mas esclarecedor com acordo visionário entre Estado e Sindicatos,
  • avaliação dos serviços da Empresa em Base Zero: que faríamos se este serviço não existisse?
  • reestruturação à Groundforce (em 2016 fatura à TAP 15% acima do mercado) quando o aeroporto estava parado, e não no início da recuperação do tráfego aéreo,
  • reconhecer que a TAP volta a não ter massa crítica para competir na nova intensidade concorrencial do mercado único e dever ser consolidada.

TAP Express – um cadinho de erros estratégicos?

O Plano prevê a Portugália, batizada TAP Express, posicionada entre companhias full servive e ultra low cost. É cadinho de erros de que damos exemplos:

  • cultura empresarial da TAP e politica da “geringonça” estão nos antípodas da cultura empresarial necessária ao sucesso de companhia low cost, todas com origem em empreendedor de génio,
  • entra em concorrência direta com easyJet e Vueling sem ter as vantagens competitivas destas,
  • é o classico stuck in the middle, a vantagem proposta do serviço não convence o mercado que… escolhe pelo preço e a empresa fracassa,
  • desvia a TAP do foco de reduzir os custos das rotas intraeuropeias cruciais para o hub.

Importância da TAP para o turismo e economia do País

Em 2019, as companhias estrangeiras representam 96,9% do tráfego em Faro. Entre 2003/19, o tráfego do Porto cresce 5218 milhares de passageiros, dos quais 4723 milhares em companhias estrangeiras e 495 milhares em companhias nacionais (INE, Estatísticas dos Transportes). Em Lisboa, a TAP transporta 25% dos turistas não residentes, mas tem importância qualitativa no caso de Brasil e EUA. Em síntese, a importância da TAP para o turismo recetor português está muito longe de ser a propalada pelo Governo.

A contribuição da TAP para a Economia portuguesa exige análise por escola de Economia de primeira linha. É inaceitável justificar investimento de €3750 milhões no futuro incerto da TAP apenas com argumentos políticos superficiais como os utilizados pelo Governo (exportações sem importações, etc.).

A prioridade da política de turismo e transporte aéreo para Portugal é a conetividade dos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, em que a TAP participa. Não é a TAP em versão vaca sagrada.

Analista Senior de Turismo e Transporte Aéreo, autor de TAP – que futuro? Como chegámos aqui?!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico