Silva Lopes e o turismo em Portugal na década de 1960


Deixámos passar as referências a Silva Lopes para recordar o contributo que deu ao progresso do turismo em Portugal. No início da década de 1960, Silva Lopes realiza trabalhos para o Gabinete de Estudos e Planeamento do Turismo, uma estrutura informal não ligada aos serviços oficiais de planeamento.

Alguns desses trabalhos estão assinados. Entre outros, destacamos Elementos Preparatórios de um Plano de Desenvolvimento para o período 1964/1968, elaborado em colaboração com o Arquitecto Teixeira Guerra e publicado em 1963 pelo Gabinete. Em outros o contributo de Silva Lopes é identificável e decisivo para a qualidade do texto, como acontece com o Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo (1964)

*O turismo no futuro Plano Intercalar de Fomento para 1965/1967
Em 1964, o Turismo é integrado nos trabalhos preparatórios do que viráa ser o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967. A decisão não é imediata. Primeiro são criados onze grupos de trabalho e só depois o das Pescas (nº 12) e o do Turismo (nº 13). Não tivemos tempo de aprofundar a explicação desta demora e de confirmar a versão de testemunha da época: Pesca (ligadas a Henrique Tenreiro) e Turismo (ligado à então Direcção de Serviços de Turismo do politizado SNI) não eram tomados a sério pelos técnicos superiores encarregues dos trabalhos preparatórios do Plano.

Em 1964 Silva Lopes participa na redacção do Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo dos trabalhos preparatórios do Plano Intercalar de Fomento para 1965/1967. Pelo que conhecemos do que se escrevia na época, Silva Lopes está na base de um documento de uma qualidade assinalável e de actualidade nos dias de hoje. Hoje, este Relatório suscita

-uma proposta: a sua divulgação no site do Turismo de Portugal, eventualmente numa colecção de textos marcantes na formação do turismo em Portugal, e

-uma pergunta: como explicar que na actualidade não haja gente capaz de produzir textos com a clareza e a ligação à realidade da economia politica do turismo?

Muitas das propostas do Relatório não figuram no Plano Intercalar e … ainda estão por aprovar no dia em que a Politica de Turismo esteja realmente virada para a Economia do Turismo.

Damos dois exemplos da actualidade de algumas propostas, com alguma edição e sublinhado nossos

*Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo (1964)
Destacamos a prioridade ao que é hoje o turismo na balança de pagamentos, hoje mais actual do que nunca e ainda não completamente integrada pela politica de turismo:

-“houve um critério que esteve sempre presente: o de que se deve dar prioridade às medidas destinadas a fomentar o turismo de estrangeiros, mesmo quando isso implique um certo sacrifício nas actuações orientadas no sentido do turismo interno.”.

Uma citação curta que, em termos diferentes ainda é actual num Portugal em que a Politica de Turismo não é capaz de tratar de maneira diferente o que é diferente: concentração da procura/oferta em Algarve, Lisboa e Porto e dispersão da procura/oferta no Alentejo, Centro e Norte. Em 1964 era assim:

-“o momento político obriga a adiar a Política de Desenvolvimento Regional, mas, entre os Efeitos Económicos dos Investimentos Turísticos,

“Há que analisar se o desenvolvimento turístico pode, de alguma forma corrigir o desequilíbrio espacial da economia metropolitana ou se pelo contrário tenderá a agravá-lo […]

O turismo não pode ser a panaceia para curar todos os males do desequilíbrio económico regional. […].

Tudo leva a crer que os turistas estrangeiros continuarão a manifestar a sua preferência pela orla marítima, e não se pode pensar, com base em critérios de planeamento regional, em desviá-los para outras zonas do País onde mais se pretenda acelerar o progresso económico se essas zonas não tiverem atractivos suficientes para lhes oferecer.

De resto tudo recomenda sob o ponto de vista da eficiência, que uma grande parte dos investimentos turísticos seja concentrada num número pequeno de pontos. […]

Há, porém, duas zonas onde o turismo poderá oferecer uma contribuição decisiva para o progresso regional: o Algarve e a Madeira […] correspondem a regiões comparativamente pobres da economia metropolitana.”.

O texto final do Plano menciona  “a conveniência da promoção prioritária do desenvolvimento do turismo nestas duas zonas [Algarve e Madeira], cuja transformação em dois importantes centros turísticos contribuirá ainda valiosamente para a dinamização da vida económica destas regiões.”.

*Transporte aéreo no Plano Intercalar de Fomento
Em Abril de 1962 [Decreto-Lei nº 44.299, de 24 de Abril de 1962], o Governo decide que

-“As despesas resultantes da construção e equipamento do aeroporto de Faro, previsto no II Plano de Fomento, serão feitas com dispensa no cumprimento de todas as formalidades legais, incluindo o visto do Tribunal de Contas”, decisão que só Salazar pode tomar,

A importância da decisão justifica a peta política, pois o aeroporto não está previsto no II Plano de Fomento para 1959-1963. O compromisso público do Governo em construir o Aeroporto de Faro parece marcar o antes e o depois turismo do Algarve.

Esta decisão abre caminho para as medidas sobre Transporte Aéreo previstas no Plano Intercalar, redigido em 1964:

-“25 – Política de transportes aéreos – Além do tráfego, sempre crescente, dos serviços regulares, particularmente importante no caso dos T.A.P., como companhia concessionária de transportes aéreos,

-afigura-se muito importante a contribuição potencial dos voos fretados no sistema de inclusive tours para o desenvolvimento do turismo em regiões cujas possibilidades naturais estejam muito longe caso de essas regiões se encontrarem afastadas dos grandes centros fornecedores de turistas.

Nestes termos e na medida em que pela sua relativamente baixa frequência, características especiais de tráfego e traçado das rotas, esses voos não afectam a economia da exploração de serviços regulares, considera-se de toda a utilidade a

-adopção de uma política liberal em matéria de voos fretados destinados aos aeroportos do Porto e Faro, no continente, e do Porto Santo e Funchal, nas ilhas adjacentes.

Os voos não regulares para viagens inclusive tour podem, com efeito, desempenhar um papel de relevo na criação de novas correntes turísticas, além de contribuírem, quando convenientemente orientados, para uma melhor ocupação hoteleira fora dos períodos de ponta.

A liberalização dos voos de fretamento deverá, assim, resultar de um cuidadoso estudo de todos os interesses em jogo, consoante os aeroportos a que se destinam, a integrar-se num plano mais vasto de medidas a tomar em diversos sectores – plano que garanta a execução coordenada de uma política eficaz de turismo.”.

Registamos uma diferença:

-em 1964, a proposta de “política liberal em matéria de voos fretados” antecipa a possibilidade física da sua realização (os aeroportos de Funchal e Faro ainda não estão prontos),

-no virar das décadas de 1990/2000 não há a mesma capacidade politica de antecipar o contributo das companhias low cost para o turismo em Portugal.

 
A Bem da Nação

Lisboa 6 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

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