Para o sucesso da diversificação da economia do Algarve – não repetir erros do passado

 

Que falhou nas propostas de diversificação da economia do Algarve nos últimos sessenta anos e como fazer diferente?

Em nossa opinião, é importante conhecer

-o que o sistema politico e administrativo propõe ao longo destes anos para diversificar a economia regional,

-a quase total ausência de respostas à pergunta que se impunha: que devemos fazer para apoiar a competitividade da oferta regional de turismo.

As novas gerações desconhecem a realidade que descrevemos a seguir. Já perdemos a conta e deixámos de rebater as manifestações deste ignorar. Sublinho apenas que este ignorar é fermento de repetir, agravando-os, os “erros do passado”.

Por investigação e por conhecimento direto, conhecemos os fracassos das propostas sobre esta diversificação, desde o III Plano de Fomento de Salazar até à atualidade*.

Desde então acompanhámos o que as forças vivas do Algarve fizeram no campo da Inovação (CRIA - Centro Regional para Inovação do Algarve) e, mais recentemente, do empreendedorismo. Apesar do seu mérito, (ainda?) não geraram diversificação com massa crítica, tema do segundo post.

Este é o primeiro de três posts** sobre

-€300 milhões para diversificar economia do Algarve. Como não insistir em falhar?

 

1.Erros estratégicos cometidos

i)Não tenho ainda uma síntese completa sobre os erros estratégicos cometidos nos últimos sessenta anos, mas posso adiantar alguns.

Os 320 milhões de erros implicam duas consequências:

-evitam que se repitam propostas ou ideias vagas elaboradas em gabinete, desligadas da realidade e condenadas a nado mortas,

-exigem fixar objetivo ambicioso e mobilizador e criar estrutura profissional de gente com provas dadas para implementar o processo que nos permita atingir o objetivo.

ii)Desde a fase de conceção política e operacionalização da estrutura profissional temos de nos virar para o exterior para

-atrair os quadros qualificados da estrutura operacional,

-pessoas, empresas e instituições que façam a diversificação acontecer.

Pessoas, empresas e instituições da Região será avaliadas em conjunto com as do exterior.

iii)A diversificação da economia da Região  

-não é concebida em alternativa ao turismo ou para quando este se esgote,

-tira partido das infraestruturas do turismo e do cosmopolitismo que este gera em muita da sociedade e economia do Algarve,

-por sua vez cria tráfego aéreo não sazonal, que facilita o sucesso das rotas turísticas.

-atrai e retém pessoas, empresas e instituições. Ver jjjj.

 

2.Sessenta anos a ruminar problemas e a sonhar com soluções

2.1Antes do 25 de Abril

2.1.1.A realidade

Desde o início do PRA, “desenvolver aqui o turismo, quererá dizer assegurar a ocupação a muitos habitantes no Algarve que hoje são obrigados a emigrar, em particular os das regiões da serra e do Barrocal (excedentes de mão de obra agrícola); quererá dizer, promover um incremento na actividade secundária (indústria) e terciária (comércio e serviços), através dum evidente crescimento da procura de bens de consumo e de bens de equipamento.” (DGSU, 1964a: 4

Assegurar o “abastecimento de produtos alimentares para turistas” começa por ser uma preocupação dos promotores privados: o de Vale do Lobo (Junho de1963) reserva “uma área de aproximadamente 11 hectares, já cultivada, para a produção de pelo menos uma parte das necessidades de todo o centro urbano”e, em Vilamoura, são previstos 577 hectares de Zona Agrícola. A partir de 1964 (PC, 1964a: VI/99), é uma preocupação oficial, quando é proposto “procurar valorizar ao máximo as economias das regiões turísticas, através de incentivos à produção local para que ofereça muitos dos produtos que os turistas vierem a consumir” e se reconhece que “Neste e noutros aspectos económicos e sociais, uma visão de conjunto dos problemas do Algarve e do Alentejo afigura-se de essencial interesse”(DGSU,1964b: 54).

 

2.1.2.A política

A ideia de «diversificação da economia regional» data do final de 1967, quando o Comissariado do Turismo propõe um desenvolvimento da indústria “capaz de promover a economia em bases mais estáveis” (CT, 1967b: 6) e é exemplo premonitório de casos futuros: uma Instituição da Administração Publica dá parecer, de teor negativo, sem fundamento técnico nem substância real, sobre matéria que não é da sua competência. A ideia é retomada no III e IV Planos de Fomento. É o primeiro equívoco.

O Anteplano Regional, de 1966 [erradamente designado por Plano Regional ou Plano Dodi], propõe desenvolver as conservas de peixe “em concomitância com uma reorganização técnica, da exploração e do comércio da pesca” e ainda outras indústrias “como reflexo, em particular, de um desenvolvimento regional em relação com a atração que será exercida diretamente pelo movimento turístico” (DGSU, 1966: 140).

Na preparação do IV Plano de Fomento, há um primeiro momento de ambição para Faro e Olhão, seguido de recuo, quando o Recenseamento de 1970 confirma a diminuição da população de Faro. P.96

Em 1972, são propostas indústrias não poluentes, de mão-de-obra numerosa, para “contrabalançar o predomínio do turismo” (PC, 1972a:24); em 1973, Faro-Olhão tem a última prioridade, nas “sete áreas de promoção industrial”. Em 1972, Faro-Olhão e Coimbra são “centros regionais”, abaixo de Lisboa e Porto; em 1973, Faro – Olhão cede o lugar a Évora, no nível hierárquico abaixo de Lisboa e Porto.

[É o primeiro exemplo de ligar a diversificação ao sistema urbano regional, que alojaria as atividades diversas do turismo]

No quadro do IV Plano de Fomento, é ainda elaborada uma longa lista de propostas para o Algarve (CPRS, 1972), sem influência visível no texto final.

 

2.2.Os recursos endógenos, continuação e fim

Em 1981, a CCRA critica “A ausência de um plano de ordenamento do território em conexão com o forte desenvolvimento desta atividade” (CCRA, 1981: 13), ignorando o acervo do PRA e estar em curso a elaboração do PGU da Área Territorial do Algarve [um Plano que diz mais sobre a política e administração central do que sobre o Algarve]; propõe, ainda, que a “Agricultura e atividades afins” sejam “um sector chave em que assenta a estrutura produtiva da região”. P.156

Em 1985, é proposto o “potenciar dos recursos endógenos, de forma a estimular fortemente através da atividade regional e nacional a sua capacidade de aprovisionamento em produtos relacionados com o turismo” (CCRA, 1985a: 13). No mesmo ano, o Programa de Desenvolvimento Regional para 1986-1990 propõe o “Reforço do potencial económico e da base produtiva através da diversificação da estrutura económica, assente no melhor aproveitamento dos recursos endógenos” (CCRA, 1985b: III). O novo jargão tecnocrático associa «diversificação e recursos endógenos», em alternativa ao turismo e, desde então, o tema é ruminado em alvitres sobre o Algarve. Em 2007, ainda se insiste na “maior internalização dos efeitos da procura turística na economia regional, designadamente na agricultura, pecuária e pesca” (1); a visão oficial é a obrigação da procura turística consumir o que a Região produz e não o assegurar as condições para que a produção regional seja competitiva no mercado. É o segundo equívoco.  

Em 1985, “O turismo e atividades conexas proporcionam atualmente um maior nível de rendimentos e afirmam-se como economicamente preponderantes, absorvendo grande parte dos recursos regionais (mão de obra, capitais, terrenos). A sua concorrência com outros sectores é um fator explicativo para um desenvolvimento abaixo das reais potencialidades que normalmente aqueles apresentam.” (CCRAb, 1985: I). Esta afirmação política de cariz técnico exige avaliação científica, mas alguma Ciência confirma o modelo e acrescenta que “Também a escassez de água e o conflito permanente com a procura, altamente especulativa, de solo por parte do sector do turismo, constituem obstáculos ao ordenamento e expansão da atividade agrícola.” (Gaspar e outros: 1989:157). Em 2004, ainda se afirma que “a disputa dos fatores de produção (solo, trabalho, capital) pelas atividades terciárias coartou a possibilidade de desenvolvimento destes sectores. [atividades agrícolas e industriais]” (CCDRA, 2003 – Anexo A: 8).

Em 1985, no Programa de Desenvolvimento Regional 1986-1989, a CCRA lança as bases de três pilares da hostilidade cultural ao turismo regional: diversificação da economia regional, aproveitamento dos recursos endógenos, polarização de recursos e atrofia dos outros sectores (CCRA, 1985b).

A partir de 1986, a CCRA dispõe de poderes alargados. Em 1990, publica o Programa Operacional do Algarve 1990-1993, no qual insiste em “mobilizar o potencial endógeno e diversificar a base produtiva” (CCRA, 1990b: 2); no Relatório do PROTAL, retoma o “contrabalançar” do turismo. Em 1993, é publicado o Enquadramento Estratégico para a Região do Algarve 1994-1999, no qual se menciona o “contrariar” o turismo; o Algarve tem uma Estratégia de Desenvolvimento com Desafios, Estrangulamentos, Grandes Potencialidades e Objetivos de Desenvolvimento e Eixos Estratégicos de Intervenção (CCRA, 1993).

No III Quadro Comunitário de Apoio (2000-2006), a CCRA rompe com este discurso e assume a especialização da economia regional no turismo.

 

2.3.Diversas propostas após os recursos endógenos

Em 1990 (CCRA, 1990a: 18), é proposto “contrabalançar o modelo exclusivamente baseado no turismo” e, em 1993 (CCRA, 1993: 57), já se trata de “contrariar a tendência para este [o turismo] se tornar pólo exclusivo de desenvolvimento”.

Em 1990, são propostos dois polos, um de produtos industriais de alto valor acrescentado e outro de serviços avançados; é um tema amadurecido, desde 1987, quando o Presidente da CCRA afirma que “O Algarve começa a reunir condições para atrair massa cinzenta e poderá tornar-se no Sillicon Valley da Europa” (O Jornal, 1987) e reforçado, em 1992, quando Mira Amaral, Ministro da Industria reconhece ter o Algarve “características e condições únicas” para atrair as empresas de alta tecnologia (DN, 25.7.1992).

Na rede hierarquizada de centros urbanos, Faro é Centro Regional e Portimão Centro Sub Regional (CCRA, 1990: 35). Estas propostas têm continuidade, em 1994/1995, no quadro do programa de Cidades Médias, quando “organizar e potenciar a centralidade de Faro” obriga a considerar “um sistema urbano alargado, envolvendo Olhão e Loulé”, de modo a “encontrar «massa crítica» demográfica e social com significado a nível da região, assim como um conjunto de infra-estruturas, equipamentos e estruturas produtivas e empresariais com capacidade de desenvolver sinergias que reforcem as capacidades atractiva e competitiva face ao exterior” (CMF, 1996: 9).

O III QCA inova ao reconhecer que a capacidade competitiva do Algarve se constrói “pela adopção clara de opções de especialização económica centrada no complexo de actividades do turismo e do lazer” (CCRA, 1999: 6). De um sistema urbano em torno de Faro passamos a duas redes urbanas, em torno de Faro e de Portimão; as ideias de 1990 sobre indústria e serviços não são retomadas.

Cerca de 2003, a Revisão do PROTAL relança as propostas de 1990 e a versão final do Plano propõe “a estruturação urbana da Região” de modo a afirmar o “Algarve como localização competitiva de funções terciárias de nível europeu” e a “diversificação” por “um importante pólo de serviços avançados, explorando plenamente as oportunidades da sociedade de conhecimento”, com referência ao “previsível enfraquecimento” do turismo.

 

2.4.Esgotamento turismo

No PROTAL de 2007, quarenta anos após o parecer da DGT, é “fundamental diversificar a economia regional […] face ao previsível enfraquecimento da capacidade dinamizadora do turismo a longo prazo”. Esta afirmação tem origem na elaboração do PNPOT, que retoma esta velha questão: “não se pode esperar que a longo prazo o turismo possa continuar a ser o motor do crescimento algarvio […] há limites que serão inevitavelmente atingidos”, pelo que “é necessário lançar embriões sólidos de diversificação da economia regional, em particular promovendo uma trajetória para uma sociedade de conhecimento e uma economia de serviços avançados, mas também fomentando as condições de recuperação e viabilidade das produções tradicionais” (2).

 

NOTAS

*No livro Território e Turismo no Algarve de 2008, fiz uma síntese destes sessenta anos. Com alterações de estrutura são a base do ponto 2. No livro, há indicação da fonte para quem queira aprofundar o conhecimento do desastre.

**Ver http://sergiopalmabrito.blogspot.com/2022/08/vamos-debater-diversificacao-da.html

 

Vamos debater a diversificação da economia do Algarve?

 

Em recente artigo de opinião no Publico* situámos os três aspetos que urge clarificar para que o importante financiamento de 300 milhões de euros conduza a uma verdadeira diversificação e não à que está na agenda politica desde há cerca de sessenta (60!) anos.

Muito preocupados por não lobrigar consciência clara de começarmos por responder a uma pergunta:

-que falhou nas propostas de diversificação dos últimos quase 60 (sessenta não é gralha) e como fazer diferente?

Preocupados ainda por não ver anunciado objetivo claro a atingir. Propomos

-em 2031, a população residente deve conhecer crescimento estrutural, atingir 15.000 residentes diretos e 10.000 indiretos, por via da diversificação.

Preocupados finalmente por

-não vermos definida a responsabilidade na condução de um processo que deve ser profissionalizado, com clara estratégia publica, mas sem quadros de génese política.

Cada um destes aspetos será objeto de post específico.

Publicamos também posts pontuais sobre casos relevantes.

 

Lisboa 2 de agosto de 2022

spb

* http://sergiopalmabrito.blogspot.com/2022/08/300-milhoes-para-diversificar-economia.html

 

€300 milhões para diversificar economia do Algarve. Como não insistir em falhar?

 


No Algarve, €300 milhões de Fundos Europeus são afetos à diversificação da economia. Ideias e propostas desta diversificação datam do IV Plano de Fomento até à atualidade, sem resultados significativos. Este financiamento implica responsabilidade acrescida das forças vivas regionais, que não podem voltar a falhar. Vejamos como.

1.Porque falharam as ideias e propostas de diversificação? Por falta de financiamento, de ambição e… por muitas serem apenas ideias. Por apostarem apenas no crescimento orgânico de iniciativas locais, algumas de muito mérito, mas este tipo de crescimento ser limitado por definição. Por falta de gestão profissional do que deveria ser projeto concreto. Por se encabrestarem “contra”, em “alternativa” ou “compensar” o desaparecimento do turismo e não em visão mais larga.

2.O aumento da população residente, por via da atração de pessoas, empresas e instituições, mede o sucesso imediato da diversificação. O turismo elimina a redução estrutural da população residente entre 1950/70 (menos 60.000 habitantes). Esta aumenta 55.000 residentes (1981) 18.000 (1991), 56.000 (2011) e 17.000 (2021). Em 2031, a população residente deve conhecer crescimento estrutural, atingir 15.000 residentes diretos e 10.000 indiretos, por via da diversificação.

3.Que alterar para não voltar a falhar? Desde logo, tirar partido do cosmopolitismo e infraestruturas (aeroporto, alojamento, golfe, colégios internacionais, etc.) criadas pelo turismo, que tem na diversificação da economia alavanca para se qualificar – não é menos turismo, é mais economia. A CCDRA lança projeto regional de dimensão nacional baseado na meritocracia. Uma estrutura de missão enxuta, com gente da região e de fora, lança as bases do projeto e dá lugar a entidade empresarial que o implemente. A prioridade total é captar know how exterior e de provas dadas, que ligue com os recursos do País – foi assim com o turismo. A prioridade é atrair empresas que exportem, com alta ou menos alta tecnologia. Prever a implantação territorial das atividades e, sem excluir a dispersão de pessoas, organizar a sua concentração no que se designa por ‘polo tecnológico’ ou ‘território inteligente’, liberto da mera mais-valia imobiliária, que o condenará a prazo.

4.Um exemplo. Em 1995 inauguro a nova sede do RCI Portugal em Albufeira, com capital americano. Em1999, evitamos a deslocalização para a Irlanda por sermos mais competitivos. Em 2019 o RCI e a ICE ocupavam mais de 200 pessoas, todo o ano. Um RCI por ano e teríamos hoje 6.000 postos de trabalho diretos a exportar serviços.

Se não alteramos o modelo que falha desde há mais de meio século, a diversificação da economia regional volta a não acontecer e teremos desperdiçado 300 milhões de euros.

Sérgio Palma Brito, analista senior de Turismo e Transporte Aéreo.