Esta é a solução
apontada por Sérgio Palma Brito para que a companhia aérea possa sobreviver no
mercado após pandemia. O especialista em aviação aponta o dedo ao trabalho
feito pelo Governo considerando que está ‘a descolar da realidade e a entrar em
delírio, com a oposição a andar lá perto, apenas se notando menos’.
Nota – Este é o texto da entrevista conduzida por
Sónia Peres Pinto e publicada online ( https://sol.sapo.pt/artigo/741633/tap-so-sobrevive-privatizada-em-80-?fbclid=IwAR2PbexfPho8v50fRBvXoVeZQVSvR03oO4lCd_ASdt5ejHXQLZteOqKUjfo).
Fizemos correções menores e introduzimos parágrafos
para aligeirar o texto. No título, a palavra ´sobrevive’ deve ser substituída
por ‘viável’.
O que está a falhar na gestão da TAP?
O Estado português continua a administrar e gerir a TAP SA segundo a
cultura e dinâmica da política partidária nacional. Acontece que a empresa
opera no âmbito da liberalização gerada pela regulação europeia do transporte
aéreo, concebida para empresas privadas ligeiras e flexíveis na adaptação às
exigências de um dos mercados mais competitivos da Europa, o do transporte
aéreo. Em mercado competitivo, a cultura e ação da gestão sobrepõe-se à cultura
e ação da política partidária como a conhecemos em Portugal. Acontece que o
plano de reestruturação prevê que a participação do Estado no capital da TAP
atinja mais de 90%, em choque quase frontal com as exigências da liberalização
e adaptação à competitividade do mercado.
A Comissão Europeia não parece convencida
com o plano de reestruturação apresentado, tanto que anunciou que ia avançar
para investigação aprofundada…
Apesar de só ser conhecida pelo comunicado de imprensa, a decisão da
Comissão Europeia revelada a 16 de julho vem mostrar como a intervenção do
Estado na TAP tem divergido das empresas cotadas, direta ou indiretamente, em
bolsa. A prazo, os contribuintes pagarão estas opções. Recorde-se que a 9 de
junho de 2020, Portugal notifica a Comissão da sua intenção de dar um apoio de
à TAP de 1.200 milhões de euros para fazer face a urgentes problemas de
liquidez. No dia seguinte, a Comissão decide autorizar auxílio de emergência,
reembolsável em seis meses ou gerando pedido de Auxílio de Estado com base num
plano de restruturação. Em dezembro de 2020, Portugal apresenta o plano de
reestruturação da TAP, com Auxílio de Estado até 3.700 milhões. A 19 de maio de
2021 o Tribunal Europeu de Justiça, perante queixa da Ryanair anula a decisão
de 10 de junho de 2020 e dá prazo de dois meses para a Comissão agir. A 16 de
julho, a Comissão confirma o Auxílio de Emergência e decide ‘investigação’ que
deverá tomar entre três a quatro meses. Voltamos a esta sucessão de datas. Uma
vez expurgada de aspetos confidenciais, a decisão de 16 de julho será publicada
no jornal oficial da União Europeia para consulta pública e será então objeto
de comentário nosso. A decisão final será tomada mais tarde, tendo em conta a
consulta publica e, essa sim, é a decisiva.
E com isto a TAP vive uma situação de
impasse….
A TAP atrasa o poupar da tesouraria e a elaborar o plano de reestruturação
por saber que tem o apoio do Estado. Volto a citar o primeiro-ministro no
Parlamento: ‘Haja o que houver, a TAP continuará a voar com as cores de
Portugal e continuará a cumprir missões absolutamente essenciais como assegurar
a continuidade territorial, a relação com a nossa diáspora e os serviços de
interesse público que presta no Continente e na ligação com as duas regiões
autónomas’. É o equivalente de um filho que se droga ouvir do pai “serás sempre
meu filho e terás o dinheiro que precisares”.
Mas não é uma política seguida só pela
TAP?
A partir de março de 2020, poupar na tesouraria tem sido a preocupação
principal de todas as companhias aéreas, o que implica reduzir custos de
pessoal. Têm tido auxílios de Estado da linha covid, mas no âmbito de gestão
rigorosa. Os Estados da Dinamarca e Suécia detêm 29,66% do capital da SAS, que
é cotada em bolsa. Em março de 2020, a administração já tinha decidido despedir
5.000 trabalhadores. Em junho de 2020, mais de 4.000 despedimentos estavam concretizados
e reduziu queimar tesouraria. Entre 31 de dezembro de 2019 e de 2020, o pessoal
ativo da TAP passa de 9.006 unidades para 8.106 – de acordo com os relatórios da TAP SA, no site
da CMVM – menos 900 unidades ou 10%. No entanto, o essencial dos cortes de
salários só acontece em março de 2021. O Governo atrasa os custos políticos e
sociais de corte rápido e importante de pessoal, ignorando a realidade que o
CEO da SAS não ignora, mas com confiança no futuro ‘I’m truly looking forward
to once again welcoming you on board a SAS flight in the near future’. O
Governo português aumenta o valor do Auxílio de Estado que vai ter de compensar
a 50%.
Por outro lado, a capitalização que a TAP carece implica o aumento de
capital com o Auxílio de Estado e é inevitável o plano de reestruturação da
TAP. Deixamos de parte a descapitalização da TAP até à privatização de 2015. O
grupo chinês HNA é o financiador da TAP privatizada, mas entre 2016/17
desaparece. A TAP da reversão da privatização passa a necessitar de recapitalização
com Auxílio de Estado e reestruturação, necessidade reforçada pelos maus
resultados de 2018-2019 (58,1 e 95,6 milhões de euros, respetivamente) e
previsão negativa em 2020. O Governo ilude esta necessidade por ter custos
políticos e sociais, e agravando a situação financeira da empresa. Por fim, a
pandemia torna este auxílio imperioso em março de 2020, mas ainda assim, a
Comissão só é notificada em 9 de junho de 2020.
O plano vai ser elaborado por uma estrutura acionista, administração e
gestão desestabilizadas a partir de junho de 2020, quando o ministro traz para
a praça pública os prémios de gestão. Os atrasos no poupar na tesouraria e o
elaborar o plano e a inoportuna desestabilização têm consequências negativas e
resultam de gestão político partidária da TAP. Situações que não aconteceriam
com gestão privada, mesmo com participação minoritária do Estado como acontece
na SAS.
Acha que o Governo ilude-se e ilude
portugueses em relação à aprovação do plano?
A Comissão recebe o plano de reestruturação no limite do prazo de 10 de
dezembro de 2021. Apesar das férias e do timing próprio às decisões da
Comissão, o Governo envia primeira mensagem de otimismo: ‘Plano aprovado antes
do fim de março’. Depois, será aprovado em abril, ou logo a seguir maio. Em 21
de fevereiro, o presidente da TAP afirma ‘Não me passa pela cabeça que o plano
não seja aprovado em Bruxelas’. Algum egocentrismo faz-lhe esquecer que a
cabeça que vai decidir está em Bruxelas.
Finalmente, a decisão chega em 19 de maio de 2021, mas é a sentença do
Tribunal Europeu de Justiça que desmente a ilusão do Governo. Isto porque,
anula a decisão da Comissão de 10 de junho de 2020, a qual dá prazo de dois
meses para tomar nova decisão e/ou seguir a via da investigação para esclarecer
dúvidas sobre a compatibilidade da decisão com as regras sobre auxílios
estatais, com um prazo razoável. O ministro liga esta investigação a interesses
comerciais de concorrentes, nomeadamente da Ryanair. Para o primeiro-ministro,
‘aparentemente é a Comissão Europeia que tem de prestar informações
complementares’ e acrescenta: ‘Para já, não tem consequência nenhuma. Não
significa nada, nenhum atraso. Vamos continuar a executar tudo como temos
estado a executar.’. O não significar nenhum atraso é um erro crasso. Nesta
fase, o pico da ilusão é atingido pelo Presidente da República ao chamar de
‘monitorização’ a decisão da Comissão de 16 de julho de 2021 ‘we have also
opened an investigation into the restructuring aid notified by Portugal’.
Agora, a anedota. O ministro é suposto conhecer o prazo que o Tribunal
fixou à Comissão e a certeza de haver notícias até ao dia 19 de julho. Na
entrevista de Miguel Sousa Tavares refere que o plano já não está em negociação
e espera que a breve prazo – dias ou poucas semanas – seja aprovado pela
Comissão. A 16 de julho, a decisão da Comissão implica que a decisão final
sobre o plano de reestruturação demore mais de três meses. O ministro mostra
ignorar a evolução do processo em Bruxelas ou não diz a verdade aos
portugueses. Em 20 de julho no Parlamento, o ministro reduz a ‘investigação
aprofundada’ e ‘consulta publica’ a ‘dar robustez jurídica ao que estamos a
fazer’. Omite ser quase certo que ‘investigação aprofundada’ e ‘consulta
publica’ terão consequências gravosas para a TAP, que admite ao referir que ‘a
redução que foi feita não é suficiente’.
A cultura e dinâmica da política partidária permite que o Governo se iluda
e iluda os portugueses sobre aprovação do Plano. Nada disto seria possível numa
empresa cotada em bolsa, sob o controle de acionistas que seguem o valor das
suas ações.
Acha que o Governo omite os custos da
reestruturação?
O Governo só agora refere explicitamente três componentes do plano de
reestruturação que podem ser muito gravosas para os portugueses. A mais simples
e mais forte é a de que, após um auxílio de Estado, não poder haver outro
durante dez anos. Trata-se de assegurar que o dinheiro dos contribuintes não é
desbaratado em apoios sucessivos a companhias aéreas inviáveis em mercado
aberto. Mais concretamente, após o auxílio previsto no plano de reestruturação,
a TAP não poderá contar com outro antes de dez anos. Se precisar … é a
falência.
A segunda componente é a da contribuição da própria empresa dever pagar 50%
do custo da reestruturação em dinheiro real e não em previsões criativas. Só
agora é que sabemos que o valor proposto pelo Governo é insuficiente. Segundo a
comunicação social, o Governo começa por recusar ‘cortes nos salários,
despedimentos ou venda de mais aviões’ e admite quatro alternativas complementares.
Baixa o auxílio nos 512 milhões de garantia bancária, imaginando que a TAP se
poderá financiar no mercado, aumenta o risco da ajuda insuficiente e aí a TAP
não sobrevive. Pode ainda esperar que os montantes da ajuda que a TAP recebeu
na covid não contem. Por fim, tem o ‘trunfo na manga’ da Lufthansa entrar no
capital da TAP em posição minoritária, havendo aparente interesse recíproco.
Dito isto, no Parlamento a 20 de julho, o ministro já admite: ‘Um dos nossos
riscos é que a redução que foi feita não é suficiente’ e, segundo a imprensa,
‘a investigação aprofundada que Bruxelas abriu à reestruturação da TAP pode
levar a mais saídas de pessoal da companhia’.
A terceira componente do plano de reestruturação é o esforço da companhia
para limitar as distorções à concorrência que o auxílio de Estado implica e
passa pela redução de atividades rentáveis. É o caso de redução da frota e das
rotas – medida em oferta de lugares/quilómetro, indicador que a TAP esconde
– além, da redução de que a TAP necessita para otimizar a sua operação no
caminho para a viabilidade. Daqui decorre, entre outros que desconhecemos, a
venda de slots em aeroportos congestionados – ‘coordenados’ no jargão técnico
–, como são, entre outros, Lisboa ou Heathrow.
Mas esses dados têm sido omitidos …
Esta omissão de factos gravosos por parte do Governo e da TAP é um exemplo
menor de comportamento inaceitável de não disponibilizar aos contribuintes a
informação mensal, trimestral e anual que as companhias cotadas em bolsa
prestam aos acionistas e público. Houvesse esta informação e os atrasos na
reestruturação e no poupar na tesouraria não teriam sido possíveis.
Considera que o Estado só reestrutura e
capitaliza a TAP sob pressão externa?
Entre 1975/1994 o Estado injeta na TAP 929 milhões de euros de 2020, mas
fá-lo sem planeamento e com atrasos. Em 1993/94 a pressão europeia obriga a um
plano de reestruturação e auxílio de Estado de injeção de capital e garantia
bancária de cerca de 1.500 milhões de euros de 2020 cada. Entre 1991/97 a TAP
perde 5.509 postos de trabalho ou 31,7% ao passar de 11.076 para 7.567
trabalhadores, mas o essencial não foi reestruturado. A TAP volta a ter
prejuízos e, entre 2000-2001, está à beira da solvência que a gestão de
Fernando Pinto e o hub Brasil conseguiu evitar.
E em 2021? Vai ser diferente? Entre 2001/15, Fernando Pinto conseguiu gerir
a descapitalização e a falta de reestruturação até ao ponto extremo de que iria
falir, segundo várias opiniões, como a de Miguel Frasquilho. O Governo Passos
Coelho privatiza a TAP com base em financiamento pelo grupo chinês HNA e com o
hub de Lisboa alargado à China. Em dezembro de 2016, David Neeleman fala de
sete voos semanais para a China e referindo-se ao grupo HNA: “É bom ter um tio
rico”. Entre 2017, falha a injeção de capital chinês e, em 2018 e 2019,
agravam-se os resultados. O acionista Estado não impõe a reestruturação que já
se impunha. Em meados de 2019, Pedro Nuno Santos abre escarcéu público sobre os
prémios de gestão ao gosto da política, mas omite a reestruturação que a gestão
empresarial impõe. Em dezembro de 2019, a TAP necessita de reestruturação e de
capital. A pandemia obriga o Governo a reestruturar a TAP, mas escamoteia a
verdadeira reestruturação que se impõe desde 2018. O ministro expulsa David Neeleman,
o único que conhece a fundo o transporte aéreo e aumenta a parte do capital do
Estado para 72,5%. A TAP é nacionalizada e o ‘tio rico’ deixa de ser chinês e
passa a ser o Estado.
Este cenário é impensável numa
empresa cotada em bolsa. Em Portugal acontece por a TAP ser pública e a cultura
e dinâmica da política dominar sobre a da gestão empresarial.
Mas a privatização da TAP era
inevitável?
Em 1993, quando da elaboração do plano de restruturação que permite o
auxílio de Estado de 1994, os consultores reconhecem que a TAP por si, e mesmo
reestruturada, não tem massa crítica para enfrentar a concorrência gerada pelo
mercado único de 1992. O Governo aprova a privatização a partir de 1997.
Em 2016 a reversão da privatização de 2015 é o primeiro passo da estratégia
que o ministro vem a liderar: nacionalizar a TAP com expulsão do acionista
privado incómodo e o aumento de capital para mais de 90% que o acionista
privado tranquilo não acompanha. A preocupação com uma ‘Tapezinha’ medida pelo
número de aviões deve dar lugar a três perguntas sobre se a TAP –inclui TAP
Express– mesmo reestruturada e financiada:
-terá massa crítica para sobreviver no mercado único do após pandemia que
exige robusto investimento em revenue management, na distribuição proativa pelo
site e na digitalização?;
-Tem cultura empresarial, imagem no mercado e finanças para atrair o
pessoal qualificado nestas áreas e proporcionar-lhes os meios necessários?;
-Tem a garantia de que as decisões da gestão com base neste input, entre
outras sobre rotas e preços, são aplicadas e não alteradas por decisão
politica?
Mas que força tem a CEO Christine
Ourmières-Widener para impor respeito à intromissão do bulldozer da politica
que é o ministro que tutela?
Tanto quanto sabemos, as perguntas não são formuladas e as respostas não
são dadas no plano. A ideia de uma participação minoritária, repito
minoritária, do grupo Lufthansa na TAP surge agora, desgarrada de visão
estratégica e como ‘trunfo na manga’ no plano B da TAP para facilitar a
aprovação do plano pela Comissão, como vimos antes. Estamos longe da estratégia
sedimentada de 1993/1994.
Acha que o Governo está a ser pouco
realista nesta matéria?
Ignoramos se há uma psiquiatria política, mas em tudo isto também há muito
do Governo descolar da realidade e entrar delírio, com a oposição andar lá
perto, apenas se notando menos.
O Mercado Único do Transporte Aéreo data de 1992 e a Liberalização é de
1993, mas algumas das suas disposições ainda são ignoradas. Isto faz algum
sentido? A mais básica é evidente. A liberalização de 1993 fez do mercado
europeu do transporte aéreo um dos mais competitivos do mundo. Nele só
sobrevivem empresas ligeiras em custos e capazes de antecipar as novas
exigências dos consumidores. Por outras palavras, a liberalização é concebida
para empresas privadas.
A poltica de renacionalização da TAP com origem em 2016 vai contra a
corrente. Na resposta a Michael O’Leary, CEO da Ryanair, o ministro usa
argumentos anacrónicos e apanha com a resposta ‘a isso chamamos concorrência’.
Parece ignorar que o mercado único do transporte aéreo assenta na concorrência
leal e aberta. Deixa de haver companhias de bandeira sob controle e influência
do Estado para haver transportadoras aéreas europeias que operam em intensa
concorrência. Isto implica o Governo não poder escolher políticos para cargos
técnicos, criar jobs for the boys and girls ou nomear administradores não
executivos ignorantes do transporte aéreo; obrigar a TAP ou TAP Express a
operar rotas não rentáveis com a preocupação da coesão territorial pelo reforçar
da operação no Porto, Faro e arquipélagos da Madeira e dos Açores. O ministro
tem de perceber que companhias com marca nacional de valor – como a Iberia,
British Airways etc. – são apenas ‘companhias operacionais’ consolidadas em
grupos cotados em bolsa e que definem a sua estratégia sem intervenção do
Governo do país em causa. Têm o apoio do Governo por serem importantes para a
economia, mas o ministro não as pode pôr no mesmo saco da TAP. A contribuição
da TAP para a economia portuguesa tem de ser avaliada por escola de economia de
primeira linha. Para a conhecermos e a salvaguardar no caso da insolvência
ordenada da TAP. O ministro perde credibilidade quando agita 3.000 milhões de
euros de exportações sem considerar as exportações. Ou perda total de 1.200
euros de compras a empresas nacionais porque outras empresas as assegurariam em
boa parte.
A privatização até 80% será inevitável. E
se não houver interessados?
A viabilidade da TAP exige uma reestruturação que minimize a diferença
entre a empresa estatizada e as concorrentes cotadas em bolsa na cadeia
acionista, administração e gestão. A continuidade da cadeia que já conduziu a
TAP estatizada várias vezes ao tapete (1993, 2000, 2015 e 2019) não permite a
sua metamorfose em modelo de excelência que viabiliza a empresa no mercado
ainda mais competitivo do após-pandemia. Há, isso sim, o risco da insolvência
desordenada da TAP. ´
O exemplo da Iberia e de outras companhias aéreas confirma que a
reestruturação eficaz passa por liderança esclarecida que lidera conflito
social intenso, culminando em compromisso histórico com sindicatos sobre
reformas profundas. A reestruturação da TAP de 2021 vai falhar por não
satisfazer sequer uma das condições. De tudo isto resulta a nossa proposta de
privatizar a TAP a 80%. Com 20% do capital, o Estado Soberano pode acompanhar a
administração e gestão da TAP, não as pode dominar ou bloquear.
O ponto fraco desta proposta é poder não haver comprador para a TAP. A
alternativa é a insolvência ordenada que salva o essencial da criação de valor
pela TAP. Desde logo a base em Lisboa, o que é fácil por as companhias
concorrentes instalarem dezenas de aviões em Lisboa. Mais difícil e muito mais
importante é o hub entre a Europa e EUA/Canada, Brasil e África Ocidental, mas
esta operação cria valor que pode atrair interessados, nomeadamente a Lufthansa
para fazer face à aquisição da espanhola Air Europa pelo IAG da British
Airways, Iberia, AerLingus, Vueling e Air Europa.
Tudo parece apontar para o reforço da nacionalização da TAP e o estilo do
ministro levarem a empresa ao desastre. Porque fariam diferente do que o Estado
tem feito desde a nacionalização de 1975? O erro do Estado acionista foi ter
conduzido a TAP a este beco sem saída ou de saída muito apertada.
Como vê a situação na Groundforce?
A Groundforce é a mais importante companhia de assistência em terra do
país. É fornecedor quase exclusivo em cerca de cem milhões de euros da TAP e a
TAP representa 70% das suas vendas da. A regulação europeia impede a TAP de
deter 100% do capital, o que explica haver o acionista privado Passogal SA com
50,1% do capital e a TAP com 49,9%.
No entanto, há uma interdependência pouco transparente entre as duas
empresas. Vejo como mais um exemplo das consequências da cultura e dinâmica da
política. Duas perguntas: Como foi reconhecido em 2016, a Groudforce fatura ou
não à TAP 15% acima do que faturaria a concorrência? O atual contrato entre TAP
e Groundforce resulta ou não da muito forte pressão sindical sobre o governo da
geringonça e deste sobre a gestão da TAP?
Os problemas estruturais da Groundforce são uma espécie de furúnculo. Em
boa gestão o acionista Estado teria rebentado o furúnculo entre
dezembro/janeiro, com os aeroportos paralisados para mitigar as consequências
da forte reação sindical. Não o fez e a situação apodreceu ao ponto da recente
greve ser justa, mas não esclarecedora dos problemas estruturais. Quem viver,
verá.