A crónica
de João Duque no Expresso* é mais um exemplo que que o turismo
é tema que as pessoas mais qualificadas abordam sem conhecer e assim degradam a
sua intervenção. A crónica justifica post crítico porque o autor exagera no
disparate. Vamos procurar pôr o esférico a rolar sobre a relva.
1.Conceito de turismo segundo ponto
de vista da oferta e redutor
O primeiro
parágrafo apresenta um conceito de turismo segundo ponto de vista da oferta, o
que é possível, mas redutor a um ponto que o condena sem apelo nem agravo. Na essência,
JD esquece a oferta de Alojamento Turístico em duas modalidades a não ignorar:
-Residência
Secundária (ou Alojamentos Vagos) em utilização turística pelo proprietário família
e amigos ou arrendada a turistas, o que agora se chama de Alojamento Local,
-Alojamento
Gratuito por Familiares e Amigos, importante em País de Diáspora.
Tivesse o
autor optado por um conceito de turismo do ponto de vista da procura
e teria
consultado as Recomendações Internacionais sobre Estatísticas de Turismo (da
ONU, UNWTO, OCDE e Eurostat) e evitado o erro grosseiro de ignorar como o
comportamento das ‘pessoas’ gera a dinâmica de procura e oferta pelas duas
modalidades de Alojamento Turístico referido antes.
Em
Portugal, Alojamento Turístico é o que o Estado define como tal em sucessivos
regimes legais, que reduzem o Alojamento Turístico à Hotelaria e ilegalizam ‘o
resto’. A excepção é Adolfo Mesquita Nunes a legalizar o Alojamento Local, designação
absurdamente absurda, mas era a que estava à mão.
2.”número de turistas não residentes
entrados em Portugal”
Na senda do
erro anterior, JD comete um segundo erro muito frequente em Portugal mas que um
Professor Catedrático do ISEG não pode cometer:
-reduz ‘turistas’
e ‘dormidas’ ao que é de facto a Industria da Hotelaria ou Alojamento
Classificado segundo os requisitos das ‘Leis Hoteleiras’.
JD não tem
consciência de alimentar o que é talvez o mais importante erro da Politica de
Turismo em Portugal desde há dezenas de anos:
-reduzir o
Alojamento Turístico’ à Hotelaria, ilegalizando 'o resto' do alojamento turístico mercantil e ignorando a realidade da Economia do Turismo mais acordos internacionais desde a já longínqua Conferência de Otawa em 1991.
Desde esta
altura e para as Instituções Internacionais refeidas antes,
-‘Alojamento Turístico é qualquer instalação, individual ou colectiva,
utilizada por turistas.
Se eu esporadicamente receber não residentes em minha
casa, esta é Alojamento Turístico enquanto durar a estadia.
3.”ritmo crescimento de turistas e
das dormidas está a arrefecer”
Seguimos JD
na sua opção de apenas lidar com a Hotelaria ou Alojamento Turístico
Classificado. JD compara as taxas de crescimento de turistas e dormidas de 2014
para 2015 e de 2015 para 2016 com as de 2016 para 2017.
Com base nesta
magnífica série histórica constata que estas últimas são positivas mas
inferiores à anteriores.
Não lhe
ocorre a ideia, conhecida desde há dezenas de anos, de variações conjunturais
ao longo de uma tendência crescente no longo prazo. E a ideia de as variações
conjunturais serem diversificadas, segundo países ou segmentos de mercado.
É isto que
acontece com o número de turistas, dormidas, passageiros nos aeroportos e por aí
adiante. É só consultar as séries longas.
Não nego que possa haver problemas (conheço alguns), mas a análise quantitativa tem de ser muito mais profunda.
4.”depedentes das companhias de
aviação e em particular das low cost”
Aqui JD dá
um pulo que só compreendermos por ‘a dependência’ ser um must em análises
superficiais do turismo. No Algarve já tivemos ‘a dependência’ dos operadores
turísticos. Hoje temos as ‘das low cost’.
O sucesso
da procura/oferta de turismo em Portugal depende, antes de tudo o mais, da
capacidade da atracção da oferta (publica e privada), pela sua competitividade
assente nas pessoas (os portugueses), preço e distribuição mais branding dos destino regionais a apoiar
o Marketing & Venda da oferta no mercado pela iniciativa privada. A cena
dos ‘Ps’ está a ficar mais sofisticada mas o essencial é que tudo começa por
depender de NÓS!
O
transporte aéreo integra o produto, influencia o preço e distribuição e não
deve ser visto separadamente dos ‘Ps’ anteriores. Nas actuais condições de
mercado, as cinco grandes companhias low cost pan-europeias (Ryanair, Easyjet,
Norwegian, Vueling e WIZZ Air … mais a Eurowings) também dependem da capacidade
da oferta portuguesa para cumprir com os planos de expansão com que se
comprometeram em bolsa e ganhar na concorrência que já se instalou entre elas.
O primeiro sinal desta nova relação foi a instalação da base da Ryanair em Lisboa,
sem qualquer incentivo público e que gera dois milhões de passageiros em 2014.
O mercado
do transporte aéreo é livre e a concorrência não perdoa. Suba o petróleo para
níveis já atingidos e haverá companhia para Alitalia, Air Berlin e Monarch. Se
não reduzir custos unitários de produção, a TAP corre o risco de ser parte
desta companhia.
5.“o nosso fundo soberano detivesse
uma posição accionista nestas empresas”
Com ‘esta tirada’
chego a pensar que JD escreve crónica a gozar com a malta. Quem escreve
isto imagina que Portugal é a Noruega o que não é pequena ilusão. Não é, não
fundo, soberano ou não, porque o Estado vive da dívida para servir as suas
clientelas. Investir em bolsa em acções de companhias low cost?
Muito pior,
JD alimenta outra ilusão.
A de um accionista destas companhias as poder
influenciar para operarem rotas e frequências não rentáveis, de maneira a não
compensar a falta de competitividade da nossa oferta de turismo. O autor recua
à TAP ‘transportadora aérea nacional’ que ‘garante’ e o Estado paga porque saca
ao contribuinte. Desde a liberalização de 1993 que tal não é possível.
Nesta
matéria há uma regra de ouro:
-nenhuma
low cost deixa de operar rota rentável e nenhuma opera rota que deixe de o ser.
O resto é
conversa.
A Bem da
Nação
Lisboa 2 Dezembro
2017
Sérgio
Palma Brito
*A seca dos turistas em http://leitor.expresso.pt/#library/expresso/semanario2353/economia/opiniao/a-seca-dos-turistas