Assistimos
ao ruminar permanente de temas como a integração transporte aéreo/turismo ou a
concentração/dispersão da procura/oferta de turismo. Na realidade, deviam ser
parte de acervo de conhecimento sobre turismo que nos permita olhar para o
futuro sem desperdiçar energias com actividade própria de ruminantes. No fundo é
o velho menosprezo da escolha do consumidor na base da integração e concentração/dispersão.
É neste
contexto que devemos integrar a opção Portela+1 no Montijo [ver
a seguir] e intervenções
recentes sobre ‘o turismo no interior’ [próximo post].
*O consumidor compra deslocação turística
a destino em Portugal
O consumidor
que decide adquirir uma deslocação turística a um destino em Portugal é o actor
mais importante na dinâmica da procura/oferta de turismo. Isto era real e
evidente no tempo do package holiday de estadia no Algarve (oferta bundled). Hoje continua a ser real mas talvez
menos evidente pela possibilidade de separar a aquisição do transporte aéreo e
outros serviços (oferta unbundled em
tempos de unbundling dominante).
O turismo
em Portugal é essencialmente intra-europeu:
-em 2015,
os passageiros oriundos da Europa são 88,5% no total dos três aeroportos, 99.9%
em Faro, 96,3% no Porto e 81,6% em Lisboa.
O
crescimento do turismo em Portugal continental está ligado às duas baixas
estruturais no preço do transporte aéreo na Europa:
-desde a década
de 1950, com os operadores de package
holiday que democratizam o acesso dos povos do Norte da Europa às praias do
Sul,
-desde a década
de 1990, com as companhias aéreas low cost, filhas directas da liberalização do
transporte aéreo, que democratizam as deslocações intra-europeias entre
cidades.
Dito isto,
o crescimento do turismo em Portugal continental não existiria sem a capacidade
de atracção turística do Algarve, na deslocação de estadia de sol, praia e
golfe, e de Lisboa e Porto. Isto é cada vez mais verdade porque
-são cada
vez menos frequentes os casos em que basta pôr aviões a voar para a procura por
deslocações turísticas aumentar e são cada vez mais frequentes os casos em que é
a capacidade de atracção de turistas que faz o sucesso desta procura.
É a este
nível que se situa a necessidade e importância da concertação publico/privado
no destination branding e marketing
& vendas da oferta.
Na
realidade, a capacidade de atracção de um destino integra a oferta e o transporte
aéreo. Só os separámos para melhor compreender a sua integração na escolha do
consumidor.
*Zonas de concentração e dispersão
da procura/oferta de turismo
As escolhas
dos consumidores fazem com que em Portugal Continental haja diferença estrutural
entre concentração e dispersão da procura/oferta:
-os aeroportos
de Lisboa, Porto e Faro estão na origem das três maiores concentrações da
procura/oferta de turismo do País e desde há muito que a tendência é para a
concentração da procura nas grandes aglomerações urbanas do mundo moderno e da oferta
em cidades e áreas turísticas de estadia,
-estas
concentrações da procura/oferta de turismo têm escala, organização e
distribuição que as diferencia da procura/oferta estruturalmente mais dispersa
nas outras regiões do País: Alentejo e o que se chama Centro e Norte de
Portugal – o consumidor escolhe entre a Tuscânia e ... o Centro.
Depois, a
segunda diferença estrutural resulta da especialização das áreas de
concentração da procura/oferta entre
-Algarve, Área
Turística da Bacia Alargada do Mediterrâneo, fruto da procura oferta por deslocações
de estadia desde a década de 1950 com os operadores de package holiday, com procura crescente por residência prolongada ou
permanente de reformados não residentes,
-cidades de
Lisboa e Porto, e urbes adjacentes, fruto da procura/oferta por deslocações de tour urbano e cultural, tornadas
acessíveis pela recente barateza do transporte aéreo entre cidades e pela
capacidade de atracção de turistas do após transformação da década de 1990.
A este nível,
a política de turismo ainda não foi capaz de tratar de maneira diferente o que é
diferente:
-zonas de
concentração e dispersão da oferta exigem abordagem diferente pela concertação pública/privado
no destination branding e marketing
& vendas da oferta.
*O Montijo na concentração da
procura/oferta de turismo
A competitividade
do aeroporto é elemento decisivo da competitividade do acesso aéreo ao destino.
Em Faro e Porto estão em causa investimentos na infra-estrutura existente.
Em Lisboa,
a expansão da capacidade do aeroporto Humberto Delgado entrou na espiral do
Novo Aeroporto de Lisboa ligado à privatização da ANA (1), e ainda hoje não conseguimos
recuperar completamente o bom senso:
-a
proximidade do aeroporto Humberto Delgado é factor decisivo na competitividade
da oferta turística pelo que só em situação extrema deve ser deslocalizado,
-nunca foi
avaliado o cenário de não deslocar o aeroporto (cenário zero), quando esta é a
primeira regra na avaliação de um investimento deste tipo,
-Ota e
mesmo Alcochete teriam custo elevado de investimento e sobretudo acessos muito
caros em dinheiro e tempo.
Com a ajuda
da crise, voltamos ao cenário zero, por onde deveríamos ter começado. Se o tivéssemos
feito, teríamos hoje um aeroporto de duas pistas e não a Alta de Lisboa.
Desde
2007/08 que, a título pessoal e profissional (Director-Geral da Confederação do
Turismo Português e essa era a posição da CTP), defendemos o Portela+1 no
Montijo. Passamos sobre as razões da escolha porque hoje é um facto.
A escolha
do Montijo é feita sem debate público, um erro em si e pelo que envenena o
debate. Esta falta de abertura contribui para escamotear as maiores dificuldades
do projecto:
-revisão drástica
das servidões militares em redor de Lisboa e deslocalização das bases aéreas
suburbanas para Beja ou equivalente,
-corte
limitado na Zona de Protecção Exclusiva (Rede Natura) em que o aeroporto se
insere) e outros custos ambientais,
-alteração
do PDM do Montijo para responder à procura de habitação e espaços vários, com
medidas para travar a especulação imobiliária.
*Recuperar o tempo perdido
Apesar de
denodados esforços de muitas pessoas, associações e CTP, o turismo nunca foi
tido em conta durante o processo do aeroporto de Lisboa. Também não foi tido em
conta na privatização da ANA, que surge ligada ao NAL, mas aqui por ausência –
os nossos posts não tiveram eco nas forças vivas do turismo (2).
Portela+1
vai ser decidido sob pressão, necessariamente pior do que decidido em devido
tempo, e não vai evitar tempos muito duros no aeroporto Humberto Delgado. Eventualmente,
perderemos frequências.
Em 2008, a opção
Portela+1 era óbvia.
A Bem da
Nação
Lisboa 25
de Outubro de 2016
Sérgio
Palma Brito
Notas
(1)Na realidade, recuperou e reforçou uma espiral iniciada
ainda antes do 25 de Abril.
(2)Ver o post Participação activa e crítica na
privatização da ANA SA em 2012
http://sergiopalmabrito.blogspot.pt/2016/10/participacao-activa-e-critica-na.html