Ligação aérea Portugal/China – o problema de sempre e a esperança actual

O título é do Expresso mas poderia ser de outros jornais: “TAP está a negociar voos directos para a China”. Neste post situamos a dificuldade de voos directos entre os dois países, esclarecemos o projecto da Capital Airways e temos reservas ao entusiasmo de David Neleman.

*Rota directa China/Portugal – o problema de sempre
A ideia de uma rota aérea entre Portugal e a China tem mais de um quarto de século e começa com o desastre operacional, económico e financeiro da operação da TAP Lisboa/Macau. Este merece post especifico que não tardará.

O problema de sempre é encontrar fora de Portugal a procura que alimente uma operação rentável que implica vários voos por semana – é óbvio que o tráfego outbound de Portugal é mínimo.

Aí por 1994, a rota Lisboa/Macau é apoiada pela criação da Air Macau que ligava várias cidades a Macau e funcionaria como feeder do longo curso. Todo este projecto foi geringonça política que rapidamente se desengonçou com prejuízo importante para a TAP e pago pelos portugueses.

Com mais ou menos profissionalismo, temos sempre uma rota que aterra na ponta Oeste da Europa, continente em que há vários hubs com rotas competitivas para a Ásia. Sem falar das companhias do Médio Oriente. Por outras palavras

-o tráfego outbound da China terá Portugal como destino e por muito atractivo que o País possa ser, não chega para rentabilizar a rota.

O cenário fica mais risonho com uma companhia chinesa a tomar o risco e alimentar o hub de Lisboa. É isto que excita David Neeleman.

*Dois voos semanais da Capital Airways
Sobre o projecto da Capital Airways sabemos que

-“Os voos serão operados pela Capital Airlines, detida pela HNA, a partir de Hangzhou, a menos de 200 quilómetros de Xangai. O pedido de autorização deu entrada na Administração de Aviação Civil da China (CAAC) há alguns meses, mas só recentemente foi comunicada a autorização ao Governo e ao supervisor português, a Autoridade Nacional da Aviação Civil.” (1).

A decisão empresarial não é fácil e está emperrada no imbróglio político e administrativo nacional e europeu, sobre o acordo bilateral de 1999 sobre trafego aéreo entre Portugal e China.

Há indicações de ser possível obter uma autorização da ANAC e informação contraditória sobre ser uma operação regular e primeiro passo de mais frequências ou voos charter de grupos de turistas.

*O interesse da TAP na rota Portugal/China – a esperança actual
A TAP como a conhecemos depende do hub intercontinental de Lisboa, muito dependente do Brasil e a sofrer com os males da economia, sociedade e política do chamado país irmão.

Com pragmatismo, acordo com Jet Blue e conhecimento do mercado dos EUA, David Neeleman lança rotas entre que o liguem a Lisboa e destino Portugal. Não encontramos referência a tráfego com destino à Europa, do género voar via Lisboa para Paris e regressar de Londres com conexão por avião ou comboio.

Neste quadro uma companhia chinesa a operar a rota e a alimentar o hub para a América e África seria ouro sobre azul (sem jogo de palavras com a Azul).

*Declarações de David Neeleman sobre rota China/Lisboa
O Expresso informa que o grupo chinês HNA “prepara-se para lançar uma rota para Portugal, com dois voos semanais”. No texto, destaca que “a TAP quer mais”, e informa que Neeleman “diz estar a tentar que haja um voo diário entre Lisboa e a China ate ao final do ano”. Por fim, cita Neeleman:

-”seria fácil para eles (HNA) e muito bom para a TAP. Temos 75 ligações por semana para África, Brasil, EUA e Europa para distribuir os voos que venham cheios de Pequim”, e ”eles estão abertos a essa possibilidade”. (2).

O título do Jornal de Negócios fala por si:  David Neeleman: “Precisamos de um voo diário para a China”. Segundo o jornal,

-“O arranque de voos diários entre Portugal e a China faz parte dos desejos de David Neeleman, []O responsável adiantou que é um tema que tem estado em cima da mesa e tem sido discutido com o HNA, accionistas chineses do consórcio: "Falámos com eles ontem (sexta-feira)", disse Neeleman, sublinhando que ainda não está nada fechado.” (3).

*Em síntese
Em síntese, temos o problema de sempre, o projecto de um primeiro passo concreto e a esperança actual de David Neeleman convencer a HNA a assegurar uma operação de voos regulares e boa frequência semanal (diária?) e que assegure passageiros para o hub intercontinental de Lisboa.

Uma coisa nos parece certa: David Neeleman é a melhor pessoa para negociar com o parceiro chinês e tal só é possível com uma TAP privada, mas por agora tudo o que sabemos é o que DN deseja. Entre desejos e realidade, qual a distância?


A Bem da Nação

Lisboa 14 de Junho de 2014

Sérgio Palma Brito


Notas
(1)Ver
2016.06.03.Publico.VooDirectoChina
Chineses da TAP autorizados a lançar primeiro voo directo para Portugal

(2)Expresso, caderno Economia, 11 de Junho de 2016.

(3)Jornal de Negócios online em 12 Junho 2016.


Pare! Olhe! Escute! Resultados das empresas do Grupo TAP entre 2003/2015

Consta que o Parlamento se ocupa hoje do que o mainstream imagina serem os problemas da TAP. Aproveitamos a deixa para informar os leitores sobre a situação dramática a que a TAP chegou, a negação da realidade que a isso a conduziu e a parceria estratégica com o Estado que a pode salvar.

*Conhecer o que está em causa – resultados do Grupo TAP
Para princípio de conversa e de qualquer ângulo que se aborde a TAP, não podemos ignorar esta singela dimensão do desastre que a espreita:

-o valor do ‘resultado líquido acumulado’ entre 2003/2015 da TAP e das outras empresas do Grupo aqui revelado pelo gráfico seguinte (1):

Gráfico 1 – Grupo TAP, resultado líquido acumulado entre 2003/2015
(€milhões)




Fonte: Elaboração própria com base em Grupo TAP, relatórios anuais

O factor mais decisivo na formação destes resultados reside na negação da realidade do mercado e regulação em que a TAP actua por todos os que tiveram poder para intervir na empresa.

*Qual realidade de mercado e regulação é negada desde 1993?
Com o 25 de Abril a TAP perde a função de soberania e metamorfoseia-se na fábula com duas faces da ‘transportadora aérea nacional’:

-modelo de negócio irresponsável: ‘o Estado paga’ permite à empresa receber fundos públicos, acumular prejuízos sistemáticos e não ser objecto da transformação profunda de que carece,

-sublimação da irresponsabilidade: a TAP garante “estabelecer ligações permanentes com as comunidades portuguesas mais significativas” e “com os países de expressão oficial portuguesa”, assegurar “transporte para as regiões autónomas” e ser “dinamizador da actividade turística nacional”.

Em 1 de Janeiro de 1993, a liberalização do transporte aéreo no espaço da então Comunidade Europeia

-transforma a TAP numa transportadora aérea europeia que opera em mercado muito competitivo, aberto à concorrência e sem ajuda do Estado,

-destrói o binómio ‘Estado paga e TAP garante’ em que assenta a fábula da ‘transportadora aérea nacional’.

No ano charneira de 1994, a Comissão autoriza o aumento de capital da TAP no valor actual de €1,4 mil milhões. Em Portugal ninguém leva o assunto a sério, e em 2000 a empresa está de novo à beira da falência que nem sequer o Estado pode evitar. 

O gráfico 2 ilustra o custo anual e o total da factura dos vinte e cinco anos da fábula com duas faces:

-entre 1976 e 2000, o resultado líquido acumulado da TAP, actualizado a valor de 2014, é de €-2,9 mil milhões.

Gráfico 2 – TAP -Resultado líquido do exercício entre 1976/2000
(€milhões, actualizados a 2014)



Fonte: Elaboração própria com base nos relatórios anuais da TAP EP e SA, actualizado pelo índice da Pordata

*Como a realidade continuou a ser ignorada até à exaustão de 2015
Em 2000 e no âmbito da falhada privatização da TAP com a Swissair, o então ministro Jorge Joelho escolhe a equipa de gestores profissionais que evita a falência da empresa e a gere (ou, melhor, aguenta) até hoje.

Como a gestão profissional ‘aguenta’ a empresa, o accionista estado ignora dois dos seus deveres elementares: i)impor à gestão da TAP o rigor de remunerar o capital nela investido; ii)capitalizar a empresa e evitar que esta sobreviva em condições inaceitáveis de investimento e tesouraria.

A situação da TAP agrava-se em 2014/2015 e falência volta a ser eminente. Privatizar ou não a TAP consiste de facto em decidir sobre quem a reestrutura e capitaliza: ou o accionista privado segundo as regras do mercado, ou o accionista Estado com desastrosa reestruturação imposta pela União Europeia.

Durante estes quinze anos de vida da TAP SA

-o ‘resultado líquido do exercício acumulado’ da empresa é de €-147,2 milhões, dos quais €-145,7 milhões em 2014 e 2015 (2).

Gráfico 3 – Resultado líquido do exercício entre 2001/2015
(€milhões)



Fonte: Fonte: Elaboração própria com base em Grupo TAP, relatórios anuais

*O governo do PS e a TAP em 2016
A imposição do governo PS sobre capital e gestão estratégica da TAP perturba o funcionamento normal de uma companhia aérea privada como são quase todas as concorrentes. Este handicap é um facto, mas por muito isenta que seja a intervenção do accionista Estado, há que estar sempre atento ao que impõe.

Algum benefício a presença do Estado terá e já resistiu à primeira tentativa de interferência politica forte na gestão de rotas e do hub de que depende a sobrevivência da TAP.

A maneira como é aceite a serôdia participação da HNA no capital da TAP e as perspectivas que abre são outro teste positivo.

O teste maior desta estrutura accionista é afinal o da própria empresa e tem a ver com a sustentabilidade do hub intercontinental dependente do Brasil e do qual a existência da TAP depende. O presidente da Câmara do Porto não quis ou não foi capaz de perceber que vivemos tempos de ‘Tudo pelo hub, Nada contra o hub’.

*Evolução do Grupo TAP e das outras empresas do grupo
Para informação e deleite do leitor mais curioso publicamos a actualização a 2015 da evolução 2003/2015 do resultado líquido do exercício do Grupo TAP e das outras empresas do grupo.

Gráfico 4 – TAP SGPS - Resultado líquido do exercício
(€milhões)



Fonte: Fonte: Elaboração própria com base em Grupo TAP, relatórios anuais

A SPdH SA, conhecida pela marca Groundforce de serviços de assistência em terra, é um caso significativo, porque
-inverte uma sucessão insustentável de prejuízos no seguimento de privatização imposta por regras da União Europeia a qual implica um despedimento colectivo em Faro e alteração radical do regime de trabalho herdado do tempo em que esta actividade era um departamento da TAP.

Gráfico 5 – SPdH SA - Resultado líquido do exercício
(€milhões)



Fonte: Fonte: Elaboração própria com base em Grupo TAP, relatórios anuais

Sobre a Manutenção Brasil continuamos a ignorar até que ponto

-a sua aquisição pela TAP foi parte do generoso acordo bilateral de tráfego aéreo entre Portugal e Brasil, que dá à TAP acesso a número aparentemente ilimitado de aeroportos brasileiros … em troca de Lisboa e pouco mais,

-os prejuízos anuais resultam de limitação local ao impor de boas regras de gestão pela TAP.
Certo é o ano de 2015 desmentir o anunciado equilíbrio de contas da Manutenção Brasil.

Gráfico 6 – Manutenção Brasil - Resultado líquido do exercício
(€milhões)



Fonte: Fonte: Elaboração própria com base em Grupo TAP, relatórios anuais


A Bem da Nação

Lisboa 14 de Junho de 2014

Sérgio Palma Brito



Notas

(1)O Grupo TAP é formado em 2003. Por coerência contamos o resultado líquido da TAP SA desde 2003. No gráfico 3 contamos o resultado líquido desde 2001, primeiro ano em que gere a TAP.

(2)Não adianta falar da imputação em 2015 de €vv milhões da Venezuela. Prejuízo em 2015, foram contabilizados como lucro em exercícios anteriores.




Onde pode o diabo encontrar 33.000 unidades de Alojamento Local em Lisboa?

O discurso bipolar sobre o sucesso do turismo em Lisboa ou o desastre a que conduz entrou em impasse de onde não sairá. Urgente e pertinente é o debate, com base analítica sólida e espirito aberto, sobre as exigências do sucesso do turismo em Lisboa e arredores e o seu contributo para a economia, sociedade e cultura. É neste debate que queremos participar.

*Factores que ofuscam debate das exigências do sucesso do turismo em Lisboa
O debate, com bases analíticas sólidas, sobre as exigências do sucesso do turismo está a ser ofuscado e dificultado pela opinião mainstream, em discurso light que ignora ou deforma a realidade na exploração de temas populistas do tipo ‘excesso de turistas e de hotéis’, ‘plastificação da cidade e perda de identidade’ & similares.

Este debate está também a ser enviesado pela defesa de interesses corporativos da parte mais conservadora da indústria da hotelaria, que vê na concorrência do alojamento local a fonte maior dos seus problemas. A hotelaria é decisiva para o sucesso do turismo em Lisboa, mas há alojamento turístico para além da hotelaria e a sua regulação deve visar a criação de valo económico, social e cultural e não proteger esses interesses. Voltaremos ao assunto.

*Os 33.000 “homes and apartments” da Airbnb em Lisboa
Quando a Bloomberg ecoa “33.000 homes and apartments” da Airbnb em Lisboa, muita gente acredita piamente e daí parte para as duas ‘tartes à la crème” que denunciamos: i) discurso mainstream sem base analítica e enviesado, ii) excesso de oferta e concorrência maligna à hotelaria. Isto desfoca-nos do que é essencial.

O gráfico ilustra a evolução do número de Alojamentos Familiares (INE, Recenseamentos da Habitação) de utilização “residência permanente e secundária” e “vagos”, numa amostra de dezanove freguesias ‘antigas’ da urbe histórica de Lisboa. Assim:

-em 2011 e antes do arranque do crescimento do Alojamento Local em Lisboa, nestas dezanove freguesias, temos 3.375 Alojamentos Familiares de residência secundária e 7.524 vagos, num total de 10.899 unidades.

Gráfico 1 – Utilização de alojamentos familiares em 19 freguesias da urbe histórica
(unidades)

Fonte: Elaboração própria, com base em INE, Recenseamentos da Habitação

Em 2011, há 323.076 Alojamentos Familiares no concelho de Lisboa (Recenseamento da Habitação). O gráfico 2 ilustra a sua repartição entre Residência Principal e Secundária e Vagos. Estas duas utilizações totalizam 84.618 alojamentos.

Em teoria, há lugar para os 33.000 da Airbnb. Na realidade não é assim. Como ilustraremos em futuro post, a maior parte fica longe da urbe histórica, onde se concentra o alojamento local. 

Por exemplo, não parece haver muito alojamento local na freguesia de S. Domingos de Benfica, com os seus 5.000 apartamentos de Residência Secundária e Vagos.

Gráfico 2 – Repartição dos alojamentos familiares de Lisboa por utilização (2011)
(Unidades)

Fonte: Elaboração própria, com base em INE, Recenseamentos da Habitação

Chegado aqui e com a maior abertura de espírito (podemos estar errados), pedimos resposta a uma pergunta:

-onde diabo na cidade de Lisboa pode haver 33.000 unidades de Alojamento Local na Airbnb?


A Bem da Nação

Lisboa 8 de Junho de 2016

Sérgio Palma Brito