Em Maio de 1964, a DGSU propõe o início imediato da elaboração dos «planos parciais de urbanização» das áreas onde está prevista a concentração de empreendimentos turísticos. De Odeceixe a Monte Gordo, o litoral do Algarve é dividido em doze Sectores. O Planeamento começa em cinco: Meia Praia, Alvor à Praia da Rocha, Armação de Pêra, Quarteira [na realidade, Vilamoura] e Manta Rota a Monte Gordo.
Ocupamo-nos do Sector 4, exemplo de como “a construção deve ser, sobretudo, disciplinada através do estudo e actuação de planos orgânicos de valorização, o que se torna particularmente urgente e indispensável para as complexas construções turísticas de maior importância” (2).
Apenas consideramos a versão final do Plano, de 1969, e o Parecer do Conselho Superior das Obras Publicas e Transportes, de 26.07.1973. O interregno resulta da DGSU só relançar o processo do Plano de 1969, depois da Legislação Urbanística de 1971 (3).
a)1969: O Plano do Sector 4
Þ Estrutura Geral do Plano do Sector 4
O Sector 4 é formado pela “zona compreendida entre a EN 125 e o Mar, desde o Rio Arade ao Rio Alvor, incluindo os locais de Bemparece, Chão das Donas e Cardosas” e abrange uma área de 4800 hectares – três vezes mais do que Vilamoura, mas uma miríade de proprietários de terenos, casas e empreendimentos.
Os autores “tiveram que respeitar compromissos com realizações turísticas, do que resultou a impossibilidade de defender uma ocupação costeira descontínua e a dificuldade em defender integralmente a zona agrícola interior”.
A Estrutura Geral do plano assenta no princípio geral definido em 1964: compatibilizar o Defender e o Valorizar. Na ocorrência, temos
· ”Libertação das zonas naturais de interesse paisagístico, histórico ou económico.”,
· “ Concentração das zonas de ocupação”, com “aproveitamento da localização nos núcleos, equipamentos e infra-estrutura existentes.”.
Þ Zonas Livres
As Zonas Livres são “o conjunto de zonas “non edificandi” onde não é prevista qualquer ocupação fora de eventuais construções conforme regulamento anexo. Considera-se este capítulo como o mais importante de um Plano Director pois, da sua observância rigorosa depende a salvaguarda dos valores de espaço, fundamentais para a conservação do valor intrínseco da região.”.
São consideradas as seguintes Zonas Livres:
· Áreas Agrícolas e irrigadas
· Orla litoral: “Denominadas áreas de protecção, dizem respeito a toda a orla litoral marítima e fluvial ainda desocupada, sendo uma zona “non aedificandi” por excelência; coincide aliás, de um modo geral, com a zona de L.I.D.P.M.”.
· Áreas verdes: “Estas áreas dizem respeito ás áreas arborizadas ou a arborizar e que têm a sua importância fundamental para o tipo de urbanização que se propõe. Julga-se, na verdade, que o clima algarvio é perfeitamente compatível com uma arborização específica e característica da região. Este problema deverá ser encarado com toda a urgência e atenção por parte dos poderes públicos, devendo ser elaborado um projecto que englobe os diferentes tipos de zonas verdes previstas:”
· Zonas verde – campo: “as áreas livres envolventes dos núcleos residenciais e turísticos, fundamentalmente constituídas pelo terreno no seu estado actual, com reforço de arborização quando por necessidades de enquadramento ou de protecção.”.
· Zonas verdes – parque: “faixas verdes, ao logo das quais se poderão dispor numerosos elementos de equipamento recreativo e de lazer, constituem um sistema de percursos de peões que liga entre si os diversos pontos do Sector. Podem considerar-se três principais zonas de parque: Portimão/3 Bicos/Vale da França, Vau/Rocha e Alvor/3 Irmãos.”
· Zonas verdes – equipadas: parques desportivos, jardins, jardins de residências.
Há uma questão a reter: porque razão os PDMs, da década de 1990 à actualidade, não incluem este tipo de zoneamento?
Þ Dois Tipos de Núcleos de Ocupação
Há dois tipos de Núcleos de Ocupação (Turísticos e Residentes), que se distinguem por
· “uma diferente caracterização do tipo de população predominantemente residente ou turística”,
· “uma diferenciação na concepção da sua estrutura física”.
Temos, assim, o modelo clássico:
· “Núcleos Residentes concentrados e predominantemente urbanos”,
· “baixa densidade dos núcleos turísticos, garantido desde já o desafogo e o ambiente de liberdade e de espaço, que julgamos [os] dever caracterizar”.
Os autores do Plano acrescentam:
· “Esta concepção de relativa descentralização dos núcleos turísticos é natural consequência da tendência para a localização dos núcleos turísticos fora dos actuais núcleos de ocupação, de que o caso da Praia da Rocha é uma excepção;”.
Este é o modelo que já vem do século XVIII – o problema é a sua implementação.
Em relação ao modelo dos Núcleos de Ocupação, os autores têm em conta a diferença da Praia da Rocha:
· Exceptua-se desta concepção o núcleo turístico da Praia da Rocha que pela sua história e localização se propõe como núcleo turístico concentrado, com forte definição formal, onde se poderão concentrar todo o equipamento de recreio e comércio, e tipos de vida urbano, em oposição aos restantes locais de turismo com um maior contacto com a natureza.”.
Þ Núcleos Residentes
São previstos sete Núcleos Residentes, com uma População prevista de 56.370 habitantes. Retemos três exemplos:
· Portimão ”Constitui naturalmente o polo de atracção de todo o Sector, sendo alimentado por uma população actualmente de 15.000 habitantes com fortes probabilidades de aumento motivadas não só pelo factor turístico mas sobretudo se se tornarem efectivas as previsões de uma importante remodelação e aumento do seu porto, apetrechando-o com um adequado porto de pesca, porto de recreio e porto comercial.”
· Alvor ”Prevê-se a manutenção das suas características actuais, devendo as novas zonas habitacionais previstas, não alterar nem afrontar as construções antigas. Assim, será necessário, tal como para as zonas de Portimão definidas como de interesse, assegurar os investimentos necessários á conservação e renovação destes centros cuja existência é importante para a caracterização dos respectivos aglomerados.”
· Cardosas constitui “zona de expansão”, na qual se prevê “amplo desenvolvimento como zona habitacional de apoio à futura zona industrial”.
Þ Núcleos Turísticos
São previstos dez Núcleos Turísticos, com uma População prevista de 38.800 pessoas. No ponto sobre Equipamento, é definido o Apoio aos Núcleos Turísticos:
· “A estrutura prevista para os núcleos turísticos assenta no estabelecimento de mais de 50% de área livre de ocupação a tratar como áreas verdes especializadas, onde de um modo geral será localizado o equipamento de recreio e desporto a programar efectivamente quando da elaboração dos planos dos núcleos turísticos.”.
No seio dos Núcleos Turísticos são definidos os Complexos Turísticos e as Zonas Turísticas Parcelares. Os Complexos Turísticos têm “densidades brutas que oscilam em média entre os 40 e 50 habitantes/hectare, constituem zonas turísticas de baixa densidade com amplas zonas livres a tratar e arborizar.”.
As Zonas Turísticas Parcelares “incidem sobre um grande parcelamento do terreno, sendo praticamente impossível o desenvolvimento sem planos de conjunto e de pormenor (4) que só poderão ser elaborados por parte dos poderes públicos,”.
Os autores definem duas “Zonas Turísticas Parcelares”. Na da Praia da Rocha, com “grande parcelamento de terreno” e cujo “desenvolvimento será impossível sem planos de conjunto e de pormenor também elaborados sob a égide dos poderes públicos”. É “Zona turística de alta densidade, praticamente a única do Sector com características fortemente urbanas e de concentração”, objecto de um Esboceto em que os autores “encarecem a urgência e a importância da organização do estudo dos processos e meios de coordenação para um correcto resultado” (5).
Þ Aspectos Legislativos
Em 1969, o Plano do Sector 4 não tem enquadramento legal. Os autores do Plano propõem “Aspectos Legislativos” que “dizem respeito a uma política de acção do desenvolvimento do Sector”:
· “Assim, parece que será indispensável dar força de lei aos princípios orientadores do presente plano, nomeadamente: Preservação dos valores naturais; Respeito das zonas “non aedificandi”; Criação de zonas de parque - público.”
· Por outro lado, deverão criar-se condições que facilitem o agrupamento de proprietários para a elaboração de planos de conjunto.
· Um ponto que nos parece da maior importância é a necessidade do estabelecimento de uma política económica para o sector de modo a assegurar uma participação dos particulares nas despesas das infra-estruturas, só possível se execução destas estiver de facto assegurada.”.
b)1973: Parecer do Conselho Superior de Obras Públicas (6)
Þ Visita do Relator ao Sector 4
Antes de redigir o Parecer, o Relator visita o Sector 4, cerca do início de 1973. A sua avaliação são as Considerações Gerais da ”Apreciação”, o ponto mais importante do Parecer. Citamos:
· “tem-se a impressão de assistir a uma «explosão» que urge efectivamente controlar: na cidade, pela revisão urgente do seu plano de urbanização […] e na zona costeira e território contíguo por um plano sectorial, que bem pode ser o proposto em face da generalidade das suas disposições, a concretizar por plano parciais e de pormenor, em curto prazo.”.
Continua:
· “Em face porém do aguilhão da especulação e porque não se deseja uma linha contínua de empreendimentos turísticos entre Portimão e Alvor, torna-se indispensável garantir as zonas intercalares destinadas a separar os vários núcleos, designadas no estudo por “verde-campo” e “verde-parque.
· A simples vinculação, em planos de urbanização, de certas áreas para zonas verdes ou agrícolas, em contiguidade ou nas proximidades de áreas de desenvolvimento turístico ou urbano, nomeadamente na faixa litoral e junto aos grandes aglomerados populacionais tem-se mostrado, praticamente ineficaz (veja-se o que vem acontecendo na Costa do Sol, entre Lisboa e Cascais).”.
Finaliza:
· “Parece ao Conselho que este aspecto é fundamental e sugere, para o resolver, que sejam tomadas medidas eficientes, considerando-se a aquisição dos respectivos terrenos pelo Estado ou pelas Autarquias locais, com encargos a distribuir pelos proprietários beneficiados pelos empreendimentos turísticos ou urbanos.
· Não pode, assim, o Conselho deixar de dar a devida ênfase à indispensabilidade do aperfeiçoamento das medidas de disciplina para o respeito dos planeamentos que sejam aprovados pelo Governo.”.
Þ Duas Orientações e Condicionamentos
Sobre a Distribuição da População, citamos
· “Difícil será porém manter o equilíbrio no crescimento do sector, onde há núcleos turísticos com acentuada tendência para um “desenvolvimento em flecha”, que se torna necessário acautelar.
· A limitação da expansão para sul de Portimão, por forma a evitar a sua ligação à Praia da Rocha, a que se refere o parecer da D.G.T., foi acautelado pelos autores com uma zona «verde-parque».”.
Sobre Condicionamentos, o Parecer acrescenta:
· “Lamenta o Conselho que compromissos com realizações turísticas tenham conduzido a uma ocupação costeira quase contínua e por isso recomenda, mais uma vez, que as poucas descontinuidades sejam intransigentemente defendidas e faz votos para que a ampliação do porto de Portimão venha a ter a melhor solução.”.
Þ Sobre as Zonas Livres
O Conselho
· apoia inteiramente os autores na importância que dão às “zonas livres” e na forma como as classificaram; só lhe merece algum reparo a designação “non aedificandi” que é de tal modo restritiva que não admite quaisquer construções; seria preferível usar a designação de “construção estrictamente condicionada a”.”.
· concorda com a orientação dos autores no sentido de se deixar livre a orla marítima, entendendo, porém, que a largura da faixa de protecção não deve ser, de um modo geral, inferior a 200m.”.
· sobre Zonas verde-campo, “concorda com o critério dos autores, excepto no que se refere à propriedade das mesmas, que deve passar para o Estado ou para as Autarquias, sem o que correrá o grave risco de as ver desaparecer, sobretudo se estiverem intercaladas entre núcleos turísticos ou urbanos, como já se disse.
· sobre Zonas verde-parque, “concorda com o critério dos autores, no que se refere à sua demarcação e aos fins a que se destinam: zonas livres e de recreio, na posse da administração pública.”.
Þ Sobre os Aspectos Legislativos,
Citamos na íntegra:
· “Dado que o anteplano data de 1969, é evidente que se torna necessário considerar, no prosseguimento dos estudos, toda a legislação entretanto promulgada, ao abrigo da qual será mais fácil contemplar os seus princípios orientadores.
· Concorda o Conselho com a proposta de que se procurem “condições que facilitem o agrupamento de proprietários” para a realização de planos de pormenor, cuja elaboração deve ser promovida ou, pelo menos, supervisionada pelas entidades oficiais.
· A participação dos particulares nas despesas das infra-estruturas e equipamento, também se afigura ao Conselho indispensável e extensiva à comparticipação nas “zonas livres”.”.
c)Parecer Final e Decisão Politica
Þ A Incapacidade Política
Pouco antes do 25 de Abril, os Despachos ministeriais, sobre os Planos dos Sectores 4 e 6, ilustram a incapacidade política em intervir com força, na integração territorial do desenvolvimento turístico.
Não sejamos lestos a acusar “o fascismo». A Democracia faz cair uma Cortina de Silêncio sobre o Plano Regional do Algarve e, entre 1974 e 1989 (decisões sobre o PROTAL), faz pior.
Tema para futuro O Algarve à Sexta.
Þ Sector 4
Por unanimidade, o CSOPT é de parecer que o Plano “está em condiçõesde merecer aprovação, e deverá servir de base aos estuds ulteriores, tidas em conta as observações formuladas.”.
Passados nove meses, em 15 de Abril de 1974, o Ministro exara despacho: “Homologo, no entendimento de que o Plano deverá ser revisto em função das observações feitas no presente parecer, bem como do disposto no Decreto-Lei nº 560/71, de 17 de Dezembro”. O Ministro ignora as propostas de decisões vinculativas e operacionais (elaboração de Planos de Pormenor) do Plano e do Parecer do CSOPT.
Þ Sector 6 – Litoral Adjacente a Armação de Pera
Em 5 de Janeiro de 1973, o CSOPT (7) conclui que o Esboceto “está em condições de servir de base ao prosseguimento dos estudos, desde que se tenham em consideração as observações contidas no corpo da consulta”. A Proposta de Parecer é alterada durante a reunião, dado que “Se justifica a promulgação das medidas cautelares”, nos termos aprovados:
· “ tendo-se verificado que em algumas das áreas de paisagens mais valiosa, a proteger, têm sido autorizadas construções, mesmo em desacordo com os planos já elaborados, entende o Conselho que para se garantir a utilidade dos estudos de planeamento em curso parece justificar-se a promulgação das medidas cautelares, previstas no Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro (8) no seu artigo primeiro, abrangendo o território que foi objecto do presente parecer.”.
Em 17 de Fevereiro de 1973, o Ministro exara despacho, de que citamos o ponto crucial:
· “Nas condições actuais, de intensa iniciativa urbanística e turística, não me parece curial sujeitar toda a faixa litoral do Algarve a medidas preventivas, mesmo quando apenas abrangendo a dependência de autorização da Administração. Isso somente poderá ser considerado nas circunstâncias estritas da Lei, ou seja consoante o disposto no n.º 2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, conjugado com a parte final do n.º 1 do mesmo artigo. A tal respeito, também caberá á D.G.S.U. pronunciar-se.”.
Algarve 17 de Fevereiro de 2012
Sérgio Palma Brito
2012.02.17.Algarve.Sexta
Referências
(1)Arquitectos Conceição e Silva e Maurício de Vasconcelos, Plano do Sector 4, Memória Descritiva; a ausência de regime legal sobre estes Planos origina as mais variadas designações, pelo que citamos a do CSOPT: “Plano do Sector IV” do Planeamento Urbanístico do Algarve (Plano Sub Regional de Portimão)
(2)Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização - Dodi, Reggio, Morini, Toschi, Planeamento Urbanístico da Região do Algarve “Esboceto da Faixa Marginal”: Memória Descritiva, Lisboa Janeiro de 1964
(3)A legislação de 1971 define Planos Gerais e Parciais de Urbanização e Planos de Pormenor: Decreto-Lei n.º 560/71, de 17 de Dezembro e Decreto n.º 561/71, da mesma data
(4)A definição legal de Plano de Pormenor é de 1971, mas o conceito é intuitivo: numa zona coerente, não deixar à liberdade a possibilidade de edificar ao livre arbítrio de cada proprietário
(5)Frase citada do Parecer do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes
(6)Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes. Parecer nº. 3882 - III, de 26.07.1973
(7)Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, Parecer nº 3882, de 5 de Janeiro de 1973
(8)Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, da Presidência do Conselho “Define a política dos solos tendente a diminuir o custo dos terrenos para construção”