O Povoamento do Algarve de Antes do Turismo
→ A Serra
A Serra do Algarve 62.3% dos 5.000 km2 do território regional (1). Em 1940 (2), a Serra é “muito menos povoada, sem aglomerações importantes (menos de 700 habitantes), e muitos núcleos pequenos e dispersos” como a forma em que “habitualmente se reparte a população nas montanhas de xisto, de solo muito pobre”.
→ Cidades e Vilas Urbanas
Em 1960, Faro (19.084 habitantes), Olhão (15.711) e Portimão (11.930) são os únicos “centros urbanos” do Recenseamento, mas “O litoral algarvio, […], possui a maior densidade de cidades e vilas urbanas (oito)” (3). É um sistema urbano estagnado: entre 1940 e 1960, a população residente aumenta, de 0.75% em Olhão, 0.4% em Faro e 0.35% em Portimão (4).
Em 1966, Luigi Dodi (5) formula uma questão, ainda hoje sem a resposta sólida que exige:
- “Porque razão nenhuma verdadeira cidade que se aproxime ao menos de 50.000 habitantes? Porquê tantos pequenos e pequeníssimos centros e núcleos? Porquê tão pouco densa a verdadeira população dispersa, aquela referente a habitações dispersas como em Itália se chama? Os motivos são procurados na história, mas especialmente nas condições de ambiente natural.”.
→ Edificação Dispersa da Ruralidade
A intensidade do povoamento do Baixo Algarve deve-se, também, à população dispersa, que “constitui cerca de um terço da população residente total, com uma densidade média de 20-25 habitantes dispersos por km2 da superfície territorial (6)”. Luigi Dodi conclui que “a população dispersa é […] notável nas freguesias do Barrocal e forte nas freguesias do litoral (mesmo com excepção da imediata orla costeira) e é ainda maior para o centro da faixa,”. A Edificação Dispersa resulta de uma ocupação rural em que o Pomar de Sequeiro é importante. Em 1951 (7), o Pomar de Sequeiro ocupa 77.500 hectares de Pomares, passe o pleonasmo, e 22.600 hectares de Arvoredo frutífero misto.
→ Núcleos Urbanos da Vilegiatura Tradicional
Apesar da ligação por comboio (Faro, em 1899, Portimão, em 1903, e Vila Real, em 1988) e da rodovia para Lisboa (concluída, em 1948, pela ponte do Roxo), o Algarve está isolado. Algarvios e alguns forasteiros frequentam quatro os Núcleos Urbanos da Vilegiatura tradicional.
A Praia da Rocha é primeiro exemplo de estância formada a partir da ocupação de espaço rural, por iniciativas individuais. e algum espírito de estância balnear. Em 1899, há referência a um “grande número de casas e quintas, que são muito frequentadas na época de banhos, havendo de Vila Nova até esta praia uma boa estrada” (8). Em 1893, é registada a “absoluta carência de comodidades de instalação caseira para quem não possuir alguma das poucas casas, que formam o grupo de habitações alcandoradas pelas encostas”, (9). A estância data dos primeiros anos do século XX, com a “construção dum edifício para Salão de Festas e Clube, que contou com muitas peripécias na sua execução e se tornou gradualmente no Casino da Praia da Rocha” (10).
Em 1936, a Junta de Turismo “resolveu construir uma Avenida Marginal, a poente de Armação de Pêra, a fim de realizar ali a nova Praia, isolando a parte dos banhistas, que o desejassem, da velha povoação. Para tal, teve de expropriar e comprar […] todas as propriedades particulares que se estendiam até à beira mar, sobre a falésia, as quais iam até ao limite do concelho de Silves.”. A CM de Silves “ fez a continuação dessa Avenida, construindo a estrada que a ligou à vizinha povoação de Porches e, consequentemente, à Estrada Nacional, com extraordinárias vantagens para esta Praia e seu maior desenvolvimento, como Zona de Turismo” (11). Em 1944, reconhece-se que a aldeia de pescadores “só começou a sofrer um mal esboçado movimento evolutivo quando a sua praia, óptima para banhos, chamou a atenção de alguns turistas e proprietários da região
Em Albufeira, a partir de 1930, as armações arruínam-se, as fábricas de conservas fecham e os galeões procuram outros portos, “levando com eles os pescadores mais activos” (12). O “papel de centro e bolsa do comércio e da exportação de figos” é uma afirmação a quantificar, face a um «porto» não equipado. Os pescadores ganham mal e irregularmente, pelo que procuram trabalhar em galeões, nas águas continentais”, mas apenas cerca de 100 o conseguem. Em 1960, a vila tem, praticamente, os limites de 1930.
Na Quarteira de cerca de 1950, a pesca e os veraneantes têm “feito progredir sensivelmente a povoação [o Povo] onde as cabanas de colmo foram cedendo lugar às casas de adobo de construção grosseira, estas, a pequenas casas térreas de aspecto já pretensioso e por ultimo e sobretudo, no bairro balnear, que se começou a desenvolver há cerca de 18 anos [1932], às vivendas junto da Avenida Marginal e suas ruas transversais, que apresentam já aspecto, não diremos de beleza arquitectónica, mas de certo conforto e modernismo”.
Os pescadores, “quando se começaram a impor os primeiros preceitos de urbanismo e a estabelecerem as primeiras regras sobre as construções”, afastam-se do povoado e instalam as suas cabanas em terrenos baldios, cabanas que evoluem para casas e formam o bairro dos Cavacos “que deve possuir mais população que a própria aldeia de Quarteira”. O pescador de Quarteira “vive mal acomodado em casas onde em geral a promiscuidade campeia” (13).
Em 1949, há três tipos de alojamento em Monte Gordo (14). Cerca de trinta moradias, com o máximo de dois pisos, são habitadas apenas durante o Verão. Há cerca de duzentas “«Casinhas do Algarve», raramente com mais de 100 m2 e rés do chão”, no centro da aglomeração existente, onde “vivem principalmente os «pequenos burgueses» trabalhadores [das fábricas de Vila Real] e os pequenos industriais (o artesanato)”. Por fim, cerca de 100 casa de adobe e 60 de “cabanas de colmo”.
O Povoamento do Algarve de Depois do Turismo
→ Modalidades de Urbanização Turística
Urbanização designa a “concentration croissante des populations dans les villes (autrefois) et dans les agglomérations urbaines (aujourd’hui)” ou “action d’urbaniser, de créer des villes ou d’étendre l’espace urbain” (15).
Por analogia, Urbanização Turística designa “a concentração crescente das populações que podem viver o tempo livre, em Estâncias ou Zonas de Turismo, (ontem), e, (hoje), em núcleos turísticos, núcleos e urbes urbano turísticas e edificação dispersa, que formam uma Área Turística”.
A Urbanização Turística do Algarve compreende quatro formas distintas. A primeira é a dos «núcleos turísticos fora dos perímetros urbanos», com informal urbanismo turístico em «ambiente de resort», criados por justaposição de iniciativas individuais, raramente com concertação prévia, ou por urbanização estruturada de grandes propriedades – estes núcleos passam por processos de expansão orgânica («arredondamento»), de densificação das áreas iniciais e de reconversão estruturante (caso de Vilamoura em Vilamoura XXI),
A segunda é a dos «núcleos urbano turísticos», que resultam da transformação dos «núcleos urbanos da vilegiatura tradicional» ou de aglomerados piscatórios segundo dois mecanismos: o da expansão orgânica do aglomerado e o da sua densificação da Edificação – o aumento de cérceas na frente mar é um aspecto da densificação,
A terceira nasce, a quando do travar da expansão da urbanização dispersa, na década de 1990, os PDMs consolidam núcleos urbano turísticos e, quatro deles (Alvor/Praia da Rocha, Armação de Pêra, Albufeira e Vilamoura/Quarteira) evoluem para «urbes urbano turísticas»; estas distinguem-se pela sua escala e formam-se a Norte de largas frentes de mar, segundo dois movimentos: a expansão orgânica do núcleo urbano turístico inicial e a integração de outros focos da dinâmica urbana dispersa, localizados a poucos quilómetros deste núcleo,
A quarta resulta da transformação da Habitação Dispersa do Algarve Rural na residência sub urbana (numa urbanização in situ) de utilização para a vivência do tempo livre e residência da população permanente – pouco falada, constitui o maior perigo para o Futuro do Território do Algarve.
→ 1990: PROTAL – Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve
Em 1990, o Relatório do PROTAL reconhece que o conjunto da “urbanização e edificação dispersas” (16) é considerado “um dos problemas chave do ordenamento do território na região Algarve, devido às suas múltiplas interdependências e repercussões sobre outros sectores.”. Depois, acrescenta: “Poder-se-á mesmo afirmar que a eficácia do PROT Algarve dependerá, em muito, de como estes problemas forem encarados.”.
O Relatório do PROTAL não dá atenção à expansão e densificação dos núcleos urbano turísticos, e, sobretudo, não antecipa a formação da futuras urbes urbano turísticas.
→ Consolidação da Urbanização Dispersa
O PROTAL de 1991 e os PDMs da década de 1990 consolidam a Urbanização Dispersa em Núcleos Urbano Turísticos e Urbes Urbano Turísticas.
Esta Urbanização ocupa 193 km2 de “Solo Urbano + Turístico”, cujo detalhe é dado no Quadro 1.
Há três grandes questões. A primeira é a CCDRA ter o dever de confirmar estes números e de promover a sua cartografia rigorosa. Este é o espaço onde se pode edificar, segundo a confusão da legislação vigente e dos Regulamentos Municipais e 193 km2 é muito espaço para este efeito. Sem implodir o sistema politico/administrativo/pessoal, que continua a reger a Edificação neste espaço, continua a degradação do já frágil Povoamento Urbano regional.
Utilizando uma palavra do léxico das Telecomunicações, o PROTAL de 1990 foi encornado e não reage.
Quadro 1 – PDMs da década de 1990: Total do Solo Urbano + Turístico
Fonte: Elaboração do PROTAL, números da CCDRA, com base nos PDMs (documento avulso da Revisão do PROTAL)
→ Edificação Dispersa
Em 1990, a superfície comprometida com as “Áreas de Edificação Dispersa” é estimada em 400 km2, número raramente mencionado nos estudos sobre o Algarve (17).
Em 2004 (18), durante a Revisão do PROTAL, há um relatório que passa desapercebido, talvez por mencionar: a área do “Total edificado disperso na região” é de 825 km2 (16.5 % da superfície do Algarve) e a da Edificação Dispersa é de 500 km2 (10.0% do total).
Os 400 km2 de 1990 e estes 825 km2 (ou mesmo 500 km2) devem ser comparados com os 193.0 Km2 de Solo Urbano e Urbanizável. Devem ainda ser comparados com a superfície do Baixo Algarve (1.885 km2) e não com os 5.000 km2 da superfície total, pois a Serra não é para aqui chamada..
→ A Falácia da Revisão do PROTAL, em 2007
As medidas da Revisão do PROTAL sobre a Edificação Dispersa não convencem. Esta é mera opinião pessoal, confirmada pelo observar da contínua expansão desta Edificação.
Quanto aos 193 km2 do Solo Urbano e Turístico, têm a bênção da Revisão do PROTAL: “Dentro dos Perímetros Urbanos será genericamente admissível qualquer tipologia de empreendimentos turísticos, sem limite do número de camas”.
→ Turismo Fora dos Perímetros Urbanos
A Revisão do PROTAL tolera, de facto, a Edificação Dispersa e dá total liberdade à edificação no seio dos 193 km2 da consolidação da década de 1990.
Face a esta fraqueza, a Revisão do PROTAL limita drasticamente a criação de Núcleos de Desenvolvimento Turístico, fora dos perímetros urbanos. Começa por limitar a sua capacidade a 24.000 camas, cerca de 600 hectares (6 km2) com uma densidade de 40 hab/hectare. Depois, obriga que a alocação destas camas siga um mecanismo de concurso, que constitui, avaliação nossa, uma das mais criativas formas de impedir o investimento em resorts de qualidade.
Por outras palavras: não há mais Quinta do Lago, mas há todas as torres que quisermos em Armação de Pêra.
→ Ocupação Urbana do Algarve
É importante situar os números da ocupação urbana no Algarve
- o Solo Urbano e Urbanizável ocupa 193.0 km2, ou seja 3.9% da superfície do Algarve e uma percentagem superior do Baixo Algarve,
- nestes 193 km2, a edificação é facilitada, em extensão ou em altura,
- a Edificação Dispersa compromete 400 km2, em 1990, mas o “Total edificado disperso na região” passa a 825 km2, em 2004,
- as 24.000 camas Fora dos Perímetros Urbanos ocuparão 600 hectares, se considerarmos 40 habitantes por hectare.
Sérgio Palma Brito
Referências
(1) Secretaria de Estado da Agricultura, Reconversão da Serra do Algarve, Relatório do Grupo de Trabalho, Lisboa, 1972, p. 10
(2) Orlando Ribeiro e Norberto Cardigos, Geografia da População em Portugal, Instituto para a Alta Cultura, Lisboa, 1946, p. 14
(3) Orlando Ribeiro, Aglomerações de Portugal de 2000 habitantes ou mais, em 1911 e 1960, Fundação Calouste Gulbenkian, Opúsculos Geográficos, vol. V, 1994, p.179
(4) Presidência do Conselho, Trabalhos Preparatórios do III Plano de Fomento, Grupo de Trabalho nº8, Sub Grupo de Trabalho de Urbanização, 1966, p.U.31
(5) Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, Luigi Dodi Anteplano Regional do Algarve, Milão, tradução portuguesa, Lisboa, 1966, p.72
(6) Idem, p. 66
(7) Plano de Fomento Agrário, A Utilização do Solo na Província do Algarve, 1951
(8) A. A. Baldaque da Silva, Primeiro Roteiro Marítimo da Costa Ocidental e Meridional de Portugal, Imprensa Nacional, Lisboa, 1889, p. 38
(9) Júlio L. Pinto, O Algarve (Notas Impressionistas), Livraria Portuense, Porto, 1894, p. 39
(10) Maria João Raminhos Duarte, Portimão – Industriais Conserveiros na 1ª Metade do Século XX, Colibri, Lisboa, 2003, p. 85
(11) Arquivo da Direcção Geral do Turismo, Memorial, Pasta Hotel Garbe
(12) Carminda Cavaco, Geografia e Turismo no Algarve, Finisterra, vol. IV, nr. 8, pp. 216 – 272, Lisboa, 1969, p. 252
(13) Câmara Municipal de Loulé, Plano de Urbanização de Quarteira, Peças Escritas, Loulé, 1950
(14) Consultório Artístico Ltd. Inquérito do Anteplano de Urbanização de Monte Gordo, 1949, p. 62
(15) Françoise Choay e Pierre Merlin, Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’Aménagement, Presses Universitaires de France, Paris, 1966, p. 815
(16) Comissão de Coordenação da Região do Algarve, Programa Regional de Ordenamento do Território para o Algarve, Relatório, Faro, 1999, p. 10
(17) idem, p. 34
(18) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, Hipólito Bettencourt, Padrões de Ocupação do Solo, 3º Relatório, Revisão do PROTAL, Faro, 2004, p. 56