A Marca Portugal como Destino Turístico está na ordem do dia, por via de declarações como
- a da união de esforços “para promover uma única marca, Portugal”,
- a de “Um país com 10 milhões de habitantes não pode ter sete marcas a comunicar de forma distinta” (1).
A Procura e Oferta de Turismo do Algarve estão na ordem do dia, pela menos promissora das vias
- os conflitos de interesses que as companhias Low Cost contribuem para pôr à luz do dia.
Estes dois temas serão, brevemente, analisados neste vosso blogue.
O presente post tem um objectivo:
- contribuir para que a construção da Marca Portugal e das Marcas dos grandes Destinos Turísticos Regionais evite o perigo da versão centralista e centralizadora de uma política de “unicidade da Marca Portugal”.
Esta contribuição é descrita em quatro passos:
- reconhecer que a maioria dos turistas “não vem a Portugal”, mas a um dos grandes Destinos Regionais de Portugal, mais concretamente: Lisboa, Algarve, Madeira e Porto/Douro.
- a valorização das Marcas dos grandes Destinos Regionais (2) é a base da valorização da Marca Portugal como Destino Turístico, por sua vez umbrela valorizadora das Marcas Regionais em que assenta – todo este processo é conduzido a nível nacional com concertação a nível regional,
- o Marketing & Vendas da Oferta de Turismo de cada Destino Regional só é eficiente se estiver apoiada pela Marca desse Destino – este processo é em grande parte conduzido a nível regional, com concertação a nível nacional entre SET/TdP e Confederação do Turismo Português,
- a operacionalização destas orientações exige uma alteração cultural profunda e adaptação institucional, por parte da Intervenção Pública e da Iniciativa Privada – a estabilidade das Marcas e a profissionalização das Direcções Executivas, até ao mais alto nível, são apenas dois exemplos desta transformação.
Na Economia do Turismo, há 5% de Estratégia e 95% de Execução. Vale a pena discutir e consensualizar a estratégia, de modo a evitar o desperdício de recursos numa execução errada à partida.
O que afirmamos sobre a Marca Algarve é aplicável, com as devidas adaptações, a Lisboa e Porto e já aplicado na Madeira.
Não ignoramos os outros Destinos Regionais, mas a acessibilidade rodoviária e a modalidade de oferta exigem uma aproximação diferente. Não repetimos o erro mais profundo da Proposta de Lei sobre as Entidades Regionais de Turismo e tratamos de maneira diferente o que é diferente.
1.“Decisões do Mercado”
*Concentração da Procura e Oferta de Turismo em Destinos Regionais
Nunca é demais lembrar ser o “Mercado a decidir”. É a Procura que faz com que a Oferta de Turismo do País integre dois grandes tipos de Destinos Regionais, que aqui e ali se sobrepõem:- os da Concentração da Oferta, na área de acolhimento dos grandes Aeroportos de chegada dos turistas: Lisboa, Faro, Funchal e Porto – o que designamos de grandes Destinos Regionais resulta da interligação Aeroporto/Oferta,
- os da dispersão de uma Oferta mais ligeira, fruto da acessibilidade rodoviária: Alentejo, Centro e Norte (3).
Por muito que falemos de Portugal como um todo e é um todo, a maioria dos turistas
- “vem ao Algarve ou à Madeira” para estanciar – o turismo do Algarve só se desenvolve, se tirar partido do vasto potencial da “viagem para estanciar”,
- “vem a Lisboa” e “começa a vir ao Porto/Douro”, dando ou não voltas, mais ou menos largas – as cidades, com grande destaque para Lisboa, beneficiam da vaga crescente de estadias urbanas multifacetadas.
Portugal existe como Destino Turístico, integrador dos Destinos Regionais.
*Procura de Residentes em Quatro Países, pelos Destinos Regionais
O Gráfico 1 ilustra a repartição de Dormidas de Não Residentes em quatro países, pelos Destinos Regionais. Os quatro países foram escolhidos segundo um critério:- no seu conjunto, representam 74% das Dormidas de Não Residentes no Algarve (4).
- o Algarve recebe quase 80% das Dormidas dos residentes na Irlanda, quase 70% no caso do Reino Unido e quase 40% no da Alemanha,
- no seu conjunto, Algarve, Lisboa e Madeira recebem entre 90%, ou mais, das Dormidas dos residentes nos quatro países.
Esta concentração da Procura e Oferta tem de ser tida em conta quando,
- o Estado fomenta a Valorização da Marca dos Destinos Turísticos Regionais, sob a umbrela do Destino Turístico Marca Portugal,
- a Iniciativa Privada implementa os seus programas de Marketing & Vendas da Oferta.
Salvo o devido respeito, esta realidade não é devidamente tida em conta pelo discurso dominante e pela política de Turismo.
Gráfico 1 – Repartição das Dormidas do Residentes em quatro países pelos grandes Destinos Turísticos Regionais
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo
2.Marca Portugal, Como País e Destino Turístico, e Marcas de Destinos Turísticos Regionais
*Marca Portugal Como País e Como Destino Turístico
Marca Portugal, como País, e Marca Portugal, como Destino Turístico são conceitos interligados, mas diferentes.Sobre a Marca Portugal como País, citamos o que Simon Anholt afirma sobre países, regiões e cidades (5):
- “they can’t usually be branded: at least not in the way that products, services or companies can”,
- “In short, nobody doubts that places (6) have their brand images, and that those images are critical to their success in the many international contests that characterize the modern economy. It’s only when people start talking about branding rather than brand that the problem starts.”.
O mais recente e polémico exemplo do erro de “nation branding campaign” é a Portugal – Europe’s West Coast. Muito brevemente, publicamos neste seu blogue um post sobre o tema.
Na valorização da Marca País, o Turismo, no sentido da visita de estrangeiros, é um dos grandes factores que contribuem para a formação da Imagem de Marca do País.
No caso da Marca País como Destino Turístico, há uma diferença relevante:
- “a clearer distinction between selling campaigns wich as tourism and investment promotion – wich may well improve sales within their specific sectors and among their specific audiences but may have little or no effect on the overall image of the country – and so-called nation branding campaigns.”.
*Marca Portugal e Marca Algarve – a Caixa de Chocolates
Contrariamente à Marca País, a que não se aplicam as técnicas de branding desenvolvidas para produtos, serviços e empresas, é possível (e necessário, como veremos a seguir) desenvolver campanhas de branding de Destino Nacional e/ou de Destinos Regionais.É neste quadro que se põe a questão da relação entre Destino País e grandes Destinos Regionais. Recorremos a Simon Anholt, para dar uma base objectiva à tomada de decisão
- “When dealing with markets for tourism, investment and exports, the question of wether to represent and promote the nation as a single entity or as a series of “sub-brands” really depends on the audience familiarity with that nation”.
- “In the end, countries like Britain need to adopt what I call a “box of chocolates” brand architecture.
The brand on the outside of the box is “Britain”, and when familiarity is low, we should market the box.
When familiarity is higher, we can open the box and introduce the individual chocolates; each one is distinctive with its own flavours and appearances, but bearing a strongly family resemblance and clear connection to each other and to the brand on the box.”
Segundo os mercados e a sua familiaridade com os grandes Destinos Regionais, assim se promove
- a marca Portugal (a marca da caixa de chocolates), em mercados onde os Grandes Destinos Regionais não são familiares (China, por exemplo) – neste caso, Lisboa é um caso á parte, porque é a capital e a porta de entrada no País,
- marcas de um ou mais dos grandes Destinos Regionais (os sabores da caixa, que se abriu), quando estes são familiares (o caso dos quatro países mencionados antes) – alguém imagina promover o Destino Portugal no Reino Unido, Irlanda e Holanda, omitindo uma referência muito expressiva ao Algarve.
Em conclusão:
- a Imagem de Marca dos grandes Destinos Regionais é um dos comunicadores da Marca Portugal, como Destino Turístico,
- sem Marcas fortes dos grandes Destinos Regionais, não há uma forte Marca Portugal como Destino Turístico.
No caso concreto de Portugal e Algarve,
- a notoriedade do Algarve nos quatro mercados em causa justifica que se abra a “caixa de chocolates” e se faça o destination branding do Algarve.
- Grandes Orientações Sobre a Valorização das Marcas
No Congresso da APAVT de 2008, Jorge Sampaio sugeriu que, para além de mantermos o logotipo de José Guimarães, nos inspirássemos do “modelo espanhol”, na medida em que este
- qualifica a decisão sobre Marca Destino e retira-a da instabilidade da decisão politica.
No fundo, as decisões sobre grande orientações da Marca Destino são tomadas por uma plataforma da sociedade civil, sob o patrocínio do Rei.
Detalhes em próximo post.
3.Marca do Destino Turístico e Promoção Turística Tradicional
*Destination Branding e Ordinary Tourism Promotion
Esclarecida a relação entre Destino Portugal e grandes Destinos Regionais, passamos à relação entre Marca do Destino e Promoção Turística do mesmo. Simon Anholt esclarece a relação entre Destination Branding e Ordinary Tourism Promotion” (7):- -“The idea of destination branding is important because it takes into account these important questions related to the capture and accumulation of reputational value. Ordinary tourism promotion, when it’s carried out with no particular long term national strategy in mind apart from growth, is an endless cycle wich may or not lead to real progress in the longer term.
Unlike brand management [de país, região, cidade], it’s mainly about selling. It can be certainly effective at doing this, but unless the selling is directed and driven by an underlying brand strategy, there is little chance that the country as an whole will acquire any substantial brand equity, and so the promotional task never gets easier or cheaper, and there is little chance that a price premium will ever be justified in the eyes of the consumer (8).
The basic principle of destination branding is that every act of promotion, exchange or representation needs to be seen not as an end in itself but as an opportunity to build the country’s image and reputation.”.
Com efeito, “a destination with a powerful and positive image needs to do less work and spend less money on promoting itself to the market place, because the marketplace already believes what is telling them. It merely has to help buyers find and purchase the product.”.
*Da Promoção Turística a Valorização das Marcas e Marketing & Vendas da Oferta de Turismo
- Chegados aqui, temos de ultrapassar o conceito de Promoção Turística Tradicional (com a dualidade “produto” e “destino”), tal como a conhecemos, e passar a considerar duas actividades distintas e interligadas
- a da Valorização das Marcas – a de Portugal como Destino Turístico e a dos grandes Destinos Regionais, da responsabilidade da Intervenção Pública, por via do Turismo de Portugal,
- a do Marketing & Vendas da Oferta, da responsabilidade a Iniciativa Privada, com facilitação/apoio do TdP e operacionalizada a nível regional, depois de concertada a nível central.
Esta proposta não é apenas uma questão de semântica. Apesar de muitos progressos, o modelo da Promoção Turística Tradicional está inadequado da realidade e não permite a mais eficiente intervenção no terreno.
4.A Difícil Operacionalização de Orientações Simples
*Duas (Impossíveis?) Aplicações da Lei de Pareto
A Lei de Pareto (9), ou “princípio 80-20” é o reconhecimento de, para muitos fenómenos, 80% das consequências resultarem de 20% das causas. O exemplo típico é o de 20% dos clientes representarem 80% das vendas, o que leva a empresa a concentrar os seus esforços nos 20% e pensar menos nos 80%.No caso da Promoção Turística, há muitos exemplos da Politica de Turismo seguir o inverso da Lei de Pareto:
- concentrar 80% da sua atenção em Destinos que, no seu conjunto representam 20% da Oferta, para “combater” as “assimetrias regionais” e a “concentração da Oferta” (10).
- Mesmo no caso do Algarve, este enunciado não pode ser aplicado cegamente à Procura/Oferta de Turismo:
- a prioridade do Marketing e Vendas iria para os quatro países que representam 74% das Dormidas,
- no caso dos 26% restantes, há que distinguir a dispersão esterilizante de esforços do investimento selectivo e consistente em dois ou três novos mercados.
*Proposta Para os Grandes Destinos Regionais
Do que expusemos antes, resulta a seguinte proposta de operacionalização para os grandes Destinos Regionais:- Valorização da Marca e Marketing & Vendas da Oferta são sempre concertados a nível central, com a Confederação do Turismo Português, tendo em conta as associadas pertinentes,
- os Planos, Programas e Acções de Valorização das Marcas, pelo profissionalismo e recurso que exigem, são operacionalizados a nível central.
- os Planos, Programas e Acções de Marketing & Vendas são concertados a nível central, mas operacionalizados a nível regional, por Agência Regionais, privadas, profissionalizadas e ultra ligeiras.
Todo o sistema funciona na base da Justificação dos Orçamentos, Avaliação dos Resultados e Sanção (positiva ou negativa) dos Responsáveis.
Em condições normais, as “autarquias estratégicas” (com destaque para Lisboa) são integradas no sistema, no respeito da sua autonomia.
Dada a confusão reinante e a transformação que está em causa,
- é imprescindível que, em concertação com a Iniciativa Privada, o Turismo de Portugal obtenha conselho profissional, por entidade com provas dadas a nível internacional e não ligada à “feitura e venda de marcas” (11).
Este não é “mais um estudo”. É o conselho qualificado que faz falta.
*Proposta Para o Destino Turístico Algarve
O Destino Turístico Algarve tem uma especificidade que não cabe nos cânones da Politica de Turismo Tradicional – basta lembrar as cerca de 140.000 casas de férias e empreendimentos que “não são turismo oficial”, como a maior parte de Vale do Lobo, Quinta do Lago e Vilamoura.Mesmo ao nível a que nos situamos, o das 100.000 camas de Alojamento Turístico Classificado, Valorização da Marca Algarve e Marketing & Vendas da Oferta têm especificidades a não ignorar, antes valorizar.
Este é tema para próximos posts.
A Bem da Nação
Albufeira 10 de Dezembro de 2012
Sérgio Palma Brito
Notas
(1)Respectivamente, Pedro Costa Fereira, Presidente da APAVT, e Luis Matoso, Administrador do INE, em Publituris.
(2)Como explicamos no ponto 3, consideramos que a Promoção Turística dá lugar a duas áreas de intervenção interligadas, mas diferentes: a Valorização das Marcas e o Marketing & Vendas da Oferta de Turismo.
(3)Ver o post Vinte Anos Passados: Repetir um Erro Estrutural? (Link).
(4)A escolha dos Países não ignora que, no seu conjunto, estes países representam 48.1% das Dormidas em Portugal. O que se afirma sobre o Algarve é válido para Lisboa e Madeira e para o emergente Porto.
(5)Muito do modelo conceptual do post assenta na nossa experiência e na análise e propostas de Simon Ahholt, em Competitive Identity – The new Brand Mangement for Nations, Cities and Regions (2007) e Places – Identity, Image and Reputation (2010).
(6)Na ocorrência, places designa Países, Regiões e Cidades.
(7)Traduzimos ordinary por tradicional.
(8)No caso em apreço, parece haver uma grande proximidade entre a Imagem de Marca, um dos quatro elementos de uma Marca, e o Posicionamento, um dos três elementos do Marketing Estratégico – sem querer entrar numa guerra de conceitos, analisamos este caso no próximo conjunto de posts sobre Marca e Marketing.
(9)A informação da Wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_de_Pareto é útil e fácil.
(10)Há aqui uma pesada herança cultural, de que o post da Nota (3) é a ponta do iceberg. Dar a conhecer o iceberg às novas gerações tem algum interesse, mas não está nas nossas prioridades.
(11)Está em causa um conflito de interesses: se a actividade do consultor é a de criar marcas do tipo das de produtos, serviços e empresas, não podemos esperar uma avaliação desinteressada sobre uma acção de valorização da marca que não privilegie o “«branding» is roughly synonymous with advertizing, graphic design, promotion, public relations (PR) or even propaganda”, citando, mais uma vez, Anholt.
Sem comentários:
Enviar um comentário