O governo
da irlanda acaba de vender ao grupo IAG (British Airways, Iberia, Vueling) os
25% que ainda detém no capital da Aer Lingus. Destacamos algumas notas desta decisão
porque iluminam a privatização da TAP.
De entre
elas, há duas exemplares, em que o governo irlandês
-em vez de
garantias vagas e não identificáveis, é rigoroso sobre a conectividade aérea e
mais precisamente sobre slots e marca,
-em vez de
silêncio sobre o garantir a garantia, exige ao accionista privado uma garantia
legal, e
-sobretudo,
guarda uma acção na nova companhia para garantir a conectividade … não se
preocupando com a aprovação de Bruxelas.
Introdução
*A decisão do governo irlandês
Depois de
meses de negociação, o governo irlandês decidiu vender ao grupo IAG a participação
de 25% do estado no capital da Aer Lingus – Ryanair com 30% e outros
investidores privados detêm os restantes 75% (1).
O presente
post é baseado na notícia do Financial Times online (aqui),
visa apenas comentar alguns destes pontos de referência com a TAP e deve ser
completado pela consulta dos documentos oficiais do governo irlandês e das duas
empresas envolvidas (2).
*TAP, Finnair e Aer Lingus
A Finnair e
AerLingus são as duas companhias do benchmark da TAP, por também integrarem
operação europeia de curto alcance e hub especializado de ligações
intercontinentais: com América do Norte, no caso da Aer Lingus e com Ásia, no caso
da Finnair.
A Aer Lingus
justifica atenção porque passa a ser privada a 100% e por haver eleições legislativas
na Irlanda em 2016. Neste processo não podemos esquecer que o governo irlandês
vende 25% do capital e o português vende 100%, pelo que
-no caso da
Aer Lingus um compromisso formal da empresa privada vale mais do que o voto de
25% do capital do estado,
-no caso da
TAP e em teoria, um compromisso formal da empresa privada não vale mais do que
o estado deter 100% do capital, a não ser que a empresa privada garanta maior
capacidade de resistir aos eventos do mercado.
Informação ao leitor
1.Notas sobre a decisão do governo
irlandês
*Decisão final do governo irlandês
Seguimos a
notícia do FTonline de 27 de Maio (3). Numa primeira fase o governo irlandês é
seduzido por
-ligação da
‘empresa nacional’ a uma rede mais vasta rotas aéreas,
-possibilidade
de desviar passageiros do hub de Heathrow para os hubs de Dublin/Shannon.
Numa segunda
fase é a promessa de empregos, rotas servindo a Irlanda e crescimento que torna
o apoio do governo “politically feasible in the hothouse atmmosphere of a
country preparing for a general election next year.”.
Entre as
promessas menos precisas do grupo IAG, temos
-criar 150
empregos na AerLingus até Dezembro de 2016,
-crescimento
e promoção nas áreas de influência dos aeroportos de Shannon, Cork e Knock.
Mais
importante é a garantia que os actuais 23 pares de slots da Aer Lingus em
Heathrow serão sempre da empresa e que durante pelo menos sete anos continuam afectos
à conectividade aérea da Irlanda.
Por fim “a touch
of excitement” com
-a visão de
fazer da Irlanda um “natural gateway” para “transatlantic routes, feedink UK
passengers into AerLigus’s network, ading more North American destinations and
expanding its fleet to carry na estimated 2,4 milhões de passageiros adicionais
até 2020”.
*Anúncio oficial do apoio do governo
irlandês à oferta do grupo IAG
Depois de
três meses de discussões com as partes interessadas, em termos gerais o governo
irlandês considera que a venda das acções nos termos propostos [os sublinhados
são nossos]:
-“would be the best means of securing and enhancing
Ireland’s connectivity with the rest of the
world and maintaining a vibrant and
competitive air transport industry in Ireland. It would also best serve the interests of the
travelling public, Aer Lingus and its employees, the Irish tourism industry and
the Irish economy as a whole.” (4).
*”Connectivity commitments”
O tema de ”Connectivity
commitments” abrange sobretudo os slots de Heathrow e a marca Aer Lingus. Já
descrevemos a importância dos 23 pares de slots em Heathrow e como influenciara
a anterior decisão negativa do governo irlandês (5).
Segundo o governo irlandês o grupo IAG concordou com “a
number of legally binding connectivity commitments in its offer, particularly
as regards access between Irish airports and London Heathrow Airport.”. No caso
dos slots, destacamos
-“Aer Lingus’ existing slots at Heathrow will continue
to be held by Aer Lingus. This commitment is unlimited in time and will
provide stronger protection for the State than the current arrangements
provide; and
-Aer Lingus will continue to operate its current daily
winter and summer scheduled frequencies between London Heathrow and Dublin,
Cork and Shannon for at least seven years
post-acquisition” […]
in each case unless otherwise agreed by Government.”.
Sobre a
marca Aer Lingus, citamos:
-“IAG has also agreed with Government to include
legally binding commitments that protect the Aer Lingus brand and head office
location in Ireland. The State has no such guarantees at present as a minority
shareholder.”.
Registamos duas
diferenças com a TAP
-estes “connectivity commitments will be enshrined in
Aer Lingus’ Articles of Association thus giving
them legal effect”,
-“the Minister for Finance will retain one share in the company, which will be redesignated as
a new class of share and have certain rights attached to it, so that the prior
consent of the Minister for Finance, in consultation with the Minister for
Transport, Tourism and Sport of the day, will be required by Aer Lingus before taking any action inconsistent with the
connectivity commitments.”.
2.Tópicos para uma comparação com a
TAP
*Adesão da companhia aérea a uma
empresa maior
Na Aer Lingus
e na Finnair, está na agenda ligar a ‘empresa nacional’ a uma rede de rotas
mais vasta. Recordamos que TAP, Finnair e Aer Lingus combinam rede de rotas
short haul ligadas a um aeroporto base e hub intercontinental (Lisboa,
Helsínquia e Dublin). Cada uma à sua maneira, têm de responder às mesmas
perguntas:
-qual a
viabilidade de companhia de nicho numa indústria em consolidação?
-como
conciliar operação intercontinental em longo curso e concorrência de outras
companhias full service com rede europeia e concorrência de companhias low
cost?
No caso da
Finnair, é o CEO que toma posição e procura influenciar o accionista estado (6).
No caso da Aer Lingus, esta ligação com a British Airways
é um dos primeiros argumentos a ser valorizado pelo governo irlandês. Em
teoria, o governo irlandês teria argumentos contra:
-a
possibilidade da BA absorver o tráfego mais importante da Aer Lingus parece
evidente,
-a relação
histórica entre Inglaterra e Irlanda nem sempre foi pacífica, para sermos soft,
-Willie
Walsh, CEO do grupo IAG, nasceu em Dublin, era CEO da Aer Lingus quando a
empresa era 100% pública e em 2004 liderou uma proposta de management buyout.
No caso da
TAP nunca vimos o accionista estado ou a opinião pública qualificada abordar
claramente esta opção.
*Desviar passageiros de hub de Heathrow
para Dublin/Shannon
Um olhar
superficial sobre o mapa da Europa e escala das companhias aéreas leva a pensar
que o primeiro objectivo da BA é canibalizar os hubs de Dublin/Shannon a favor
de Heathrow. Se aprofundamos a observação, surgem argumentos a favor da
aquisição pela BA.
O hub da Aer Lingus tem pontos fortes na diáspora
irlandesa na América do Norte e “carved out a successful niche by playing on
its location at the western edge of Europe and cutting a deal with US customs
to pre-clear pasengers for immigration in Dublin and Sahnnon”.
Mais
importante é a sinergia que é possível gerar com gestão integrada de rotas e
capacidades entre Heathrow/Dublin/Shannon de modo a aumentar a oferta
intercontinental.
Não
entramos no detalhe desta sinergia, mas é o tipo de solução win win que não
encontramos no caso da TAP, no qual domina a teoria da conspiração e o
maquiavelismo do comprador.
*Slots
A TAP dispõe
de slots valiosos em vários aeroportos congestionados e onde há procura para
novas rotas intercontinentais. O caso mais conhecido é o de Heathrow, as há
outros como S. Paulo e até Lisboa.
No já
referido post sobre a ‘TAP no contexto do transporte do transporte aéreo internacional’
referimos a incompreensível atitude do governo português.
O Caderno de
Encargos da TAP refere de maneira vaga
-“continuidade
e reforço das rotas que sirvam as regiões autónomas, a diáspora e os países e
comunidades de expressão ou língua oficial portuguesa”.
A posição do governo fica menos
compreensível quando, em resposta a pergunta de ordem geral, “fonte oficial do
Ministério da Economia” declara ao SOL:
-“O caderno de encargos apenas
sujeita ao regime de indisponibilidade as acções da TAP SGPS e da TAP SA”.
Interrogado sobre slots valiosos como os de Heathrow e S. Paulo, o Ministério
da Economia explica que:
-“Desde que cumpridos o caderno de encargos e a legislação aplicável, o
adquirente terá liberdade para negociar e ceder estes direitos” (aqui).
*Slots e marca – garantias para o
Estado
A exemplo
do que acontece com a iliteracia de governo, oposição e opinião pública sobre
política da União Europeia sobre auxílio do estado a companhias aéreas (7),
encontramos
-a mesma iliteracia
de governo, oposição e opinião pública (repetimos para ficar
claro) em fixar garantias claras e garantia das garantias.
Até hoje,
ninguém pensou em
-exigir que
o accionista privado dê força legal a garantias claras e precisas,
-o estado
manter uma acção na nova empresa para garantir as decisões sobre conectividade.
*‘comparar a TAP com companhias
estrangeiras de que temos conhecimento falso’
A AerLingus
é exemplo magnífico dos disparates proferidos por políticos e opinadores opiniáticos
que em toda a impunidade, se atrevem a ‘comparar
a TAP com companhias estrangeiras de que temos conhecimento falso’.
Na ocorrência, a vítima é uma pessoa com a responsabilidade
que António Pedro Vasconcelos tem
vindo a assumir. APV escreve no Público de 11 de Fevereiro de 2015:
-a Aer Lingus está reduzida “à
sua expressão mínima”, “foi comprada pela Ryanair e está a dar um prejuízo
incomportável” (aqui).
Na realidade a Aer Lingus
-visivelmente, não foi comprada
pela Ryanair,
-não “está a dar um prejuízo
incomportável” – em 2014 tem resultado líquido positivo de €72 milhões, e nos
últimos doze meses as suas acções crescem 63%.
A Bem da
Nação
Lisboa 27
de Maio de 2015
Sérgio
Palma Brito
Notas
(1)O essencial
deste processo e do benchmark de Finnair e AerLingus é descrito no post ‘A TAP
no contexto do transporte aéreo internacional’. Ver
(2)O leitor
mais interessado ou o estudioso deve percorrer os seguintes documentos oficiais
-Governo irlandês
Minister for Transport, Tourism and Sport, Paschal
Donohoe TD, announces Government’s support for International Airlines Group
(IAG)’s offer for Aer Lingus
-AerLingus
RECOMMENDED CASH OFFER FOR AER LINGUS GROUP PLC BY
AERL HOLDING LIMITED, A WHOLLY-OWNED SUBSIDIARY OF INTERNATIONAL CONSOLIDATED
AIRLINES GROUP, S.A.
-IAG
Cash Offer for Aer Lingus Group plc
Aer Lingus Cash Offer presentation
(3)National pride assuaged in Aer Lingus stake sale to
IAG, ver
(4)Citações a partir de Press Office, Department of
Transport, Tourism and Sport, Ver
(5)Ver post da Nota (1).
(6)Ver FT online de 26 de Janeiro de 2015, Finland
must consider loosening grip on Finnair, says CEO em
(7)Ver ponto
1.3 do post ‘Reestruturação da TAP pelo accionista Estado’
Olá, Sérgio. Soube do teu blog por acaso, através dum link n'O Insurgente a propósito da privatização da TAP. Que é feito de ti? Li o teu perfil, mas já é de 2012. Também tenho um blog (Será que os anjos têm sexo?), mas escrevo posts muito mais curtos e despretenciosos. Vejo que aprofundas os temas sobre que escreves. Tenho de voltar cá com mais tempo, devido ao adiantado da hora, para ler várias coisas que me interessam. Continua a escrever. Um abraço
ResponderEliminarJúlio Freire de Andrade