Pena Furada – Oscar Niemeyer no Algarve


O local é a Pena Furada, a Norte de Vila do Bispo. O terreno é um rectângulo “deitado”, entre a Estrada Nacional e o mar.

O “memorial descritivo do projecto do Algarve” ocupa vintena de páginas. A capa é a panorâmica de um empreendimento turístico, de harmonia rara no urbanismo e indicações de arquitectura cuja beleza sentimos.

É exemplo magnífico das ideias que, em 1970, Conceição e Silva defende, quando critica a política oficial de “considerar que a integração dos edifícios na paisagem, deva necessariamente corresponder ao seu não aparecimento volumétrico nessa paisagem”, política que “parece ter conduzido alguns serviços ligados ao turismo a considerarem os edifícios como indesejáveis e o seu aparecimento como uma acção destruidora da paisagem existente”. Conclui que “A paisagem não foi suficientemente valorizada e a arquitectura que em todos os tempos teve uma das maiores acções culturais, cede a favor da paisagem algarvia. Não houve assim uma desejável contribuição da arquitectura e a correspondente valorização da paisagem.” (1).  


*Março de 1966 – “Memorial descritivo” do Empreendimento da Pena Furada

O texto é manuscrito e completado com esboços de desenhos, que o completam. É escrito no Rio de Janeiro, em 14 de Março de 1966. Com base da observação e sem sermos especialistas, a caligrafia é de quem assina Oscar Niemeyer e de Niemeyer parecem ser os desenhos que o ilustram (2).

Citamos o início:

-“O projecto que apresentamos se adapta à topografia da Pena Furada, aproveitando os contrastes surpreendentes que esse local oferece. Evitamos que a solução atingisse as áreas em declive – oneroso de construir –e que ocupasse demasiadamente o terreno (desenho 1) tirando-lhe as características de amplitude e beleza que tanto o valorizam.

Isso explica os núcleos compactos que constituem os blocos de habitação e que situados à via principal conferem à mesma, como prevíamos, o aspecto variado – o contraste de áreas construídas e espaços livres desejável (desenho 2).

Fixados este critério, começamos a marcar o zoneamento procurando localizar cada sector de acordo com suas solicitações, sem criar acessos em demasia, procurando ao contrário simplifica-los, adaptando-os às curvas de nível.”.



*Agosto de 1966 – a “Explicação necessária”

Uma outra vintena de páginas tem o carimbo de “Entrada” na Direcção Geral dos Serviços de Urbanização, com data de 30 de Agosto de 1966.

O “memorial descritivo” é antecedido por uma página, também manuscrita, de “Explicação necessária”. Desta, citamos:

-“Sob o ponto de vista arquitectónico, nossa intenção é encontrar uma solução que exprimindo a técnica contemporânea, se adapte e se harmonize com a natureza e a arquitectura local. Não pretendemos certamente copiá-la. Seria um desvio vvv que o gosto e o respeito pela tradição devem repelir. Nossa ideia é apenas manter nas novas construções do Algarve, o espírito da velha arquitectura portuguesa que nos sugere as soluções simples e construtivas, mas também as fantasias bbb que o concreto armado hoje, generosamente, nos oferece.”.

 

*Nota Final

Consagrei muito tempo da minha vida, na frustrada tentativa de dar uma base sólida ao discurso dominante, mas superficial e errado, sobre a transformação da paisagem cultural da economia e sociedade tradicionais do Algarve e a formação da paisagem cultural da economia turístico residencial, em polos de uma estreita faixa do Litoral (3).  

Entre 2005/2006 passei dias no Arquivo da CCDR do Algarve, a consultar dossiers (4). O Arquivo é profissional, com a excepção dos “atados”, armazenados numa espécie de mezanine – são, literalmente, montes de peças por arquivar, atados com baraço. Percorri, peça a peça, os “atados”. Lá pelo meio, encontrei os originais (originais!) assinados da Pena Furada, de que fiz fotocópia. A minha iniciativa, inteiramente pro buono, foi frustrada e já não iniciei a investigação no armazém da Cagalhota (desculpas pelo nome!). É possível que lá estejam as peças escritas e desenhadas que não encontrei.

 
A Bem da Nação

Albufeira 6 de Dezembro de 2012

Sérgio Palma Brito

 

Referências

(1)Arquitecto Conceição e Silva, Parecer para a empresa Salvor, de 29 de Abril de 1970.

(2)O Memorial descritivo inicial é apenas assinado por Niemayer. A versão de Agosto de 1966 é, também, assinada pelos Arquitectos Viana de Lima e Hans Gerorg Muller.

(3)Ainda publiquei o livro Território e Turismo no Algarve (Link) e Portugal ficou mais rico por o trabalho não ter continuado.

 (4)Reafirmo toda a minha gratidão ao Presidente Campos Correia e ao Arquitecto Jorge Eusébio, pela ajuda que recebi e a confiança que tinham em mim – no dia da festa de Natal, fiquei só no edifício, deixando as chaves em sítio seguro.

 

2 comentários:

  1. Caro Sérgio Brito,
    A documentação deste projecto, existe em formato digital?
    MC
    José Silva

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    1. Viva, lamento a demora. Que eu saiba, não há. Muito provavelmente, no Arquivo dos "atados" da CCDRA haverá as peças que eu não encontrei - o Presidente da CCDRA não aceitou a minha disponibilidade para ajudar nas buscas (... se é que as fizeram). Dizem-me que o Abel Pinheiro tem uma cópia - o promotor era uma empresa do Grupo Grão Pará. Um exemplo de Portugal, no seu pior!

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